O acordo comercial firmado nesta quinta-feira (24/12) entre Reino Unido e União Europeia, quase 11 meses após os britânicos deixarem oficialmente o bloco europeu, em 31 de janeiro, elimina uma grande incerteza que pairava sobre a economia internacional e deve ser favorável às exportações brasileiras, avaliam analistas.
Pelo acordo, que passa a valer a partir de 1º de janeiro de 2021, não haverá cobrança de tarifas quando bens cruzarem as fronteiras entre as duas regiões, nem limites para a quantidade de produtos e serviços que pode ser comercializada.
Segundo o governo britânico, o acordo abrange trocas comerciais que chegaram a 668 bilhões de libras (R$ 4,7 trilhões) em 2019.
“Esse acordo elimina uma enorme zona de incerteza que pairava sobre o Brexit, principalmente com relação ao comércio”, diz Mauricio Santoro, professor de relações internacionais na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“Com o acordo, fica estipulado que a maior parte desse comércio vai continuar a acontecer sem barreiras, o que por si só já é muito importante”, diz o especialista, destacando que, no entanto, muitas perguntas ainda seguem sem resposta, principalmente com relação à mobilidade das pessoas — os britânicos que viajarem para países do bloco e vice-versa.
E o Brasil com isso?
Santoro observa que o Reino Unido é um parceiro comercial importante para o Brasil, embora não majoritário.
A corrente de comércio — soma de exportações e importações — entre os dois países foi de US$ 5,29 bilhões (R$ 27,6 bilhões) em 2019, com US$ 2,96 bilhões em exportações do Brasil para o Reino Unido e US$ 2,32 bilhões em importações, num superávit de US$ 639 milhões.
Com o resultado, o Reino Unido foi o 15º maior mercado para as exportações brasileiras.
Dentro da União Europeia, o país tem parceiros comerciais mais relevantes, como a Holanda (3º maior destino para exportações brasileiras), Alemanha (8º) e Espanha (9º).
“Agora, vai depender muito de como a economia britânica vai se adaptar a esse novo cenário pós União Europeia”, avalia Santoro.
“Há uma possibilidade interessante de que as exportações do agronegócio brasileiro acabem aumentando para o mercado britânico, tomando espaço que hoje é das exportações da União Europeia. Há expectativas boas nesse sentido.”
União Europeia mais estável
Além disso, avalia o professor, o Brasil ganha com uma União Europeia mais estável, sem toda a instabilidade que poderia ser gerada por um Brexit sem acordo.
Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da EESP-FGV (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), lembra que Mercosul e União Europeia tentam finalizar um acordo de livre comércio, cuja negociação está paralisada pelos desentendimentos entre os blocos, principalmente com relação à pauta ambiental.
“Se não houvesse Brexit, esse acordo incluiria automaticamente o Reino Unido. Com o afastamento britânico, o Reino Unido deve se tornar muito mais receptivo a acordos de livre comércio com outros países e talvez, em algum momento, eles queiram conversar com o Brasil, que é um mercado importante, do qual eles gostariam de se aproximar”, diz.
“Talvez o Reino Unido esteja disposto a fazer mais concessões do que estaria disposto a fazer se negociasse no bloco da União Europeia.”
Santoro lembra que a negociação com o bloco europeu esbarra no protecionismo de alguns países da Europa que têm produção agrícola forte, como a França. Já o Reino Unido não tem um setor agropecuário a proteger, pois importa quase tudo que consome nessa área.
Presente de Natal para o comércio internacional
“Para o comércio mundial, o acordo fechado hoje entre Reino Unido e União Europeia significa fortalecimento, o que beneficia a todos”, avalia José Augusto de Castro, presidente-executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).
Segundo ele, o Brasil não é beneficiado de imediato com o resultado, mas pode se favorecer indiretamente, com o aumento da corrente de comércio global, o que beneficiaria as exportações brasileiras de commodities.
“É uma ótima notícia, um presente de Natal para o comércio internacional, que ganha uma perspectiva real de crescimento nos próximos anos. É mais um fator positivo, que cria uma expectativa favorável para que 2021 seja um ano diferente de 2020, com mais comércio, menos pandemia, mais vacina e a volta ao normal.”
Má notícia para os estudantes britânicos
Para Santoro, da UERJ, uma parte do acordo firmado nesta quinta-feira não afeta o Brasil, mas é uma notícia triste para os estudantes britânicos: a saída do Reino Unido do Erasmus, maior programa mundial de intercâmbio internacional e uma das iniciativas de maior êxito da União Europeia.
“Essa é uma notícia muito ruim para o Reino Unido e para a Europa como um todo”, considera o professor. “Esse programa marcou toda uma geração de estudantes da União Europeia e ter os britânicos saindo dele é o fim de uma era. Diminui as perspectivas e as possibilidade de ampliação de horizontes para os jovens britânicos que estão entrando agora nas universidades, sobretudo nas pequenas e médias.”
“É um retrocesso e vai muito na linha do que tem sido a ascensão desses nacionalismos agressivos dos últimos anos, com uma reação até xenófoba, muitas vezes, à globalização.”
Crédito:Thais Carrança / BBC News Brasil – @internet 25/12/2020