Auditores do TCU alertam para risco de apagão da máquina se Orçamento não tiver vetos

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No meio da confusão em torno do Orçamento de 2021 e das pressões que parlamentares estão fazendo junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para aprovarem  peça orçamentária como está, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgaram um comunicado para denunciar as irregularidades em torno da Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada pelo Congresso Nacional no último dia 25 e sobre a necessidade de vetos para que o Poder Executivo cumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).   
Segundo a entidade, a máquina pública corre risco de apagão se o Orçamento não houver esses vetos.

Analistas e especialistas em contas públicas criticam o Orçamento de 2021 aprovado pelo Congresso por ter receitas superestimadas e despesas subestimadas o que torna a LOA inexequível e uma peça de ficção. Apesar disso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes do Centrão buscam pressionar o TCU. O órgão endureceu as investigações de denúncias de irregularidades feita por parlamentares, inclusive, de pedaladas fiscais, para aprovar as emendas parlamentares adicionais do relator, que buscam investimentos em obras eleitoreiras e nada tem a ver com o combate à pandemia. 

Em nota publicada nesta segunda-feira (12/04), a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) , inclusive, elogiou e se solidarizou com a Associação Nacional dos Especialistas de Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP), sobre as preocupações constantes em nota técnica que aponta o risco de shutdown, ou seja, paralisação da máquina pública, “caso o autógrafo do orçamento da União seja sancionado sem o devido controle de constitucionalidade e legalidade que, neste estágio do processo orçamentário”.

Veja, abaixo, a íntegra da nota:

Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) vem a público expor o que se segue sobre as controvérsias em torno do orçamento da União de 2021.

1. O Tribunal de Contas da União é instituição centenária de controle externo nascida em berço republicano e de ideal democrático, na forma idealizada por Ruy Barbosa e defendida de forma implacável por Serzedello Corrêa que, por seu gesto de grandeza na defesa da independência do TCU contra arbitrariedade do governo de Floriano Peixoto, é tributário de todas as honras e homenagens que a Corte de Contas e as Associações dos Auditores de Controle Externo continuam a lhe prestar todo dia 27 de abril;

2. A essencialidade da Corte de Contas como instituição independente foi uma vez mais acentuada com a inclusão, no rol dos princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da prestação de contas da administração pública (art. 34, VII, d). A atuação do TCU, por isso mesmo, assume importância fundamental no campo do controle externo, constituindo desserviço taxá-lo de ‘assessor’, ‘auxiliar’, ‘assistente’ ou algo que se equivalha, na vã tentativa de passar ideia equivocada de subordinação institucional que não existe à luz da Constituição. Aqueles que disseminam esse tipo de ideia não compreendem o alcance das competências constitucionais do Tribunal e, portanto, não contribuem em nada para a solução da grave crise sanitária e fiscal;

3. De acordo com a Constituição, ao TCU compete exercer, de forma independente e com o necessário distanciamento político-partidário, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e suas entidades, quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade. No mesmo sentido, o Regimento Interno do TCU (art. 237, III) insere o Parlamentar no rol de legitimados para representar à Corte de Contas. A previsão regimental também encontra amparo no § 2º do art. 74 da Constituição, que assegura a qualquer cidadão, partido político, associação e sindicato o direito fundamental de denunciar irregularidades ou ilegalidades, matéria regulamentada pelos artigos. 53 a 55 da Lei nº 8.443, de 1992. Nesse sentido, é dever do Tribunal apreciar as demandas de Parlamentares ou cidadãos e lhes franquear resposta conclusiva sistematizada a partir do arcabouço jurídico pátrio, revelando-se antirrepublicano qualquer tipo de interferência para obstar a atuação independente da Corte de Contas no exercício de sua missão institucional;

4. Sobre as controvérsias[1] envolvendo as modificações na proposta orçamentária de 2021, oportuno registrar o fato de que, de acordo com o art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, tanto a lei de diretrizes orçamentárias-LDO, quanto a lei orçamentária anual-LOA são instrumentos de transparência da gestão fiscal. Dessa forma, não se coaduna com os padrões internacionais de transparência, tampouco com a noção de gestão fiscal responsável positivada na LRF suprimir do texto da LOA despesas obrigatórias da seguridade social e outras, sem comprovação fundamentada de erros ou omissões das projeções elaboradas de acordo com premissas técnicas, especialmente nos casos em que as condições de habilitação do benefício e acesso a serviço público estão assegurados na Constituição e na lei. Em razão disso, a AUD-TCU louva a postura corajosa e se solidariza com a Associação Nacional dos Especialistas de Políticas Públicas e Gestão Governamental – ANESP[2], compartilhando das preocupações constantes de sua Nota Técnica[3] que aponta o risco de shutdown, ou seja, paralisação da máquina pública, caso o autógrafo do orçamento da União seja sancionado sem o devido controle de constitucionalidade e legalidade que, neste estágio do processo orçamentário, incumbe ao Presidente da República nos termos do art. 48, II da Constituição;

5. Embora o Poder Legislativo desempenhe papel preponderante nas escolhas alocativas, ele não é o único protagonista do processo orçamentário. Coerente com a noção de independência e harmonia entre os Poderes, corolário do Estado Democrático, o constituinte inseriu o orçamento público no rol de competência do Congresso Nacional sujeita ao controle presidencial pelo instrumento da sanção ou do veto (art. 48, II), “de modo a prevalecer a comunhão de vontade do Poder Executivo e do Legislativo”, conforme assentado pelo STF no Recurso Extraordinário nº 217.194, apreciado em 2001;

6. O respeito às funções típicas que decorrem da própria Constituição e a deferência institucional são questões primordiais para a efetividade do sistema de freios e contrapesos impregnado no processo orçamentário. Foi o STF[4] que consolidou, na ação direta de inconstitucionalidade nº 1.050, o entendimento de que o “poder de emendar projetos de lei, que se reveste de natureza eminentemente constitucional, qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica inerente ao exercício da atividade legislativa”. Tratando-se de matéria orçamentária, estabelece a decisão que essa prerrogativa institucional pode ser legitimamente exercida pelos Parlamentares, desde que “respeitadas as limitações estabelecidas na Constituição da República, as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei, (b) guardem afinidade lógica (relação de pertinência) com a proposição original e (c) tratando-se de projetos orçamentários (CF, art. 165, I, II e III), observem as restrições fixadas no art. 166, §§ 3º e 4º, da Carta Política”. Portanto, há que se observar as restrições constitucionais durante a tramitação da proposta orçamentária;

7. Consoante essa decisão, a apreciação do orçamento aprovado pelo Poder Legislativo incumbe ao Poder Executivo, que tem o dever de avaliar a compatibilidade ou não das emendas que modificaram o projeto de lei orçamentária com os preceitos constitucionais, com as normas gerais de finanças públicas estabelecidas pela LRF e pela Lei nº 4.320, de 1964, com o Plano Plurianual e, em especial, com a LDO de 2021, que, no seu artigo 4º, estabelece diretriz de densa relevância no sentido de preservar as despesas obrigatórias de caráter continuado (benefícios previdenciários e assistenciais, seguro-desemprego, etc) e outras despesas continuadas consideradas essenciais para o funcionamento da máquina pública, cujos montantes, na sua integralidade, devem refletir as projeções realizadas segundo premissas técnicas, devidamente acompanhadas de metodologia de cálculo;

8. Oportuno ressaltar a Recomendação 3.8 e os Alertas[5]4.5 e 4.6 proferidos no Parecer Prévio das Contas do Presidente da República de 2019, ocasião em que o TCU reiterou a necessidade de se observar, por ocasião da sanção ou veto, os requisitos constitucionais e legais necessários para conferir eficácia às normas aprovadas em situação semelhante, conforme Acórdão nº 1.437/2020-TCU-Plenário. Dessa forma, é necessário que o Presidente da República proceda à verificação de idênticos requisitos quando da apreciação da compatibilidade das modificações do projeto de lei orçamentária com o ordenamento jurídico-constitucional vigente;

9. Tendo sido sancionado o texto da lei orçamentária, ao TCU compete fiscalizar, com independência e imparcialidade, a sua execução à luz das regras constitucionais de Teto e Subteto de Gasto, da LRF, da Lei nº 4.320, de 1964, e da LDO de 2021; ao STF compete apreciar eventuais ações ajuizadas para questionar a incompatibilidade jurídico-constitucional das modificações promovidas no projeto de lei; aos cidadãos e organizações da sociedade civil, é assegurado o direito de exigir transparência no orçamento público para viabilizar o exercício efetivo do controle social das contas públicas, nos termos consagrados na Constituição e na LRF (arts. 48 e 49);

10. Por fim, no que tange à configuração de possíveis crimes de responsabilidade previstos no art. 85 da Carta Política, trata-se de matéria inserida no rol de competência privativa do Senado Federal para processar e julgar na forma da Lei nº 1.079, de 1950, a exemplo dos dois precedentes que ocorreram nas três últimas décadas. Assim sendo, deve o Poder Executivo, na avaliação da compatibilidade jurídico-constitucional do autógrafo que lhe foi submetido, mensurar possível risco de descumprimento de regras constitucionais e/ou da LRF no curso da execução orçamentária e financeira de 2021, sem perder de vista o art. 73 do Estatuto Fiscal, o qual pode pavimentar a via jurídica para questionamentos, na arena política eleita, sob o fundamento de descumprimento de regras orçamentárias e/ou configuração de ato contra a probidade administrativa.

Brasília, 12 de abril de 2021.

NIVALDO DIAS FILHO
Presidente da AUD-TCU

DÉBORA COSTA FERREIRA
Primeira Vice-Presidente da AUD-TCU

GLÓRIA MARIA MEROLA DA COSTA BASTOS
Segunda Vice-Presidente da AUD-TCU

Crédito: Rosana Hessell/ Blog do Vicente/Correio braziliense – @internet 13/04/2021

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