4 medidas aprovadas em 2020 que irão impactar positivamente a sua vida nos próximos anos

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Foi em uma quarta-feira de fevereiro no ano de 1975 que Nelson Rodrigues publicou em O Globo uma de suas crônicas mais conhecidas, que terminava por concluir: o brasileiro é um feriado.

Descrevendo o que viu em uma terça-feira, o primeiro dia útil após 4 dias de feriado seguidos, o cronista resumiu perguntando “Se o brasileiro não sai da praia, quem de fato faz o Brasil?”

Fato ou não, nos acostumamos com a ideia de que, por aqui, o ano “só começa após o carnaval”. É uma piadinha comum, que neste ano ao menos, ganhou um tom de verdade preocupante.

Foi em uma quarta-feira de cinzas que o Brasil registrou oficialmente o primeiro caso de Covid. Dali em diante seriam outros 13 dias até que a OMS declarasse o caso como uma pandemia global.

Críticas, mais do que válidas, ao atraso da OMS no início, não alteram os fatos hoje. Fato é que iniciamos ali uma série de mudanças que alteraram todo o planejamento do ano, colocando em pauta medidas para apoiar a população e combater os efeitos da Pandemia.

Como meu colega de Infomoney Pedro Menezes mostrou, os números apontam que países que reagiram antes a gripe espanhola de 1918, se saíram melhorE neste caso em 2020, poucos países reagiram de maneira tão robusta quanto o Brasil (na economia ao menos).

Em apenas 19 dias, o congresso aprovou e o governo federal foi chamado a colocar de pé um sistema que atendesse ao menos 65 milhões de brasileiros de maneira emergencial.

O auxílio “injetou” na economia R$321,8 bilhões e foi a parte mais visível de um total de R$1 trilhão esperado.

Seus resultados são visíveis. A pobreza e a extrema pobreza caíram durante os meses mais duros da pandemia. A economia que chegou a ter previsões de queda de -9,1% (feitas pelo FMI), deve acabar o ano em -4,4%.

Pensando no futuro, reuni aqui 4 avanços importantes vistos no país ao longo de 2020 e que podem impactar, e muito, a sua vida nos próximos anos.

1) Houve melhora e avanços na situação dos Estados

Pode parecer irônico, mas em um ano de Pandemia, com grave queda no PIB, a situação de boa parte dos Estados apresentou uma melhora.

Nas contas do IFI, o Instituto Fiscal Independente, 24 Estados brasileiros tiveram ganhos de receita, o que por sua vez consolida uma melhora que já vinha ocorrendo em 2019.

A explicação, claro, está no repasse de recursos da União para “compensar a queda de arrecadação”. A ajuda foi generosa, dada a expectativa de uma queda na economia pior do que a de que fato ocorreu, e ajudou nas contas estaduais.

É evidente que não há o que comemorar ou tratar como um feito positivo nessa situação isolada, mas quando olhamos o todo, houve um certo avanço.

A reforma da previdência, cujo déficit consome R$100 bilhões dos cerca de R$700 bilhões arrecadados pelos Estados, avançou em boa parte deles. Reformas administrativas e tributárias também tiveram maior celeridade nos Estados do que na União.

O resultado, quando somado ao avanço do projeto de renegociação das dívidas estaduais, em tramitação no congresso, dão um horizonte melhor para os Estados em relação ao governo federal (cuja expectativa é de um déficit até 2031).

A expectativa é de que até 2022 os Estados devem avançar com projetos de concessões e privatizações que atraiam ao menos R$180 bilhões em investimentos, por exemplo.

Resolver as contas estaduais é crucial para permitir que os Estados possam atender a mudança demográfica do país, que verá na próxima década um aumento substancial de população idosa, e consequentemente, de demanda por gastos em saúde.

A grande dúvida, claro, é se a melhora pontual nas contas será entendida como um alívio para seguir ajustes, ou se será encarada como um sinal de que o problema não é tão grave quanto parece. Neste segundo caso, o resultado poderia ser catastrófico.

2) Aprovamos metas para o setor de saneamento

Possivelmente a mais relevante votação do ano, o Marco do saneamento ataca diretamente um problema “escondido” do país.

A ausência de saneamento atinge 47% da população. É como se você somasse as populações da Austrália, Canadá, Nova Zelândia, Chile, Uruguai e Suécia, todas sem esgoto sanitário em casa. Este é o tamanho do desafio brasileiro.

Ao contrário do que foi propagado, entretanto, o marco não estabeleceu qualquer ideia de privatização, mostrando que o desafio brasileiro vai além do problema central, e passa também pela esfera pública do debate.

Os problemas decorrentes dessa ausência de saneamento são inúmeros. Estima-se que trabalhadores que vivem em residência sem esgoto, recebem em média 10,7% menos do que aqueles na mesma situação de empregabilidade, porém em áreas com saneamento.

São ainda 15 mil vítimas e 350 mil internações decorrentes de doenças causadas pela ausência de saneamento, e estimados 500 mil empregos que deixam de ser gerados apenas no setor de turismo pela falta de condições básicas para explorar a atividade em zonas degradadas.

Investir na área portanto é uma questão que cobre da saúde (estima-se também que para cada R$1 investido no setor sejam gerados R$4 em economia nos gastos em saúde), produtividade do trabalhador, e claro, qualidade de vida.

O que o marco aprovado no congresso estabeleceu porém, é que independente de quem ganhar a licitação na área, seja uma empresa pública ou privada, ela deverá atender percentuais mínimos de cobertura, obrigando as empresas a investirem na ampliação da rede. Caso contrário, poderão perder a concessão.

A meta é fundamental para que o setor não dependa de “boa vontade”.

A melhoria do setor já teve sinais até mesmo imediatos. Ao menos no Nordeste, cerca de 3 estatais já apresentaram planos para fazer um IPO e captar ao menos R$8 bilhões para investir.

Trata-se de um avanço considerável em termos de segurança jurídica, capaz de canalizar bilhões em investimentos pro setor.

3) Reduzimos a burocracia para moradias urbanas

Com cerca de 15 milhões de imóveis irregulares, a organização urbana no Brasil é uma questão crucial quando o assunto é patrimônio e segurança de uma parcela carente da população.

Estamos falando em essência de imóveis na periferia de grandes cidades, cujo registro e outras burocracias criam um peso elevado para essa população.

São imóveis que, por não terem garantias jurídicas, não podem ser utilizados em empréstimos, forçando essa parcela significativa da população para “fora” do sistema financeiro.

A exclusão urbana também restringe a oferta de serviços. Imóveis irregulares possuem menor oferta de serviços de mobilidade, menor segurança ou acesso a educação e saúde.

É um ciclo onde a burocracia aumenta as desigualdades e barreiras no país.

Neste final de no, ainda na segunda quinzena de dezembro, a resolução vinda da SEPEC, a secretária do ministério da economia responsável por projetos que atuem em competitividade e concorrência, reduziu as burocracias necessárias para obtenção de alvará e habite-se em imóveis de baixo risco.

A resolução é uma complementação da Lei de Liberdade Econômica, que na prática, diminui as necessidades de carimbos e documentos para se estabelecer uma atividade de baixo risco (como salões de beleza por exemplo).

A medida se soma a outras de desburocratização (que já foram responsáveis por digitalizar 1 mil serviços públicos). A estimativa é de que, por ano, cerca de R$2 bilhões a menos sejam gastos com todas as burocracias reduzidas, dos quais, R$1,5 bilhão deixarão de ser gastos pela população.

Medidas como essas ajudam a estimular a produtividade no setor privado, reduzindo prazos, e melhorando as condições de emprego e renda. O impacto, espera-se, será de longo prazo.

4) Avançamos na agenda para combater a concentração bancária e melhorar o acesso ao crédito

Nas contas de Mário Henrique Simonsen e Rubem Cysne, o ano de 1993 representou um ápice para os bancos públicos e privados. Apenas com a inflação o setor bancário atingiu um lucro de 2,4% do PIB.

Foram mais de US$10 bilhões em lucro apenas pela capacidade que bancos possuem de criar dinheiro por meio do multiplicador bancário.

Desde o fim da inflação, dezenas de grandes bancos brasileiros faliram, outros tantos foram comprados ou se fundiram, levando a um dos mais altos graus de concentração em toda a economia brasileira.

Cerca de 84% do crédito no país passa por apenas 5 bancos, 2 dos quais estatais.

Resolver este problema é fundamental. Tivemos avanços com Fintechs ao longo dos últimos anos. Cada uma delas atacando um nicho específico, como crédito, contas sem tarifas ou investimentos.

O resultado porém tem sido bastante lento, em especial no crédito.

Algumas medidas adotadas este ano, ou aceleradas, podem ajudar a reduzir drasticamente o peso dos grandes bancos e ampliar a inclusão financeira na próxima década.

O PIX, o rosto mais conhecido dessas mudanças, foi implementado em novembro, e ajuda a reduzir os gastos com tarifas bancárias, que consomem R$ 29 bilhões por ano apenas nos 5 maiores bancos do país.

Em suma, de cada R$100 em riqueza produzida no país, R$0,4 ficam com bancos a títulos de “tarifas”, que vão desde transferências até a simples manutenção das contas.

As tarifas ganharam peso com o fim da inflação e representam uma receita relevante pros bancos, mas pouco útil pra população.

Outro ponto relevante aprovado este ano foi o uso de um mesmo imóvel para cobrir inúmeros empréstimos.

Se antes alguém que possua um imóvel de R$250 mil quisesse utilizar este imóvel para um empréstimo de R$50 mil, ficaria impedido de fazer um outro empréstimo de R$50 mil, dado que o imóvel já estava empenhado no primeiro empréstimo.

Agora é possível utilizar o mesmo imóvel em garantia de quantos empréstimos forem necessários até o limite do valor do imóvel (a depender do % em garantias demandado pelos bancos).

Talvez isso pouco relevante para você, mas calotes são responsáveis por até ⅓ dos juros cobrados no Brasil. Aumentar as garantias reduz a chance de calote em créditos, o que por sua vez reduz as demandas de cobertura para estes prejuízos, reduzindo assim o juro como um todo no país.

Na prática o Brasil possui a pior taxa de recuperação de crédito dentre todas as economias emergentes. Por aqui, de cada R$100 que deixam de ser pagos, apenas R$14 são recuperados. Os demais R$86 são cobertos na cobrança de juros de outros tomadores que não possuem nenhuma ligação com o calote inicial.

Na mesma linha a aprovação da nova de falências deve ajudar credores e devedores a evitar tornar a falência de uma empresa um último passo, cujo resultado é via de regra negativo para todos.

Medidas como essas possuem um impacto de longo prazo, que dificilmente serão percebidas como sequências lógicas. Não há qualquer expectativa de que alguém, um dia, vá pedir um empréstimo e perceber que uma taxa menor aplicada decorre de uma lei aprovada.

Na economia, boa parte dos fenômenos são complexos e fruto de uma série de mudanças e decisões tomadas, não ficando claro portanto qual decisão e qual lei resultou em cada aspecto da nossa vida. O fato é que uma simplificação ajuda a melhorar a tomada de decisões em quase todos os cenários.

Se não pudemos ter um ano focado em pensar no longo prazo, é importante notar que ainda que menos do que deveríamos, tivemos avanços importantes.

Crédito:Felippe Hermes/InfoMoney – @internet 26/12/2020

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