A área atingida, segundo o relatório da ONG, é de 202 quilômetros quadrados (quase o tamanho da cidade do Recife ou 20 mil campos de futebol). Ainda segundo a Global Witness, essas três empresas também falharam em monitorar “mais de 4.000 fazendas no Pará inseridas em suas cadeias produtivas, e com um total estimado de 140 mil campos de futebol de desmatamento, para evitar que gado dessas fazendas chegasse a seus frigoríficos”.
As cadeias de abastecimento dessas empresas são auditadas de forma independente por multinacionais. E no papel, os resultados parecem cada vez melhores a cada ano. A empresa JBS, por exemplo, afirma que praticamente 100% de toda a sua carne provém de fazendas que cumprem com os compromissos legais de não adquirir gado de onde houve desmatamento recente.
Mas o relatório da Global Witness aponta outro cenário.
“Os fazendeiros são cúmplices diretos da destruição da Amazônia, os frigoríficos estão falhando em remover o desmatamento das suas cadeias produtivas do gado que compram desses pecuaristas, os auditores têm restrições para realizar suas auditorias, o que significa que as auditorias não estão detectando os casos que identificamos, os bancos, por sua vez, não estão fazendo perguntas suficientes aos frigoríficos e, ao mesmo tempo, não são obrigados por seus governos a fazerem um controle rigoroso para remover o desmatamento de seus investimentos, resumiu Chris Moye, pesquisador sênior de Amazônia na Global Witness.
Segundo a ONG, “essas empresas de carne compraram de pecuaristas acusados de fraudes, grilagem de terras e violações de direitos humanos, ou que foram multados pelo Ibama por desmatamento ilegal”.
JBS, Marfrig e Minerva contestaram a metodologia adotada pela ONG e refutaram cada uma das 379 acusações contra fazendas que fornecem gado. De modo geral, afirmam que o relatório da Global Witness é incorreto e impreciso e que cumprem com todas as obrigações legais e requisitos socioambientais firmados (leia mais abaixo).
Como a ONG fundamenta suas acusações?
Os especialistas da Global Witness se debruçaram sobre todas as guias de trânsito animal da JBS no Pará dos últimos três anos. Esses documentos, disponíveis no site da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), servem para o governo federal rastrear todo a trajetória do gado, do nascimento ao abate de cada animal.
Com os dados de origem de todo o gado comprado pela JBS, a ONG então cruzou as áreas das fazendas fornecedoras com imagens dos satélites Landsat e Sentinel analisadas em parceria pela ONG brasileira Imazon, que para monitora o desmatamento na região amazônica.
O passo seguinte foi identificar quais dessas áreas foram desmatadas com autorização legal ou não. No Brasil, para se desmatar nessa região é preciso, por exemplo, de uma autorização de supressão de vegetação, que segue o Código Florestal Brasileiro.
Depois desses cruzamentos, os especialistas da Global Witness e da Imazon apontaram que a JB comprou gado em 2017 de 177 fazendas com áreas desmatadas ilegalmente, de 231 em 2018 e 204 em 2019.
Imagens de satélite mostram claramente a extensão do desmatamento ao longo do tempo. Grandes áreas de floresta são desmatadas até 2004, quando ocorre uma redução significativa após uma série de políticas e medidas de repressão à pecuária ilegal. Mas, a partir de 2012, o desmatamento voltou a acelerar, à medida que governos sucessivos priorizaram os interesses dos agricultores em detrimento da conservação.
“Os fazendeiros derrubam a floresta e queimam o material seco e assim limpam o solo para plantar capim para o gado. Cerca de 80% da área desmatada é usada para pastos e a tendência tem sido de aumento do desmatamento”, afirmou Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, à BBC.
Desmatamento recorde em uma década
O desmatamento da floresta amazônica em território brasileiro atingiu seu nível mais alto desde 2008, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Um total de 11.088 km2 (4.281 milhas quadradas) de floresta tropical foi destruído de agosto de 2019 a julho de 2020. Isso representa um aumento de 9,5% em relação ao mesmo período no ano anterior.
Cientistas dizem que o país sofreu perdas em um ritmo acelerado desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência em janeiro de 2019.
O mandatário tem incentivado as atividades de agricultura e mineração na maior floresta tropical do mundo.
Os dados mais recentes marcaram um grande aumento em relação aos 7.536 quilômetros quadrados anunciados pelo Inpe em 2018 — um ano antes de Bolsonaro assumir o cargo.
Os números são preliminares, e as estatísticas oficiais consolidadas devem ser divulgadas no início do próximo ano. Se confirmados, os dados do desmatamento da Amazônia serão 9,5% maiores que os do último período, quando notícias sobre as queimadas na floresta tropical ganharam o mundo.
O Brasil estabeleceu uma meta de desacelerar o ritmo de desmatamento para 3.900 km2 anuais até 2020.
Além de incentivar o desenvolvimento econômico na floresta tropical, o governo Bolsonaro também cortou fundos para agências federais que têm o poder de multar e prender fazendeiros e madeireiros que infringem a legislação ambiental.
Bolsonaro já havia entrado em confronto com o Inpe por causa dos dados de desmatamento. No ano passado, ele acusou a agência de manchar a reputação do Brasil.
Em nota, a organização não governamental brasileira Observatório do Clima disse que os números “refletem o resultado de uma iniciativa bem sucedida para aniquilar a capacidade do Estado brasileiro e dos órgãos de fiscalização de cuidar de nossas florestas e combater o crime na Amazônia”.
Mas algumas autoridades disseram que o fato de a taxa de aumento ter sido menor do que a registrada no ano passado é um sinal de progresso.
“Embora não estejamos aqui para comemorar, isso significa que os esforços que estamos fazendo estão começando a dar frutos”, disse o vice-presidente, Hamilton Mourão, em entrevista coletiva a jornalistas.
A Amazônia abriga cerca de 3 milhões de espécies de plantas e animais e 1 milhão de indígenas, e é considerada uma região crucial para o combate ao aquecimento global.
Por isso, a pressão internacional sobre o Brasil tem sido crescente.
No começo de 2021, a União Europeia começará a discutir uma norma que poderá aumentar a pressão contra o desmatamento no Brasil.
Empresas que vendem para a Europa terão de provar que seus produtos foram feitos sem contribuir com a destruição de biomas como a Amazônia e o Cerrado.
A proposta mira especialmente a soja e a carne de boi, dois dos principais produtos vendidos pelo Brasil aos europeus. A mesma exigência se aplicaria também a empresas europeias que venham a investir dinheiro no Brasil — como bancos e fundos de investimento.
Só em carne de boi, o Brasil vendeu aos países europeus US$ 560 milhões em 2019. No mesmo ano, a venda de soja para os países do bloco trouxe para o Brasil o equivalente a R$ 32,5 bilhões.
Outro lado das empresas
As três empresas apontadas no relatório, JBS, Marfrig e Minerva, se comprometeram publicamente a não comprar gado de fazendas que desmataram após outubro de 2009, foram embargadas pelo Ibama ou se sobrepunham a terras protegidas ou indígenas, ou de fazendas com desmatamento ilegal ocorrido após julho de 2008.
Procuradas pela BBC, todas as três empresas negaram ter comprado qualquer carne de procedência ilegal e disseram cumprir com todas as obrigações legais e compromissos voluntários contra o desmatamento.
Elas também rebateram em detalhes ponto a ponto do relatório da Global Witness.
Acerca das 327 fazendas de sua cadeia produtiva as quais a entidade acusa de desmatamento ilegal, a JBS afirmou que 94% delas estavam cumprindo suas promessas legais e voluntárias de não desmatamento, e que não tinha registro de compra de gado dos 6% restantes.
A Marfrig afirmou que 84 das 89 fazendas acusadas de irregularidade cumpriram suas promessas voluntárias e legais de não desmatamento e que tinha registro de compras de gados das cinco restantes.
A Minerva também declarou que 13 das 16 fazendas ligadas à empresa que foram acusadas cumpriam suas promessas voluntárias e legais de não desmatamento e que não tinha registros de compras das demais.
As consultorias responsáveis pelos relatórios que atestam o cumprimento dos compromissos socioambientais das três empresas, DNV-GL e Grant Thornton, afirmaram à Global Witness que “restrições às auditorias podem tê-las impedido de identificar os casos encontrados pela entidade”.
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente ainda não respondeu aos questionamentos enviados.
Crédito: BBC Brasil – @internet 04/12/2020