Na contramão de pares estrangeiros, gestora britânica de R$ 500 bi vê balanço de risco mais favorável para o Brasil

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Se ter paciência está entre as maiores virtudes do investidor, o desempenho do mercado financeiro brasileiro, decepcionante neste início de ano, poderá recompensar aqueles que seguirem serenos, atentos ao futuro.

Esse parece ser o caso da gestora britânica Ashmore, que tem cerca de US$ 93 bilhões (aproximadamente R$ 530 bilhões) sob gestão e é referência global em mercados emergentes.

Enquanto instituições como BlackRock, JP Morgan e Credit Suisse têm promovido uma migração recente das apostas em emergentes, reduzindo as alocações em Brasil para aumentar a exposição em ativos de países como México e Chile, a Ashmore segue confiante no país.

“Toda parte negativa fundamental do Brasil o mercado já conhece há algum tempo. De agora em diante, há alguns potenciais que podem surpreender do lado positivo, como a campanha de vacinação se acelerando, um orçamento que seja consistente com o teto de gastos e a aprovação de algumas reformas”, disse ao InfoMoney Gustavo Medeiros, responsável pela área de pesquisa macroeconômica global e de mercados emergentes da gestora.

Em sua visão, muitas gestoras estão vendendo Brasil apostando no pior cenário, o que não é o caso da Ashmore.

O brasileiro, que mora em Londres mas está desde dezembro trabalhando de São Paulo, destaca que a moeda brasileira está muito barata e que gosta dos fundamentos de longo prazo dos ativos brasileiros, ainda que no horizonte mais curto tenha fatores preocupantes.

“O cenário continua ainda bem turbulento, longe de ser um céu de brigadeiro, com bastante nuvem nas próximas semanas e nos próximos meses, mas, se olharmos através dessa tempestade, tem alguns fatores que podem levar a essa visão mais positiva”, afirmou.

Retomada cíclica

A gestora segue confiante na tese de commodities e tem na carteira ações da Vale, as quais Medeiros considera baratas em relação aos pares globais, tendo em vista a apreciação do minério de ferro.

A casa conta ainda no portfólio com papéis da Petrobras, posição que foi inclusive ampliada em meio à queda de preços por conta do episódio de troca de comando, a pedido do presidente Jair Bolsonaro. “A Petrobras vai gerar um caixa absurdo nos próximos anos, mesmo com essa piora na margem.”

A Ashmore analisa no momento oportunidades em ações de setores como bancos, que podem se beneficiar de uma retomada econômica, além de consumo, em uma virada para papéis com teses mais cíclicas.

Hoje o Brasil responde por cerca de 4% da carteira de ações nos fundos da gestora. Já no que diz respeito à dívida em dólar, a Ashmore tem posição “underweight” (abaixo da média, equivalente à venda) em títulos soberanos brasileiros, por considerar o prêmio de risco baixo. A dívida corporativa de empresas brasileiras atrai mais a gestora no momento.

Desde setembro, quando concedeu a última entrevista ao InfoMoney, Medeiros conta que a gestora já aumentou, depois diminuiu, e agora está novamente buscando expandir a alocação em Brasil. “O balanço de risco está muito mais interessante hoje, principalmente se você pensar no médio prazo”, comentou.

Desde então, o principal acontecimento para os mercados foi a eleição de Joe Biden à presidência americana e as novas rodadas de estímulo econômico, que preocupam Medeiros tanto pelo lado da pressão inflacionária quanto pela indução “artificial” da atividade global.

Voo de galinha

A economia americana está sendo retomada, mas a Ashmore não vê o movimento como uma tendência estrutural. “É mais como um voo de galinha, não se fez nada para aumentar a produtividade da economia”, comentou. “Os cheques de estímulo adicionais do Biden não eram uma condição necessária para a recuperação econômica.”

Se essas políticas se mantiverem, Medeiros vê uma mudança de patamar nas expectativas de inflação a longo prazo. “O risco de gerar uma economia desbalanceada aumentou bastante. E no segundo semestre vamos ver as taxas de inflação de todos os lugares subindo.”

Ele espera, contudo, que boa parte do aumento dos preços seja temporário, ainda que aponte a situação americana como uma das mais delicadas, por considerar que o Federal Reserve, o banco central do país, não teria condições – ou vontade – de reagir de forma rápida.

O efeito dessa questão já tem sido sentido por meio do aumento das taxas dos Treasuries, os títulos públicos americanos, com impacto sobre o dólar e, consequentemente, sobre os mercados emergentes.

Apesar do risco, a avaliação de Medeiros é que a reabertura gradual das economias vai permitir um crescimento menos intenso, porém mais sustentável da atividade global, principalmente a partir do terceiro trimestre.

A Ashmore espera que a tendência de depreciação do dólar ganhe fôlego, com poucos drivers adicionando capital à economia americana, mesmo com um aumento de juros. No médio prazo, Medeiros prevê uma maior diversificação de capital dos Estados Unidos, com potencial positivo sobre a economia brasileira.

“O real, a taxa de juros de cinco anos e as ações estão atrativos do ponto de vista fundamental, a não ser que aconteça o pior cenário”, observou.

Crédito: Beatriz Cutait / InfoMoney – @internet 03/04/2021

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