Após longo período de espera e indefinição, a Presidência da República finalmente encaminhou ao Parlamento federal proposta de Reforma Administrativa. A notícia de envio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32/2020) que altera dispositivos importantes da Constituição Federal gerou, de imediato, grande repercussão.
Muitos analistas, notadamente especialistas em contas públicas e juristas, passaram a se dedicar ao exame das mudanças propostas pela medida legislativa as quais afetam diretamente a Administração pública.
No geral, as primeiras impressões são de que a proposta de reforma endereçada ao Poder Legislativo é bastante mais tímida do que se supunha (até pela demora do envio do projeto)[1].
Em um primeiro golpe de vista, por exemplo, é possível perceber que a reforma concebida no Ministério da Economia basicamente se limita a tratar de aspectos atinentes aos servidores públicos (concursos públicos, regras gerais sobre estruturação de carreiras, estabilidade, fim do regime jurídico único dos servidores, etc.) da Administração pública.
Por outro lado, em nenhum ponto a mencionada reforma administrativa faz menção à uma nova estrutura organizativa da Administração pública, algo que, supõe-se, seria preliminar – e que sequer precisaria ser feito por emenda à Constituição.
As eventuais alterações ao texto da Constituição, evidentemente, comportam uma série de análises mais detidas. Por ora, entretanto, fiquemos em tecer algumas considerações a uma perspectiva de “orientação principiológica”, que envolve uma eventual mudança do enunciado do art. 37, caput, da Carta da República, segundo o qual define, por assim dizer, o “regime jurídico geral” da Administração – a que muitos chamam de “regime jurídico-administrativo”[2].
Trata-se de proposta de mudança no Texto Constitucional que, à primeira vista, pode parecer menos problemática, sobretudo porque não envolve diretamente a classe dos servidores.
Caso a proposta governamental seja aprovada, a redação do dispositivo será a seguinte: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública, eficiência e subsidiariedade (…)”.
Pois bem. A primeira crítica que pode ser feita à proposta de modificação do texto do artigo tem caráter mais amplo e diz respeito à referência em série de novos princípios reitores da Administração pública.
Segundo se anuncia, além dos cinco tradicionais princípios (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a administração pública passaria a ser guiada por outros oito (imparcialidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança e subsidiariedade), totalizando treze princípios.
O problema é que a proposta surge em um momento no qual justamente se percebe uma reação contra a banalização dos princípios – entendidos aqui como fórmulas abertas e flexíveis – no Direito público brasileiro.
Recorrer a mais uma gama de princípios com conteúdo nem sempre muito bem determinado, ao fim e ao cabo, reforça um problema do atual cenário de instabilidade da realidade jurídica brasileira, sobretudo em questões atinentes ao controle da Administração (haveria, por exemplo, como atribuir um caráter principiológico, do ponto de vista jurídico, à inovação, à unidade e à coordenação?).
Lembra-se que não são poucas as críticas de parcela importante da doutrina administrativista sobre uma visão que confere aos princípios – ou que daquilo que pretende enunciar como princípio – uma posição de proeminência indisputável, inclusive para afastar regras expressamente previstas no ordenamento jurídico[3]. Com efeito, foi essa ideia que animou a atual redação do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Ainda na linha de observação dos princípios que se quer inserir no Texto Constitucional, um deles merece especial atenção – e causou alguma estranheza na comunidade jurídica.
Trata-se do precitado princípio da subsidiariedade. Isso, pois não faz sentido falar em subsidiariedade quando a lei (em sentido amplo) obriga, em primeiro lugar, o exercício de uma função administrativa por uma estrutura orgânica do Estado – a Administração Pública.
Sem embargo, é de se perguntar, para se falar em subsidiariedade, quem desempenharia uma função administrativa em caráter primordial?
Crédito: André Guimarães Silva e Victor Ferreira Martins/JOTA – disponível na internet 19/10/2020