O segundo maior perigo global à saúde humana (depois da covid-19) que encurta nossa vida em quase 2 anos

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A poluição do ar por material particulado reduz em 1,9 ano a expectativa média de vida em todo o mundo. Atualmente, é o segundo maior risco à saúde humana, perdendo apenas para a covid-19, mas deve voltar a ser o primeiro quando a pandemia for controlada.

A conclusão é da nova edição do relatório Air Quality Life Index (AQLI), elaborado pelo Energy Policy Institute, da Universidade de Chicago, dos Estados Unidos.

Divulgado no final der julho, o documento mostra que, na média global, as pessoas estão expostas à poluição por material particulado em concentrações de 29 µg/m³, quase três vezes o máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 10 µg/m³ – se todos os países seguissem essa diretriz, a expectativa de vida média mundial passaria de 72 para 74 anos e, no total, a população ganharia 14,3 bilhões de anos de vida.

Para se ter uma ideia, a má qualidade do ar é mais perigosa para a saúde do que o uso de cigarro (encurta a vida em 1,8 ano), álcool e drogas (11 meses), falta de água limpa e saneamento básico (6 meses), acidente (5 meses), HIV/Aids (4 meses), malária (3 meses) e até guerras e terrorismo (23 dias).

Expectativa média de vida perdida por pessoa

Agente Período
Material particulado 1.9 anos
Cigarro 1.8 anos
Álcool e drogas 11 meses
Falta de água limpa e saneamento 6 meses
Acidente 5 meses
HIV/Aids 4 meses
Malária 3 meses
Conflitos e terrorismo 23 dias
Fonte: Air Quality Life Index (AQLI)

Segundo o relatório do Energy Policy Institute, 79% da população global vive em áreas onde a concentração de material particulado excede o limite, o que faz com esse problema afete muito mais indivíduos (5,9 bilhões) do que qualquer outra condição.

O cálculo da OMS é de que ocorram anualmente 4,2 milhões de mortes prematuras atribuídas à má qualidade do ar ambiente no mundo.

Na atualidade, o sul da Ásia é a região onde a poluição por partículas tem aumentado mais, sendo que Bangladesh, Índia, Nepal, Cingapura e Paquistão estão entre as piores nações nesse sentido – juntas, com exceção de Cingapura, elas respondem por 23% da população mundial e por 60% dos anos perdidos.

O AQLI indica que a expectativa média de vida por lá seria de cinco anos a mais se as orientações da OMS fossem cumpridas – em Bangladesh, considerado o mais poluído de todos, esse índice subiria para 6,2 anos.

5 países mais poluídos do mundo

Países Concentração de material particulado (µg/m³)
Bangladesh 73
Índia 63
Nepal 58
Singapura 44
Paquistão 38
Fonte: Air Quality Life Index (AQLI)

Situação no Brasil

No Brasil, de acordo com o AQLI, a concentração de material particulado no ar é de 9 µg/m. Porém, Nathalia Villa dos Santos, professora da Faculdade de Saúde Pública e pesquisadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental, ambos da Universidade de Paulo (USP), afirma que essa não é a realidade dos grandes centros urbanos.

“Em São Paulo, a média está em torno de 28 µg/m³, quase o triplo dos 10 µg/m³ recomendados pela OMS”, afirma a especialista. “Com exceção da região Sudeste, sobretudo São Paulo, que conta com uma rede ampla da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), e algumas capitais da Sul, o país não tem um monitoramento adequado de emissão de poluentes, o que dificulta saber a real situação”, acrescenta.

Ainda de acordo com a pesquisadora, a má qualidade do ar em São Paulo reduz a expectativa de vida em cerca de um ano e meio. Na capital paulista, a estimativa é que ocorrem mais mortes em decorrência dessa condição do que por acidentes de trânsito, cânceres de mama e próstata e AIDS.

Ilustração
Concentração de material particulado no ar em São Paulo é quase o triplo do recomendado pela OMS. Direito de imagem GETTY IMAGES

Outro dado impactante em relação ao país faz parte do estudo Saúde Brasil 2018, do Ministério da Saúde. Ele aponta que os óbitos em decorrência da poluição atmosférica aumentaram 14% em dez anos.

No período de 2006 até 2016, os provocados por Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) – doença isquêmica do coração (DIC), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e cânceres de pulmão, traqueia e brônquios – atribuídos a essa causa passaram de 38.782 para 44.228.

Por que a poluição faz mal para a saúde?

São vários os agentes poluentes que fazem mal para a saúde, e cada um deles atinge o organismo de uma forma e com diferentes efeitos deletérios, como dor e ardência nos olhos, nariz e garganta, tosse seca, cansaço, dor de cabeça, rouquidão, desenvolvimento ou agravamento de problemas respiratórios, alérgicos, cardiovasculares e câncer, diminuição da fertilidade e prejuízos no desenvolvimento fetal.

O mais perigoso é o material particulado. Formado por uma mistura de compostos químicos, ele fica suspenso no ar na forma de poeira, neblina, aerossol, fumaça e fuligem, entre outros, e tem como principais fontes processos de combustão (industrial, veículos automotores) e aerossol secundário (formado na atmosfera) como sulfato e nitrato.

Como explica Paulo Artaxo, professor de Física do Instituto de Física da USP, essas partículas, quando inaladas, atingem os alvéolos pulmonares durante as trocas gasosas e chegam até a corrente sanguínea.

“O material particulado em si e o black carbon (carbono grafite), proveniente dos veículos a diesel, constituem agentes mutagênicos que podem alterar o DNA das moléculas, causando problemas que vão desde asma e bronquite até enfisema pulmonar e DPOC”, relata.

Também entram na lista de compostos prejudiciais à saúde os gases monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3). O primeiro, ao ser inalado, ocupa o lugar do oxigênio no sangue e, assim, diminui a oxigenação dos tecidos de todo o corpo. E o segundo, quando entra na faringe e nos brônquios, provoca reações químicas que enfraquecem o sistema imunológico.

Há ainda os poluentes dióxido de enxofre (SO2) e dióxido de nitrogênio (NO2). “São dois compostos que reagem com a água e produzem ácidos, o sulfúrico e o nítrico, respectivamente. Ambos são potentes irritantes do trato respiratório”, complementa Artaxo.

É importante entender que a poluição afeta as pessoas de maneira distinta. No geral, diz Villa dos Santos, crianças, pela imaturidade de suas defesas, e idosos, por terem um sistema imune menos eficiente e comorbidades próprias da idade avançada, são mais sensíveis.

“Quem vive nas periferias e, portanto, leva mais tempo para se deslocar, e quem está mais exposto aos poluentes, como motoristas e agentes de trânsito, também é mais impactado. Um estudo que fizemos no ano passado indica que duas horas no trânsito de São Paulo equivale a fumar 1 cigarro”, aponta.

Questão de saúde pública

Para resolver o problema da poluição no Brasil, os especialistas das USP afirmam que faltam políticas públicas eficientes e permanentes.

“Precisamos de um programa nacional de controle e prevenção da emissão de poluentes. Um ponto fundamental é o investimento em transporte coletivo de qualidade e a ampliação da rede metroviária, para que se consiga diminuir a presença de carros nas ruas”, indica Nathalia.

Artaxo complementa que é urgente a necessidade de substituição da tecnologia dos veículos, sobretudo dos ônibus, a maioria muito antigos e extremamente poluentes.

“Nas grandes cidades brasileiras, carros, ônibus e caminhões são responsáveis por 90% das emissões, por isso, é fundamental a adoção de tecnologias limpas. A exposição à poluição é um fator de risco para doenças, é uma questão de saúde, e está mais do que na hora de ser tratada com prioridade pelos governos”, finaliza o professor de física.

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