Estudo liga montadoras europeias a desmatamento na Amazônia

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Couro proveniente de gado criado em áreas de desmatamento ilegal possivelmente vira assentos de carros da Volkswagen, BMW, Daimler, grupo PSA e Renault, aponta relatório da Rainforest Foundation Norway.

Pela complexa rede de comércio internacional que usa produtos ilegais vindos da Amazônia, a indústria automotiva europeia provavelmente não passa ilesa. Assentos de couro dos veículos de montadoras como Volkswagen, BMW, Daimler, grupo PSA (Peugeot, Citroen, Opel) e Renault possivelmente carregam marcas de desmatamento ilegal, difíceis de serem rastreadas, denuncia um relatório publicado nesta sexta-feira (16/04) pela Rainforest Foundation Norway.

Maior exportador de couro bovino do mundo, o Brasil fornece cerca de 30% desse material para a indústria automotiva mundial. Até virar estofado de veículos, o couro pode ter sido removido do gado criado numa área desmatada ilegalmente na Floresta Amazônica, aponta a fundação sediada em Oslo.

“O objetivo do relatório é dar uma visão ampla de que há um setor que precisa ser estudado e que precisa de transparência”, afirma à DW Joana Faggin, principal autora do estudo, sobre a  contribuição indireta da indústria automotiva para o desmatamento. “Atualmente, nenhuma montadora consegue provar que não está envolvida nisso”, complementa.

Com ritmo acelerado de destruição, a Amazônia perdeu em 2020 a maior área dos últimos 12 anos, 11.088 km², segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A criação de gado continua sendo o principal motor da devastação: mais de 90% do desmatamento é ilegal e dá lugar a pastos, apontam estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Seguir os vestígios dos animais que ocupam essas áreas desmatadas ilegalmente é um grande desafio. “Se o consumidor europeu quiser saber de onde vem o couro, ele vai esbarrar em muitas dificuldades. Essa indústria tem uma cadeia de fornecedores complexa, é muito difícil seguir o caminho do produto depois do matadouro”, diz Faggin.

Uma rota obscura

Para tentar entender a origem do couro de componentes usados pelas montadoras, o relatório se aprofundou nas trocas comerciais. O mapeamento foi feito com base em documentos das empresas, pesquisas já publicadas, estudos de casos que mostram crimes ambientais cometidos por fazendas que vendem gado no Brasil, e informações disponíveis na plataforma Panjiva – base de dados sobre o comércio global.

A análise identificou três rotas principais de exportação: Brasil – Ásia (China, Indonésia e Tailândia); Brasil – América do Norte (México e Estados Unidos); Brasil – Europa (Itália, Alemanha e Eslovênia).

Dos curtumes brasileiros até os carros europeus, a matéria-prima chega ao continente em maior quantidade pela Itália, em forma de couro cromado, chamado de wet blue.

Depois de mais uma etapa de beneficiamento, o material é vendido para as fábricas de assentos. É principalmente na República Tcheca e na Alemanha, que detêm 22% e 13% desse mercado global, respectivamente, que os bancos são finalizados e entregues para as montadoras. 

Segundo o estudo, quem compra dos grandes fornecedores brasileiros não pode assegurar que o material não tenha vindo de áreas desmatadas. “Ao contrário, o relatório mostra uma alta probabilidade de que o desmatamento seja um fator nessa cadeia de abastecimento”, diz o documento.

A maior parte do que é exportado pelo Brasil vem de curtumes localizados na Amazônia Legal, que extraem a pele do gado criado e abatido na região. JBS Couros, Minerva Couros, Vancouros, Fuga Couros, Durlicouros, Mastrotto Brasil e Viposa, os sete maiores fornecedores da indústria europeia, são listados como empresas que têm alguma ligação com o corte da floresta, não necessariamente ilegal.

Burlando as regras

Como ocorre na cadeia da carne, o ponto de partida para rastrear a origem do couro é o gado. No Brasil, que tem cerca de 214 milhões de cabeças e o maior rebanho bovino do mundo, esse trajeto pode esconder armadilhas.

Metade desses animais estão na Amazônia e avançam sobre a floresta, onde muitos produtores burlam leis ambientais para vender, com aparência de legalidade, o gado que ocupa áreas desmatadas e unidades de conservação.

A prática mais conhecida é a “lavagem de gado”, transferência de animais de fazendas ilegais para outras que são autorizadas a fazer a venda final, um método que engana os sistemas de monitoramento.

“Todo mundo sabe, inclusive os frigoríficos, que é no fornecedor indireto que está o problema. Apesar dos grandes frigoríficos terem assinado um acordo para acabar com isso, nenhum deles conseguiu muitos avanços no monitoramento dos fornecedores indiretos”, comenta Faggin sobre o esquema.

Embora a prática clandestina seja bastante conhecida, as empresas que compram gado da Amazônia têm feito pouco para se livrar do risco, avalia Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. O instituto desenvolveu uma metodologia que mede o grau de exposição ao desmatamento de cada frigorífico da região com base em informações sobre o local onde o gado é adquirido, distância da fazenda, existência de estradas, entre outros.

O que dizem as exportadoras de couro

Das sete empresas citadas no relatório, quatro responderam aos questionamentos da DW Brasil até o fechamento desta reportagem. 

A JBS, gigante do setor, negou qualquer ligação com desmatamento ilegal e citou uma ferramenta online criada que faria o rastreamento do couro, a JBS360.

Sobre o problema da ilegalidade escondida nos fornecedores indiretos, a empresa afirmou que a Plataforma Pecuária Transparente, lançada em 2020, estende o “alcance de seu monitoramento aos fornecedores de seus fornecedores” e que trará uma “solução definitiva” até 2025.

A Minerva, por sua vez, diz ter firmado o compromisso de eliminar de toda sua cadeia o desmatamento ilegal, e que planeja integrar uma nova ferramenta “ao seu sistema de monitoramento geográfico para a Amazônia, que proporciona uma avaliação de riscos relacionados às fazendas fornecedoras indiretas”. Os prazos, por outro lado, não são claros.

A empresa admitiu ainda o desafio de garantir a origem do couro, mas afirmou possuir um sistema de rastreabilidade das peles após a saída do frigorífico e processamento nos curtumes que garante “100% dos couros processados nas suas unidades do Brasil”.

A Vancouros se limitou a afirmar que tem uma “politica de compra de matéria-prima, assim como certificações ligadas a esse tema”.

A Viposa enviou uma resposta semelhante, afirmando ter “uma política para compra de matéria-prima (couro), além de certificações e ações relacionadas aos temas de rastreabilidade, sustentabilidade e meio ambiente”.

O que dizem as montadoras

A Volkswagen criticou o relatório alegando imprecisões. “Para as marcas do Grupo Volkswagen, podemos afirmar que o couro brasileiro costuma ser curtido ao cromo. No entanto, na Europa, o grupo Volkswagen usa apenas couro curtido sem cromo”, informou.

A montadora diz ter “compromisso por escrito” de todos os fornecedores de que nenhum material tem relação com desmatamento ilegal na Amazônia. 

A BMW afirmou ter a mesma garantia de seus fornecedores. Segundo a marca, o couro do Brasil representa atualmente cerca de 5% do seu estoque total usado. “Isso representará 1% no final do próximo ano, o que irá diminuir para 0% no médio prazo, conforme reestruturarmos nossas cadeias de suprimentos de couro e não dependermos mais do couro da América do Sul”, diz a nota enviada à DW Brasil.

A Daimler, fabricante da Mercedes-Benz, alega exigir nos contratos com fornecedores que os produtos entregues sejam livres de desmatamento ilegal. “Especificamente, o fornecedor deve confirmar que as peles processadas para os produtos entregues à Mercedes-Benz são provenientes de bovinos criados fora das áreas da Amazônia, Cerrado, Pantanal, Gran Chaco, Mata Atlântica e Chocó-Darién”, complementou.

A PSA preferiu não se pronunciar até ter acesso à totalidade do relatório da Rainforest Foundation Norway.

A Renault não se manifestou.

Certificação e pressão internacional

Citado por algumas exportadoras, o Leather Working Group (LWG), organização de certificação de couro mais aceita internacionalmente, teria algumas limitações para garantir a origem do material, segundo a Rainforest Foundation Norway.

“O fornecedor entrega uma declaração ao LWG dizendo que não tem ligação com desmatamento. Não há uma verificação rigorosa”, diz Faggin.

É por isso que, para os autores do estudo, a indústria automobilística se torna cúmplice se continuar comprando de quem adquire a matéria-prima vinda do desmatamento na Amazônia, como aponta o relatório.

“Todas as cinco grandes montadoras de automóveis da Europa [Volkswagen, BMW, Daimler, grupo PSA e Renault] não têm um política forte de controle sobre isso”, conclui o estudo.

Para Paulo Barreto, do Imazon, é importante que o debate gere grande repercussão internacional.

“Monitorar a origem do couro é ainda mais complicado que a da carne. Tivemos mudanças por causa da pressão internacional, mas são muito pequenas diante do tamanho do problema. Existem muitas brechas, há várias responsáveis, como empresas e setor financeiro, que têm um braço internacional grande”, diz. “É preciso muito mais esforço.”

Crédito: Deutsche Welle – @internet 17/04/2021

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