Ministro do STJ manda Queiroz de volta à prisão; entenda o que acontece agora

0
169

O ministro Superior Tribunal de Justiça (STJ) Felix Fischer derrubou a prisão domiciliar concedida a Fabrício Queiroz durante o plantão judicial. Com isso, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro terá que voltar à cadeia.

A decisão também vale para a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, que esteve foragida da Justiça até o benefício da prisão domiciliar ser concedido pelo presidente do STJ, João Otávio de Noronha.

Ele havia decidido que Queiroz deveria cumprir a prisão preventiva em casa por estar em tratamento de câncer, o que o colocaria no grupo de risco da covid-19. Noronha também deu o benefício a Aguiar com o argumento de que ela seria a responsável por auxiliar o marido nos cuidados com sua saúde.

Queiroz e sua mulher são suspeitos de participar de um esquema de desvio de recursos do antigo gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro. Eles foram presos em 18 de junho por determinação do juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, que viu indícios suficientes de que ambos estavam agindo para atrapalhar as investigações.

A íntegra da decisão de Felix Fischer que coloca os dois na cadeira não foi divulgada pelo STJ porque o caso está em segredo de Justiça, mas o sistema de acompanhamento processual da Corte indica que o ministro recusou o habeas corpus do casal e derrubou a liminar concedida por Noronha.

A decisão do presidente do STJ, embora tenha seguido a recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para concessão de prisão domiciliar a presos em grupo de risco, raramente é adotada na Corte, o que alimentou críticas de que ele teria agido para agradar o presidente Jair Bolsonaro — visando uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro, quando o ministro Celso de Mello se aposenta.

Agora, Queiroz e sua mulher ainda poderão tentar voltar à prisão domiciliar recorrendo da decisão de Fischer à Quinta Turma do STJ ou ao STF.

Além disso, outro habeas corpus que tenta derrubar totalmente a prisão preventiva já foi apresentado no STF e foi direcionado “por prevenção” ao ministro Gilmar Mendes, já que ele foi sorteado anteriormente para julgar outros recursos relacionados à mesma investigação.

Habeas corpus por causa da pandemia são raros no STF e no STJ

Considerando as jurisprudências do STJ e do STF, as chances do casal retornar à prisão domiciliar parecem pequenas.

Um painel no site do STF com estatísticas sobre as decisões da Corte relacionadas ao coronavírus indica que a maioria dos habeas corpus com esse argumento tem sido recusada.

O mesmo ocorre na Quinta Turma do STJ. Levantamento da BBC News Brasil por meio da ferramenta de buscas por jurisprudência da Corte mostrou que houve 115 decisões desse colegiado no primeiro semestre envolvendo pedidos de liberdade, de prisão domiciliar ou de progressão de pena que citavam os riscos de contágio por covid-19 como argumento. A grande maioria desses pedidos (112 ou 97,4% do total) foi recusada, e apenas 3 foram concedidos.

As decisões foram sempre unânimes, mostrando o forte alinhamento entre os integrantes da Quinta Turma — além de Felix Fischer, composta pelos ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas.

Na maioria dos casos, os ministros recusam os pedidos de relaxamento da prisão usando dois fundamentos: um argumento processual, de que a solicitação precisa primeiro ser submetida a instâncias inferiores do Judiciário; ou destacando que o preso não demonstrou estar em grupo de risco.

No entanto, há recusas mesmo para pessoas idosas ou com estado delicado de saúde, como uma detenta de 52 anos hipertensa e portadora de HIV, presa em Santa Catarina. Nesse caso, a decisão da Turma destaca que “a penitenciária em que está internada a paciente vem tomando as precauções necessárias em relação à possível contaminação pelo coronavírus e possui recursos para proporcionar o devido tratamento das enfermidades de que sofre a interna (hipertensão e HIV)”.

Os três casos em que a Quinta Turma permitiu a saída da prisão apresentam aspectos diferentes do de Queiroz e não parecem servir como precedentes para a análise do seu recurso. Dois deles foram autorização de prisão domiciliar a mulheres com filhos menores de 12 anos. Essas decisões, embora citem também o contexto de pandemia para conceder o benefício, seguem principalmente uma determinação do STF de 2018, em que ficou estabelecido que mães com filhos pequenos devem prioritariamente ficar presas em casa, perto das crianças.

A terceira decisão liberou um homem de pagar fiança de R$ 3 mil para que pudesse deixar a prisão, após ser detido por ter cometido uma contravenção penal (vias de fato) e ter resistido à ação policial. Os ministros entenderam que, devido à crise econômica causada pela pandemia, não é razoável manter uma pessoa presa apenas pelo não pagamento de fiança.

Entenda a investigação da ‘rachadinha’

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) investiga Flávio Bolsonaro, Queiroz e outros ex-funcionários do antigo gabinete de deputado estadual do filho mais velho do presidente por um suposto esquema de rachadinha (desvio de parte dos salários dos assessores parlamentares).

Queiroz nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para conseguir contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia.

No mais recente desdobramento do caso, foi revelado que a mulher do presidente Jair Bolsonaro, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, recebeu 27 depósitos de Queiroz e sua mulher que totalizam R$ 89 mil, entre 2011 e 2016.

A informação veio da quebra de sigilo fiscal e bancário do casal, autorizada pela Justiça.

Segundo reportagem da revista Crusoé de sexta-feira (07/08), a quebra de sigilo mostrou que Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2016, somando R$ 72 mil. O jornal Folha de S.Paulo e o portal G1, por sua vez, descobriram também que a abertura das informações bancárias de Marcia Aguiar revelou mais seis cheques depositados por ela para a primeira-dama entre janeiro e junho de 2011, no valor total de R$ 17 mil.

Antes da quebra de sigilo do casal, sabia-se que Michelle tinha recebido R$ 24 mil de Queiroz. As novas informações contrariam versão do presidente sobre essa operação — Bolsonaro havia dito que o valor foi depositado para sua mulher como pagamento por um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. No entanto, a abertura dos dados bancários do amigo do presidente não mostram o recebimento desse empréstimo, segundo os veículos da imprensa que tiveram acesso à quebra de sigilo.

Até a noite de quinta-feira (13/08) o presidente e a primeira-dama não apresentaram qualquer esclarecimento sobre as novas informações sobre os depósitos.

A apuração do MP-RJ indica que Queiroz seria o operador do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro e aponta que ele teria feito até 2018 diversos pagamentos em dinheiro vivo de contas do então deputado estadual, como boletos de plano de saúde da família e mensalidades escolares de suas duas filhas. Em entrevista ao jornal O Globo publicada na semana passada (05/08), Flávio reconheceu pela primeira vez que Queiroz pagava contas suas, mas negou ilegalidades.

“Pode ser que, por ventura eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”, justificou o senador.

Ao término da investigação, Queiroz e Flávio podem vir a ser denunciados pelos crimes de peculato (desvio de recurso público), lavagem de dinheiro e organização criminosa. No momento, porém, o caso está em suspenso à espera de uma definição do Supremo Tribunal Federal STF sobre se Flávio tem ou não direito a foro privilegiado.

Inicialmente, a investigação contra o hoje senador correu na primeira instância da Justiça do Rio, já que o STF decidiu em 2018 restringir o foro privilegiado aos casos de crimes relacionados com o exercício do atual mandato político da pessoa investigada. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu em junho que o hoje senador teria direito nesta investigação ao foro de deputado estadual, levando o caso para a segunda instância judicial.

O Ministério Público, então, recorreu da decisão do TJ-RJ ao STF e o caso está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes. Ele aguarda a manifestação da PGR sobre o recurso para pautar seu julgamento na Segunda Turma do Supremo. Decisões anteriores do STF sobre foro privilegiado indicam que a Corte deve derrubar a decisão do TJ-RJ e retornar o caso para a primeira instância, abrindo caminho para uma denúncia do MP contra Queiroz e Flávio Bolsonaro.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui