Friedrich Engels: um ídolo socialista completa 200 anos

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De herdeiro industrial a revolucionário: sem o filósofo nascido em Wuppertal, talvez a obra máxima marxista “O Capital” nunca viesse ao mundo. Em seu bicentenário, Engels permanece tão contraditório quanto inspirador.    

Quando Friedrich Engels nasceu, em 28 de novembro de 1820, o mundo se encontrava em reviravolta. A partir da Inglaterra, a revolução industrial se alastrara como um incêndio descontrolado, com a formação de hordas de operários.

Também em Wuppertal, ao sul da Região do Ruhr, no oeste da Alemanha, as chaminés das fábricas fumegavam sem parar. Ali Friedrich Engels, pai, mantinha uma próspera manufatura têxtil. E, de filho de industrial, que aprende e compreende exatamente como o capitalismo funciona, seu primogênito se tornaria o mais famoso crítico do sistema, ao lado de Karl Marx.

Contraditório? Talvez. Mas sem dúvida uma virada surpreendente, que fascina até hoje. “Para mim, Engels era bipolar”, especula o artista Eckehard Lowisch, que concebeu uma escultura do sociólogo e revolucionário para as comemorações dos 200 anos de seu nascimento.

“Um homem que de manhã saboreava camarões e champanhe, e de noite perambulava com os amigos pelos bairros pobres de Manchester”, prossegue o escultor. “Ele era ambos: capitalista e revolução. Seja como for, possuía um grande senso de justiça.”

Entre herança capitalista e revolta social

Primeiro de nove filhos, Friedrich Engels era a esperança do patriarca, que o tirou da escola, pouco antes de se qualificar para o estudo universitário, a fim de que começasse a formação como comerciante. Pai e filho estavam em conflito constante: a contradição entre a carolice pietista e a conduta capitalista repugnava o jovem. Sob o pseudônimo Friedrich Oswald, publicou as Cartas de Wuppertal, seus primeiros escritos socialistas.

“Reina uma terrível miséria entre as classes mais baixas, sobretudo entre os operários de fábrica de Wuppertal”, formula, tão loquaz quanto drástico, o rapaz de 19 anos, “apenas em Elberfeld, de 2.500 crianças em idade escolar, 1.200 são privadas de aulas e crescem nas fábricas, só para que o dono não precise pagar a um adulto, cuja vaga essa criança ocupa, o dobro do salário que dá a ela.”

O que impulsiona o jovem Friedrich? Após a formação profissional, em 1841 ele cumpre voluntariamente o serviço militar na Guarda de Artilharia real-prussiana, em Berlim. Como ouvinte, frequenta palestras universitárias de filosofia, letras orientais e finanças, e circula nos meios intelectuais de esquerda. No ano seguinte, em Colônia, finalmente se encontra pela primeira vez com Karl Marx, na época ainda editor-chefe do jornal Rheinische Zeitung.

Paisagem industrial do século 19
Paisagem industrial do século 19. Berço da revolução industrial: Londres em 1867

Miséria operária na Inglaterra

O pai envia Engels para sua fábrica de fiação de algodão em Manchester, onde ele conhece a jovem irlandesa Mary Burns. Com a futura companheira, atravessa o bairro operário da cidade inglesa, confrontando-se com as desumanas condições de trabalho e moradia dos trabalhadores têxteis.

Ele coloca suas impressões no papel no estudo social A situação da classe operária na Inglaterra: “Em muitos casos, a família não é totalmente dissolvida por a mulher trabalhar, mas posta de cabeça para baixo”, já que, enquanto “a mulher sustenta a família, o homem fica em casa, cuida das crianças, varre o chão e cozinha.”

Torna-se cada vez mais estreita a colaboração com Marx, que nesse ínterim emigrara para Paris. Engels escreve para o almanaque Deutsch-Französische Jahrbücher, editado por Marx e Arnold Ruge. Quando as primeiras assembleias comunistas se realizam em 1845, em Elberfeld, ele é um dos oradores.

Em seguida vai para Bruxelas, acompanhando Marx, ambos empreendem viagens juntos. Em 1847, em Londres, filiam-se à Liga dos Justos, a futura Liga Comunista. É para essa associação que, no ano seguinte, redigem o Manifesto Comunista.

Foto de Friedrich Engels com Karl Marx e filhas
Amigos inseparáveis: Engels (esq.) com Marx e filhas na década de 1860

Simbiose Marx-Engels

“Sem Friedrich Engels, muitos dos escritos de Karl Marx jamais teriam existido”, afirma o historiador econômico Werner Plumpe, da Universidade de Frankfurt. Foi só através do empenho do amigo que as ideias se transformaram em postulados políticos. E sem o dinheiro do herdeiro industrial, Marx provavelmente teria morrido de fome.

“O Manifesto Comunista é um trabalho de equipe, que em grande parte foi escrito por Marx, mas que deve a Engels, acima de tudo, a urgência que se percebe até hoje nos escritos dele. Ou seja, essa disposição de se forçar a um posicionamento político claro, e então dizê-lo e defendê-lo com veemência. Isso é algo que atravessa todo o Manifesto“, analisa Plumpe.

Quando, no começo de 1849, os operários vão às barricadas em Barmen e Elberfeld, Engels está junto, e mais tarde participará da Revolução de Baden. Após a derrota, foge para a Suíça, seguindo depois para a Inglaterra, onde a partir de 1850 atua como procurador, e mais tarde como sócio dos negócios paternos.

Engels dava apoio financeiro ao amigo Marx, e mais ainda para suas publicações: muitas vezes é quase impossível distinguir um autor do outro. Por exemplo, foi ele que, a partir de anotações, compilou postumamente os volumes dois e três da obra máxima marxista, O Capital.

Em 1869, após vender suas ações da firma familiar, vai juntar-se a Marx em Londres. Após a morte do companheiro, em 1883, Engels se transforma na principal figura do socialismo internacional, em especial da social-democracia alemã. Na China, é venerado até hoje: em 2014 o país até doou a Wuppertal uma polêmica estátua do pensador.

Bicentenário online

Friedrich Engels reaparece agora em Wuppertal como figura multifacetada. “Através da digitalização, estamos hoje diante de gigantescas reviravoltas, que também transformam a arte”, diz o escultor Lowisch. Para sua estátua de Engels, que projetou no computador, ele mandou cortar, de um único bloco de mármore, 64 placas, que amontoadas formam a figura em tamanho natural do filósofo, morto em 1895.

Para o bicentenário, sua cidade natal havia proclamado um “Ano Engels”, em que lhe ergueria um monumento vivo, com festas de rua, concertos, exposições, tours e debates. Devido à pandemia de covid-19, as festividades tiveram que ser canceladas, inclusive a reabertura da Casa Engels, uma das antigas cinco moradias da família em Wuppertal.

Em vez disso, numerosos eventos se realizarão pela internet, a fim de que – nas palavras dos organizadores – “o novembro seja sem contatos, mas não sem Engels”.

Crédito: Deutsche Welle Brasil – @internet 30/11/2020

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