Juiz absolveu empresário por falta de provas da intenção de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer. Imagens da audiência mostram advogado humilhando a jovem. Corregedoria vai apurar conduta do juiz.
O caso da influenciadora digital catarinense Mariana Ferrer – humilhada durante a audiência que absolveu o empresário acusado de estuprá-la –, causou uma onda de repúdio nas redes sociais e reações da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
A CNJ informou que instaurou nesta terça-feira (03/11) expediente para apurar a conduta do juiz Rudson Marcos, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na condução da audiência. A investigação sobre a conduta do juiz também é acompanhada pela Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do CNJ. A OAB/SC informou em nota que pediu esclarecimentos ao advogado de defesa.
Imagens divulgadas nesta terça-feira pelo site The Intercept Brasil mostram trechos da audiência em que a jovem é humilhada pelo advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho. O advogado mostrou fotos sensuais da época em que Ferrer era modelo para reforçar a tese de que a relação sexual com empresário André de Camargo Aranha foi consensual. O advogado disse que as fotos mostram “posições ginecológicas” e que “graças a Deus” não tem uma filha “do nível” de Ferrer. “E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher como você”, afirmou.
Ferrer pediu a intervenção do juiz Rudson Marcos, que não teria repreendido o advogado. “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”
O juiz acabou aceitando a argumentação do promotor responsável pelo caso, segundo o qual Aranha não tinha como saber que Ferrer não estava em condições de consentir o ato sexual e absolveu o réu.
“A instrução criminal não indicou a presença de dolo na conduta do acusado, não restando configurado o fato típico e antijurídico a ele imputado, qual seja, o delito de estupro de vulnerável”, escreveu o promotor Thiago Carriço de Oliveira em sua argumentação. A defesa de Ferrer recorreu da decisão.
A expressão “estupro culposo”
A expressão “estupro culposo”, que viralizou na internet, não consta no processo, apenas na reportagem do Intercept Brasil. O portal ressalta que a usou para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. “O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo”, diz nota publicada no pé da reportagem.
Ao jornal Folha de S.Paulo, o advogado Gastão da Rosa Filho se referiu à reportagem do Intercept como fake news. “Ele foi absolvido porque não foi comprovado aquilo que a Mariana tinha alegado, e não por ‘estupro culposo’. Isso aí é uma grande inverdade e fake news. No processo, foram ouvidas várias testemunhas e nenhuma delas corroborou o que a Mariana falou. Temos vídeos, filmagens, que desmentem. Tudo que ela falou foi impugnado por prova pericial e testemunhal”, disse.
Reação nas redes sociais
O ministro Gilmar Mendes se manifestou no Twitter, pedindo uma apuração sobre o ocorrido. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, escreveu o ministro.
O caso gerou uma onda de reações, com a frase “não existe estupro culposo” se espalhando pelas redes sociais. A hashtag #mariferrernaoestasozinha apareceu nos trending topics do Twitter. Famosos, como a atriz Camila Pitanga, também se posicionaram.
O que diz a acusação
Ferrer teria sido estuprada em 15 de dezembro de 2018, numa festa no clube Café de la Musique, na badalada praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis. A jovem trabalhava como promotora do evento nas redes sociais.
Em seu depoimento à polícia, ela disse que teve um lapso de memória entre o momento em que uma amiga a puxou pelo braço e a levou para um dos camarotes do clube e a hora em que desce uma escada escura. Um vídeo que circulou na internet e foi incluído no processo mostra a jovem aparentemente atordoada subindo uma escada com a ajuda de Aranha em direção a um camarote restrito.
Ela disse acreditar ter sido dopada, e a única bebida alcoólica anotada na comanda do bar em seu nome foi uma dose de gim, segundo o Intercept. A reportagem aponta que Ferrer era virgem até então, como foi constatado por exame pericial.
Ao depor pela primeira vez sobre o caso, em maio de 2019, Aranha negou ter tido contato com Ferrer, mas neste ano, mudou sua versão, e disse ter feito apenas sexo oral na jovem. Além da mudança de versões, o processo foi marcado por troca de delgados e promotores, aponta o Intercept.
Em sua conclusão, o juiz Rudson Marcos afirma que “pela prova pericial e oral produzida considero que não ficou suficientemente comprovado que [Mariana Ferrer] estivesse alcoolizada – ou sob efeito de substância ilícita – , a ponto de ser considerada vulnerável, de modo que não pudesse se opor a ação de André de Camargo Aranha ou oferecer resistência”. Aranha é filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto e empresário de jogadores de futebol.
Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 05/11/2020