Luiza Helena Trajano: a empresária que fez o Magazine Luiza virar referência em inovação e diversidade

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Quem é Luiza Trajano?

A história de vida de Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, maior acionista e atual presidente do Conselho de Administração da Magazine Luiza, se confunde com a história da própria rede varejista – muito embora o nome da rede não venha especificamente de Luiza Helena, mas de sua tia, xará e primeira dona daquela que viria a ser uma das maiores empresas do Brasil.

Formada em Direito em 1972, Luiza começou a trabalhar na loja e passou por diversos departamentos antes de assumir a liderança na organização, em 1991. Sob sua direção, a empresa criou as primeiras lojas virtuais, com vendas pela televisão, a Liquidação Fantástica, que arrastava consumidores em busca de grandes descontos no mês de janeiro, e começou sua expansão para o Paraná e o Mato Grosso do Sul.

Em 2000, foi lançado o site de comércio eletrônico da companhia, que começou um processo de aquisição de outras redes como as Lojas Líder, Lojas Base, Kilar e Madol. Em 2008, a empresa inaugurou 46 lojas no mesmo dia em São Paulo. Dois anos depois, chegou ao Nordeste.

A chegada à bolsa ocorreu em 2011, com o IPO da companhia. Capitalizada, ela manteve o ciclo de aquisições nos anos seguintes, com a compra do Baú da Felicidade, a startup de logística Logbee, o maior e-commerce esportivo do Brasil, Netshoes, e o marketplace de livros Estante Virtual.

Embora Luiza Helena tenha cedido a presidência da companhia para Marcelo Silva, até então diretor superintendente da empresa, seu filho, Frederico Trajano, responsável pela guinada digital da empresa, estava sendo preparado para assumir a liderança. Ele já havia implementado importantes mudanças, como a criação do LuizaLabs, um laboratório de tecnologia e inovação focado em desenvolver projetos, e foi o responsável pelo lançamento da Lu, o avatar com mais de 4 milhões de seguidores no Instagram que foi criado para dar assistência às vendas online e se transformou em uma “influenciadora digital”.

Frederico assumiu o comando da varejista em 2016. Nos primeiros 23 meses de sua gestão, multiplicou o valor de mercado da empresa por 30. Luiza segue norteando os rumos da varejista, como presidente do Conselho de Administração.

Com o negócio da família em boas mãos, Luiza dedica-se ao grupo que formou com outras empresárias, o Mulheres do Brasil, e empreende esforços para apoiar os micro e pequenos empresários.

Família e formação

Luiza Helena é a única filha de Clarismundo lnácio e Jacira Trajano Inácio. Nascida e criada em Franca, no interior de São Paulo, ela teve duas grandes influências femininas na sua criação: sua mãe e sua tia.

A mãe dava liberdade para a filha tomar suas decisões, estimulando-a a pensar em soluções para seus próprios problemas. Com a tia, compartilhava a veia empreendedora e o primeiro nome: Luiza.

Sua tia passou boa parte da vida trabalhando como vendedora, mas, depois de se casar com Pelegrino José Donato, deixou de lado a profissão para seguir o marido. Porém, a vontade de ter um negócio próprio a fez comprar uma pequena loja. Luiza fez um concurso na rádio local para escolher o novo nome da loja (em troca de um colchão novo). Com a fama de boa vendedora, foi natural que o nome escolhido fosse uma espécie de homenagem. Nascia, assim, o Magazine Luiza.

Luiza, a sobrinha, teve a oportunidade de experimentar desde pequena o que é trabalhar com o varejo. Filha – e sobrinha – única, era muito paparicada. Mas gostava de mimar os outros também. Quando tinha 12 anos, ele decidiu que iria dar presentes de Natal para todos os familiares. Em vez de dizer que não tinha dinheiro, sua mãe a encorajou a encontrar sua própria solução: “trabalhe, junte seu dinheiro e compre seus presentes.”

Luiza abriu mão das férias escolares, trabalhando como balconista na loja da tia. A experiência foi tão enriquecedora que Luiza decidiu repetir a dose nos anos seguintes, durante as férias escolares. Ela se tornaria oficialmente funcionária do Magazine Luiza aos 17 anos, depois de concluir o ensino médio.

Chegara a hora de decidir qual curso de ensino superior fazer. Luiza Helena queria estudar Psicologia, mas a graduação não estava disponível em Franca naquela época. O jeito foi estudar Direito e Administração. Ela se formou no primeiro curso em 1972, mas não chegou a concluir o segundo. Também não chegou a praticar o Direito um dia sequer: já estava imersa na rotina do Magazine Luiza, enquanto a rede se expandia com a compra de lojas regionais.

Luiza foi vendedora, gerente de loja, encarregada e compradora até receber, em 1991, um bilhete da tia com um chamado: era o momento de assumir a liderança da empresa. E ela não poderia estar mais preparada.

O Magazine da Luiza

Assim que assumiu a direção, Luiza Helena decidiu modernizar a empresa, criando uma loja virtual de eletrodomésticos em uma época na qual as pessoas mal acessavam a internet. Com a novidade, os clientes podiam ir até uma loja física e comprar um produto que estivesse indisponível.

Outra medida foi a criação de uma grande liquidação nos meses de janeiro, com as lojas abrindo às 5h da manhã. A primeira coisa que ouviu – inclusive da tia – foi que a ideia não daria certo, que ninguém apareceria. Preocupada com essa possibilidade, Luiza pediu que parte dos funcionários deixassem o uniforme de lado e viessem vestidos como pessoas comuns.

Mas o toque de teatralidade nem foi necessário. Antes de a loja abrir, já havia pessoas do lado de fora, esperando pela oportunidade de comprar produtos com descontos de até 70%. O passo ousado fez com que a loja faturasse R$ 100 milhões em cinco horas e serviu de exemplo para todas as grandes varejistas do Brasil, que passaram a fazer o mesmo.

Naquela época, seu principal concorrente, a Casas Bahia, veiculava tantas propagandas na televisão que, como a própria Luiza costuma brincar, “no intervalo dos anúncios, passava o Jornal Nacional”. Como o caixa do Magazine não poderia fazer frente aos gastos publicitários do concorrente, a estratégia de Luiza foi se aliar ao Domingão do Faustão, oferecendo os produtos do Caminhão do Faustão. A estratégia deu tão certo que, por muito tempo, muita gente achava que Fausto Silva era sócio da rede varejista – ou até marido de Luiza.

Além de procurar novas formas de atrair clientes, Luiza também voltou as atenções para seus funcionários. Durante uma conversa com os colaboradores, perguntou sobre seus sonhos e descobriu que ninguém ali sonhava em ser vendedor. Entendendo que existia um preconceito com a função, como se um vendedor fosse alguém que só quer tirar vantagem do cliente, Luiza aboliu o uso de cargos nos cartões de visita da companhia: todos os funcionários do Magazine Luiza seriam chamados de “vendedores”.

Em 1993, ela criou um programa de bonificação que permitia aos funcionários participarem da distribuição dos lucros da empresa. Luiza também incentivou que todos participassem de reuniões de equipe e fortaleceu a cultura da empresa, pautando-se na transparência e no sentimento de pertencimento. Dez anos depois, a companhia seria a primeira varejista a receber o prêmio de Great Place to Work e, até hoje, se mantém no topo desse ranking – em 2020, por exemplo, figurou no 5º lugar da lista da América Latina.

Algumas tradições criadas nessa época perduram até hoje, como as reuniões semanais às segundas-feiras em todas as lojas da rede e que são guiadas por uma espécie de rito de comunhão. Durante esses encontros (com direito a hino nacional e o da empresa, além de uma oração), os colaboradores recebem dados sobre as metas e as informações relevantes sobre a empresa. “Mas aqueles que não se sentem confortáveis com qualquer parte deste rito, não precisam acompanhar”, afirmou Luiza.

No início dos anos 2000, o Magazine Luiza lançou seu site de comércio eletrônico. No ano seguinte, criou o Luizacred, em parceria com o Itaú Unibanco e, em 2005, a Luizaseg, em sociedade com a Cardif, empresa do grupo BNP Paribas.

Nesse período, a empresa também comprou outras redes como as Lojas Líder, Lojas Base, Kilar e Madol em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. E, com o crescimento da rede, 46 lojas foram inauguradas em São Paulo em um único dia de 2008. Dois anos depois, a rede chegou ao Nordeste com a compra das 136 unidades das Lojas Maia em 2010.

O ano seguinte seria muito importante para a companhia: era a hora do IPO. O Magazine Luiza estreou captando R$ 925 milhões, com suas ações sendo negociadas a R$ 16. Pouco depois, os papéis chegaram a cair abaixo de R$ 1. Uma solução ventilada para recuperar o desempenho foi a separação das operações digitais das lojas físicas. Luiza não aceitou. Desde então, as ações da empresa se valorizaram mais de 5.000% – já foram feitos dois desdobramentos dos papeis, o último deles, em outubro de 2020.

A estratégia de manter a empresa unificada baseou-se na premissa de que o cliente também é um só. Ou seja, ele poderia comprar tanto no digital quanto na loja física. Manter os pontos físicos, que foram transformados em pequenos centros de distribuição, foi essencial para que a companhia desse gás a sua logística.

Legado vencedor

Em 2009, Luiza já havia passado o controle do dia a dia da companhia para Marcelo Silva, executivo com passagens por Pernambucanas e Bompreço. Ela assumiu a presidência do Conselho de Administração do Magazine Luiza enquanto seu primogênito, Frederico Trajano, era preparado para assumir o comando.

À frente das iniciativas digitais da companhia, como a criação do LuizaLabs, laboratório de tecnologia da empresa, e o avatar Lu do Magalu, que tinha o papel de auxiliar os clientes nas compras online, Fred assumiria a presidência do Magazine Luiza em 2016.

Atualmente, com mais de 35 mil colaboradores e marcas tão distintas quanto Netshoes, Zattini, LogBee, Época Cosméticos e Estante Virtual, a empresa opera 1.113 lojas físicas distribuídas em 819 cidades de 21 estados e abriu, só em 2019, cinco novos centros de distribuição – totalizando 17 –, em diferentes regiões do país.

Sendo política sem ser política

Embora tenha recebido (e negado) um convite para ser ministra no primeiro governo Dilma, Luiza Helena nunca considerou ser política. Ao menos não nos moldes tradicionais.

Em 2004, ela foi uma das fundadoras do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), junto com Flávio Rocha, da Riachuelo, Marcos Gouvêa de Souza, da consultoria GS&MD, Artur Grynbaum, de O Boticário, José Galló, da Lojas Renner, entre outros executivos, atuando primeiro como vice-presidente e, depois, como presidente da entidade.

Em 2013, Luiza Helena foi uma das 40 criadoras do grupo apartidário Mulheres do Brasil, que surgiu durante um almoço entre empresárias.

Com mais de 68 mil participantes, o grupo é presidido por Luiza Helena e conta com 22 comitês e 110 núcleos de trabalho (inclusive fora do Brasil), atuando em parceria com diferentes esferas de poder para fomentar a adoção de políticas afirmativas como a inserção de refugiados no mercado de trabalho, a capacitação de empreendedoras e a projeção de mulheres candidatas a cargos políticos.

O grupo também faz parte de iniciativas como a Rede Brasil do Pacto Global da ONU e defende publicamente temas como o Marco Legal do Saneamento.

Embora Luiza não esteja mais à frente da direção do Magazine Luiza, coube a ela defender publicamente o programa de trainees exclusivo para negros lançado pela varejista. Atacado em redes sociais como “racismo reverso”, o programa foi lançado em 2020 para corrigir um problema no quadro de funcionários da rede: embora 53% dos colaboradores sejam negros, apenas 16% dessa liderança é ocupada por pretos e pardos.

Para Luiza, “cota é um processo transitório para acertar uma desigualdade”. Essa é a mesma resposta que ela dá sempre que perguntada sobre sua opinião acerca de cotas para mulheres em conselhos de empresas. O Magazine Luiza procura, nesta causa, liderar pelo exemplo, sendo uma das nove empresas listadas na B3 com três mulheres no conselho.

Luiza também foi vice-presidente do Comitê Olímpico da Rio 2016 durante quatro anos. Por essa razão, foi uma das convidadas a fazer parte do revezamento da tocha olímpica, quando o símbolo dos Jogos Olímpicos foi passar por sua cidade natal, Franca. Durante o percurso de 200 metros, correndo em um trecho de subida, Luiza se desequilibrou e caiu. Da queda, fez piada (postou no Instagram que “receber a tocha na minha cidade, ter a minha acesa pela minha filha querida foi uma emoção tão grande, que até cai!”) e ação de marketing (com a campanha “A Dona Luiza caiu, mas está bem. Agora, o que caiu foram os preços. #CairFazParte”).

O tombo deu lucro. Mas outro meme rendeu a etiqueta de “comunista”, quando ela rebateu o jornalista Diogo Mainardi no programa Manhattan Connection, da GloboNews, discutindo dados que ele apresentou sobre o crescimento da inadimplência no Brasil.

Longe dos holofotes, Luiza também abraçou causas importantes, como o combate à violência contra a mulher. Em julho de 2017, a gerente de uma unidade da rede foi assassinada pelo marido. O caso de feminicídio impactou a empresária, que criou um canal de denúncias e um comitê interno, além de uma organização para orientar todas as empresas que quisessem fazer o mesmo.

Em pouco mais de três anos, a rede interna recebeu mais de 300 denúncias. Com o sucesso do programa, o Magazine Luiza levou o projeto para fora da empresa, fazendo campanhas para o Disque 180, a Central de Atendimento à Mulher. A nova versão do app da empresa, possui, inclusive, um botão “Denuncie violência contra a mulher”, conectado ao sistema do Disque 180, facilitando que a mulher agredida possa pedir ajuda de maneira discreta.

Outra causa abraçada pela empresária foi a do papel dos donos de empresas em relação à sociedade durante a pandemia. Luiza foi uma das empresárias a encabeçar um movimento pedindo que as companhias mantivessem empregos, o “Não demita!”, assinado por mais de 4 mil organizações.

Estilo de vida

Luiza conheceu seu marido, Erasmo, na Universidade Federal de Franca, quando tinha 18 anos. Os dois namoraram por seis anos até se casarem. Em três anos e meio, nasceram o primogênito, Frederico Trajano, a filha Ana Luiza e a caçula Luciana. Os três seguiram, de certa forma, os passos da mãe: trabalhando durante as férias para ganhar algum dinheiro.

Erasmo, por sua vez, nunca trabalhou no Magazine Luiza – essa é uma regra para os cônjuges de todos os membros da família. Ele tinha seus próprios negócios: era dono de postos de gasolina e coordenava a ONG Franca Viva, mantida pelo Magazine Luiza. Erasmo morreu em 2009, aos 62 anos, de infarto, em um sítio da família no interior de São Paulo.

Embora resida oficialmente em São Paulo, Luiza nunca abandonou o interior paulista – nem seu sotaque. Costuma voltar todos os finais de semana para Franca, onde sempre se encontra com sua tia e mentora. Seus filhos também nasceram lá, embora tenham se mudado para a capital ainda jovens, para completar o ensino superior.

Frederico foi o primeiro a deixar o interior, quando entrou na Fundação Getúlio Vargas, aos 16 anos, para estudar Administração de Empresas. Depois, fez uma especialização em Stanford, mesma universidade por onde passaram Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google. Quando conseguiu seu primeiro emprego, em 1996, como analista de investimentos do Deutsche Bank, Luiza lhe entregou uma carta de conselhos que passou a distribuir a todos os novos funcionários da empresa:

“Acredite sempre em você mesmo e sua fé; procure não mitificar coisas nem pessoas; tenha sempre uma atitude de troca: de dar e receber; não abra mão da sua ética, moral e crença na evolução; saiba que tem uma missão. Descubra-a e lute por ela; tenha tempo para tudo. Por isso, se organize, crie ritmo e rotina; tenha paixão pelo que faz, pois só assim fará melhor e mais fácil; e seja sempre você mesmo. Nunca omita a verdade.”

Pouco tempo depois, Fred retornaria definitivamente para o Magazine Luiza, liderando a evolução digital pela qual a companhia passou. Ana Luiza não poderia ter ficado mais longe: é chef de cozinha, pesquisadora da cozinha brasileira e presidente do Instituto Brasil a Gosto. Luciana, a caçula, é pedagoga e filósofa, e mora em Portugal com a família.

Crédito: InfoMoney – disponível na internet 02/11/2020

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