A reforma tributária, defendida no Congresso e no governo como uma forma de simplificar e unificar impostos, pode causar um efeito em cadeia e tornar a saúde mais cara. Hoje beneficiado por exceções na incidência de tributos, o setor pode ter a alíquota aumentada caso os textos em tramitação nas casas legislativas sejam aprovados tal como estão colocados. Uma das consequências previstas é o aumento do custo de hospitais e planos de saúde, que podem ser repassados aos consumidores.
Tramitam atualmente, na Câmara e no Senado, duas Propostas de Emenda à Constituição: a PEC 45 e a PEC 110. Também há a primeira etapa da reforma apresentada pelo governo, contida no Projeto de Lei 3887. Uma segunda etapa está sendo elaborada pela equipe econômica, mas já espera-se regras para a desoneração da folha de pagamentos e mesmo um novo imposto, que virá substituir a CPMF.
Em comum, todas as propostas prevêem a unificação de alguns impostos. No caso das PECs, a saúde privada seria impactada com uma incidência de impostos de 25%. No caso do PL da reforma, a unificação dos impostos federais PIS/Cofins representaria uma alíquota de 12%.
Pelas regras atuais, o setor de saúde está vinculado ao chamado PIS/Cofins cumulativo, no qual as alíquotas somadas chegam a 3,65%. Além disso, empresas dessa área pagam o Imposto Sobre Serviços (ISS) do município. Como a regra é diferente a depender da cidade, a incidência total de impostos varia de 5,5% a 6% sobre a receita bruta.
“Existe uma pressão econômica, pois as novas regras devem aumentar a carga tributária do setor e unificar tributos — inclusive que não estamos vinculados hoje. É como se estivéssemos absorvendo uma carga tributária de outros setores para fazer um ajuste na carga geral”, argumenta Eduardo Muniz Cavalcanti, consultor tributário da Anahp.
Segundo Cavalcanti, uniformizar a carga tributária, igualando a saúde a outros ramos da atividade econômica, vai impactar num repasse de custo para a sociedade.
“Se a saúde como um todo encarecer, os serviços vão encarecer. De certo modo, o plano de saúde precisaria absorver esse aumento. Como as empresas não vão fazer isso, os custos vão terminar sendo repassados para o consumidor. A grande questão é: não se tem mais elasticidade neste momento de crise, então é um risco muito alto”, pontuou o representante da associação de hospitais.
Arrecadação de ISS
Apesar de uma alta prevista da carga tributária para os serviços de saúde, caso as propostas tributárias passem como estão, a Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge) avalia a reforma como positiva, sobretudo por uma questão específica relacionada ao ISS.
Segundo Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge, a imensa diversidade de regras sobre a arrecadação do imposto municipal dificulta a ampliação de oferta de planos de saúde, algo que uma unificação de tributos poderia resolver.
De acordo com os especialistas, o primeiro ponto positivo é a simplificação do ISS, que é cobrado por cada município com uma alíquota e uma regra de recolhimento diferente. Nessa simplificação seria tudo recolhido por um imposto simplificado e redistribuído pela União. A empresa não pode ficar sujeita a mil fiscalizações de mil prefeituras”, sugere Novais.
O consultor da associação diz que o “espírito” da futura realidade tributária brasileira já está posto pelas PECs em tramitação. “Depois, nas leis complementares, nós vamos trabalhar para que estimulem o acesso da população à saúde. Muitas coisas nós vamos conhecer daqui alguns dias ainda”, disse, referindo-se aos projetos ainda por ser enviados, como a segunda fase da reforma tributária.
Crise econômica
Professor da disciplina de economia e gestão em saúde da Escola Paulista de Medicina, Marcos Bosi, acredita que ainda é cedo para cravar qualquer afirmação sobre os impactos da reforma tributária na saúde. “Muita coisa ainda está sendo dita. Mas a gente ainda não tem definido exatamente o que vem com essa reforma”.
Um ponto já pacificado, porém, é o aumento de carga tributária no setor de serviços, e o consequente aumento para quem precisar de atendimento em hospitais, laboratórios ou contratar um plano de saúde.
“Havendo um aumento de tributação na área de serviços, claramente terá um impacto maior para o setor de saúde — notadamente formado por prestadores de serviços. Parte desse crescimento de tributação será repassado aos clientes. Ou as empresas e profissionais autônomos vão precisar assumir esse valor adicional”, reforça o especialista.
Apenas durante a pandemia, os planos perderam mais de 300 mil clientes. No somatório dos últimos cinco anos, são 3,7 milhões a menos. Segundo Bosi, esse movimento não terminou ainda e há incertezas no quadro futuro. Apesar da melhoria dos números da Covid-19 nas últimas semanas, o cenário não é otimista e, com cada vez mais pessoas perdendo o acesso aos planos, a tendência é a migração e consequente sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Esses indivíduos que saem do sistema suplementar deixam de ter essa opção e recorrem unicamente ao SUS, aumentando a demanda. Isso, sem dúvida, é um fator a mais nessa equação”.
Crédito: Fernando Caixeta /Metrópoles – disponível na internet 30/09/2020