Situação em Santo André, na Grande São Paulo, mostra como a nova onda da doença tem afetado um grupo até então menos visado. Para especialistas, um reflexo da variante P1 e da falta de isolamento social.
A média de idade de pacientes de covid-19 internados em Santo André, na Grande São Paulo, caiu pela metade entre a primeira e a segunda onda da doença no Brasil. Em julho de 2020, pico da primeira onda no estado de São Paulo, os pacientes internados no hospital tinham, em média, 65 anos. Nos primeiros meses deste ano, a média é de 37 anos – reflexo sobretudo da nova variante P1 e da falta de isolamento social, apontam especialistas.
Após quase ser fechado em novembro de 2020 por causa da baixa demanda, depois de sete meses em funcionamento, o Hospital de Campanha Pedro Dell’Antonia – mais longevo da Grande São Paulo – hoje trabalha com mais de 90% de ocupação, contando quase 200 pacientes. A ala de cuidado intensivo, que funciona como UTI, tem 100% de ocupação, com 20 pacientes intubados, muitos com idades entre 35 e 40 anos.
“Se por um lado o paciente mais jovem tem uma chance de sobrevida maior que os idosos, ele também fica muito mais tempo em UTI do que o paciente mais velho, ocupando um leito por muito mais tempo, causando a superlotação”, explica Victor Chiavegato, superintendente responsável pelos hospitais de campanha do município, que critica a falta de isolamento social.
“Se tivéssemos ficado em casa, essa variante não teria tomado essa força que tomou. São meninos trabalhando, gente frequentando igrejas, todos os mais jovens se expondo”, comenta.
Com o fim do auxílio emergencial em dezembro de 2020 e a necessidade de sair de casa para trabalhar, o número de passageiros nos ônibus paulistanos dobrou entre as duas fases vermelhas decretadas no estado.
O infectologista Marcos Boulos, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), atribui a queda na média de idade dos pacientes com covid-19 internados à variante P1 do coronavírus, detectada inicialmente no Amazonas. Segundo estudos, a nova cepa é até dez vezes mais contagiosa que as anteriores, e mais resistente a anticorpos já existentes em pessoas que tiveram a doença previamente.
“Não é possível uma doença mudar tão visível e permanentemente o grupo contagiado sem uma alteração genética no próprio vírus. Ainda estamos compilando os dados do estado, mas é visível esse contágio dos mais jovens”, afirma Boulos, membro do comitê de contingência do coronavírus do estado de São Paulo.
O diretor-científico do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), médico Rodrigo Calado, também associa a cepa amazônica ao número crescente de pacientes mais jovens – a média de idade de internados por covid-19 no hospital caiu para 36 anos –, previamente saudáveis e sem sintomas característicos da infecção pelo vírus.
O que se verifica em Santo André e Ribeirão Preto também vale para a capital do estado: os jovens estão sendo bem mais atingidos pela covid-19. Dados da prefeitura paulistana mostram que quase um terço dos doentes têm, nesta segunda onda, entre 18 e 34 anos.
“Cenário de guerra”
Nesta quarta-feira (24/03), o estado de São Paulo registrou um recorde de pessoas internadas por covid-19, somando 12.588 pacientes em UTIs e 17.771 em enfermarias. Em todo o estado, as taxas de ocupação de UTIs chegaram a 92,3%, e 1.021 pessoas morreram vítimas do covid-19 só na segunda-feira.
De acordo com Chiavegato, para os profissionais a exaustão é o ponto mais crítico. “Estamos vivendo um cenário de guerra, uma guerra biológica”, diz. “Seis meses atrás eu planejava estar trabalhando em outra unidade de saúde, com o hospital de campanha já fechado. Hoje não espero estar em outro lugar pelos próximos seis, 12 meses”, comenta o superintendente, que projeta o combate ao coronavírus por até dois anos com a vacinação no ritmo atual.
Uma semana atrás, a cidade de São Paulo registrou a primeira morte de um paciente na fila de espera por um leito de UTI. De um dia para o outro, a fila por leitos de covid-19 passou, então, de 395 pessoas para 475. Para tentar minimizar os danos, a prefeitura da capital paulista anunciou que vai abrir novos leitos em “hospitais de catástrofe”, exclusivos para pacientes de covid-19.
“São muitos bailes, pagodão, baladas clandestinas”
Na semana passada, o motofrestista Cleberson de Oliveira, de 34 anos, ocupava um leito de UTI no já lotado Hospital Geral de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Ele estava internado há 18 dias, 13 deles na UTI do hospital. Para ele, a situação de contágio entre os jovens seria diferente se houvesse maior consciência.
“É mais fácil dialogar com quem está se cuidando, porque quem não está, sabe bem o que está fazendo. São muitos bailes, pagodão, baladas clandestinas acontecendo por aí”, reclama, ainda com usando o cateter de oxigênio. Ele reconheceu que a alta seria apenas o primeiro passo, e que seria impossível levantar e “sair correndo”.
Crédito: Deutsche Welle – @internet 25/03/2021