A maior parte deles poderá sair num horizonte ainda mais curto. Considerando somente os próximos cinco anos, 22%, ou 110.481, poderão se aposentar.
Os dados, obtidos pelo GLOBO, são parte de um levantamento fechado pelo Ministério da Economia no fim do mês passado. Essa grande quantidade de aposentadorias se dará ainda em um cenário de forte restrição fiscal, que dificulta a contratação de novos servidores para ocupar as vagas dos inativos e não prejudicar os serviços públicos e o atendimento à população. As mudanças propostas na reforma administrativa poderiam facilitar contratações com impacto menor para as contas públicas e sem a rigidez da estabilidade dos concursados atuais.
Qualidade afetada
No ano passado, o grande número de aposentadorias no INSS, sem reposição dos servidores na mesma proporção, e problemas nos processos de digitalização do órgão, que deveriam compensar a redução de pessoal, resultaram no acúmulo de mais de um milhão de solicitações do benefício. O governo teve que contratar militares e aposentados do próprio órgão, de forma temporária, para desafogar a fila.
No IBGE, também há queixas sobre falta de servidores para execução e análise de pesquisas. São só dois exemplos de um país que gasta cada vez mais com servidores, mas enfrenta dificuldades para manter e aprimorar os serviços para a população. No ano que vem, o gasto federal com salários vai somar R$ 337 bilhões, o equivalente a 4,4% do PIB e a 22,2% do Orçamento total.
A despesa com pessoal só é menor que a da Previdência, e seu crescimento contribui para a crescente restrição orçamentária do governo. Isso tem levado o governo a adiar concursos, mas especialistas alertam para o risco de faltar pessoal para responder às demandas da população. Uma aposta do governo é ganhar eficiência por meio de uma ampla digitalização nos próximos anos, o que reduziria a demanda por pessoal.
Técnicos da equipe econômica explicam que o número de aposentadorias projetado leva em conta quem tem o direito de se aposentar no período. Mas, como a aposentadoria no serviço público só é compulsória aos 75 anos, não necessariamente todos esses vão se aposentar. A conta é feita com a idade e o tempo de serviço.
Os técnicos ressaltam que, hoje, um servidor mantém um vínculo médio de 59 anos com o governo, somando atividade, inatividade e pensão. Por isso, a decisão de fazer um concurso público hoje levar em conta esse longo período.
A reforma administrativa proposta pelo governo busca facilitar a contratação e reduzir os custos de novos servidores. A restrição da estabilidade, o incentivo à promoção por mérito e o estabelecimento de novos regimes jurídicos para o setor público também visam a melhorar a gestão.
Ajuda da tecnologia
Daniel Ortega, especialista sênior para o setor público do Banco Mundial, lembra que o servidor, por si só, não pode ter toda a responsabilidade pela prestação dos serviços, e que as instituições e normas precisam fazer parte desse processo. Para ele, é necessário analisar quatro dimensões na hora de contratar novos servidores. Em primeiro lugar, as novas tecnologias.
— Há muito potencial para digitalização dos serviços, big data, onde pode ter ganhos importantes. O segundo ponto é melhorar o planejamento estratégico da força de trabalho. É fundamental ter um planejamento de médio e longo prazos para atrair as pessoas adequadas para as demandas da sociedade — diz Ortega.
Ele também considera importante levar em conta a organização e a flexibilidade das futuras contratações, de maneira que o Estado consiga responder às novas demandas da sociedade. Hoje há muita rigidez na gestão dos servidores públicos. Há o risco de funções ficarem obsoletas e de, pelas regras atuais, funcionários concursados ficarem sem atividade dentro do governo.
— Também é preciso olhar a questão da eficiência e produtividade desses servidores e dos serviços públicos. Tem uma leva de servidores que podem se aposentar, e, além da questão fiscal, é preciso ver como ficará a prestação dos serviços. É fundamental identificar quais demandas serão necessárias a médio e longo prazos. Nos últimos anos, as demandas por novas vagas não seguiram um trabalho vigoroso de análise de necessidades — avalia Ortega.
Para além dos gastos
A reforma administrativa tenta reduzir os custos de contratações e permitir ao Estado brasileiro voltar a fazer concursos para áreas consideradas estratégicas. As novas contratações passaram de 43,2 mil em 2010 para 13,1 mil no ano passado — destes, a maior parte (10,2 mil) ingressou na rede federal de ensino.
Para integrantes da equipe econômica, se a situação permanecer como está, o espaço para novos concursos ficará próximo de zero, assim como já é hoje o Orçamento para investimentos. Por isso, esses técnicos reforçam a necessidade de modernizar e baratear o serviço público.
Gabriela Lotta, professora da Fundação Getulio Vargas e estudiosa da burocracia estatal, ressalta que a substituição dos aposentados precisa ser feita olhando para o futuro do Estado.
— Boa parte dos concursos foi feita pós-Constituição de 1988. Essa burocracia está toda se aposentando. Esse problema vai ser gravíssimo, inviabilizando a prestação de serviços públicos. Temos que ter uma reforma que pense como fazer essa reposição de uma maneira muito mais completa, não só na dimensão do gastos — afirma.
Ela considera a reforma apresentada pelo governo genérica e abstrata, e as regulamentações que ainda precisarão ser feitas após a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) poderão se arrastar por anos:
— Várias organizações estão no limite, como INSS e IBGE, e isso vai estrangulando a nossa capacidade de entrega de serviços públicos. A reforma precisa olhar como selecionar as pessoas, como avaliar no estágio probatório. A avaliação de desempenho no serviço público já é permitida hoje.
Crédito: Manoel Ventura/O Globo – disponível na internet 07/09/2020