Ômicron é o fim da pandemia ou levará hospitais ao colapso? as dúvidas que ainda permanecem sobre nova variante

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A ômicron se mostrou avassaladora desde a sua origem: dois dias após a sua detecção na África do Sul e em Botsuana, ela já foi classificada como uma variante de preocupação pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 26 de novembro.

Logo de cara, os cientistas ficaram alarmados com a quantidade e a variedade de mutações que ela apresentava. Muitas dessas alterações genéticas ocorrem na espícula, a estrutura do coronavírus que se conecta aos receptores das células humanas e dá início à infecção.

“Naqueles primeiros dias, nós olhávamos para a ômicron e pensávamos: ‘Não pode ser verdade. Não é possível que esse monte de mutações vai funcionar na prática'”, lembra o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.

“Passado algum tempo, podemos afirmar que todo aquele potencial que a nova variante sinalizava virou realidade: ela é extremamente transmissível, como nos mostram os aumentos expressivos nos casos de covid”, complementa.

Para ter ideia, só na primeira semana de janeiro foram mais de 15 milhões de novos casos em todo o mundo, um recorde até agora. Antes do surgimento da ômicron, o número mais elevado registrado ficou na casa das 5 milhões de infecções em sete dias, lá em abril de 2021.

Se, por um lado, o potencial de alastramento logo levantou grande preocupação, por outro, as observações de que essa nova variante estaria por trás de quadros mais leves e uma menor taxa de hospitalizações e mortes, especialmente entre vacinados com três doses, trouxe um pouco de alívio.

Embora essa observação de um quadro menos complicado possa ser encarada como uma boa notícia, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil pedem cautela: mesmo se a ômicron estiver realmente relacionada a um menor agravamento, a gigantesca quantidade de infectados pode resultar em uma sobrecarga do sistema de saúde, com a lotação de leitos e a falta de insumos e profissionais de saúde.

Na visão deles, portanto, é enganoso afirmar que a variante já representa “o fim da pandemia” ou que ela está por trás apenas de quadros mais leves, como dito pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em entrevista ao site Gazeta Brasil, ele afirmou que a ômicron seria até “bem-vinda” ao Brasil.

Mas o que faz a ômicron ser tão contagiosa assim? Por que não é correto dizer que ela é sempre mais branda? E como ficam as vacinas no meio de tudo isso? Saiba o que a ciência já sabe (e o que ainda falta saber) a respeito dessa variante.

Como fogo no palheiro

De acordo com um relatório técnico da Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido, a ômicron é de duas a três vezes mais transmissível que a delta — que, por sua vez, já tinha um poder bem maior de alastramento em comparação com o vírus original, detectado no final de 2019 em Wuhan, na China.

Essa capacidade ampliada de “pular” de um indivíduo para o outro se traduziu nesse aumento dos novos casos de covid entre o final de 2021 e o início de 2022.

Nos países que possuem serviços de vigilância genômica estruturados, é possível observar como a ômicron se espalhou feito fogo em palheiro: nos Estados Unidos, por exemplo, o primeiro paciente infectado com essa variante foi identificado no início de dezembro. Em pouco mais de 20 dias, ela já estava presente em 58% de todas as amostras analisadas em laboratórios americanos.

No Brasil, um levantamento do Instituto Todos Pela Saúde com 3,2 mil amostras colhidas de pacientes com covid entre 2 e 8 de janeiro revelou que 98,7% delas traziam a ômicron.

De acordo com os especialistas, é justamente aquele conjunto de mutações que faz essa variante ser tão contagiosa. As alterações genéticas, especialmente na tal espícula, ajudaram no trabalho do vírus.

Ilustração de um coronavírus invadindo uma célula humana
As variantes do coronavírus mais preocupantes trazem mutações na proteína da espícula (a estrutura vermelha da ilustração), que se liga aos receptores das nossas células (azul) e dão início à infecção @getty images

Ainda que esse mecanismo de transmissão facilitada não seja completamente conhecido, algumas pesquisas divulgadas nas últimas semanas trouxeram algumas pistas.

Um trabalho feito no Imperial College, na Inglaterra, demonstrou que, quando comparada às outras versões do coronavírus, a ômicron se replica com muita rapidez nas células do nariz e consegue utilizar outros caminhos moleculares para invadir o organismo.

Embora esse trabalho ainda não tenha sido revisado por outros especialistas e nem publicado numa revista científica, ele sinaliza algo importante.

Se essa nova variante “transita” com facilidade e está em abundância no nariz e na garganta, isso por si só já facilita a sua transmissão: basta o indivíduo respirar, tossir, espirrar, falar ou cantar para liberar uma quantidade considerável de vírus no ambiente, que podem infectar as pessoas ao redor.

E não podemos ignorar outro fato aqui: a ômicron também pegou carona nas festas de final de ano. As aglomerações de Natal e Réveillon facilitaram ainda mais o trabalho dela e criaram inúmeras cadeias de transmissão mundo afora (e Brasil adentro).

Um drible na proteção prévia

Mas o local do corpo onde o vírus se replica não é o único fator que ajuda a explicar o espalhamento da ômicron.

O virologista Paulo Eduardo Brandão, professor da Faculdade de Medicina e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), chama a atenção para outra habilidade dessa variante: escapar da imunidade prévia, obtida através da vacinação ou de um quadro anterior de covid.

“Os estudos vêm demonstrando que os anticorpos que funcionavam contra as outras variantes não reagem tão bem contra a ômicron”, destaca.

“E isso representa uma vantagem para a nova variante, pois ela consegue tomar o lugar daquelas que vieram antes, inclusive entre indivíduos que já foram infectados no passado ou estão vacinados”, completa.

Na prática, isso se traduziu num aumento expressivo da taxa de reinfecções durante as últimas semanas.

Homem de perfil espirra
Transmissão do coronavírus depende de gotículas e aerossois de saliva, que saem pela boca e pelo nariz @getty images

Na África do Sul, por exemplo, pesquisadores analisaram dados de 2,7 milhões de pacientes que tiveram covid-19 antes de novembro de 2021.

Logo nos primeiros dias de dezembro, já haviam sido identificados mais de 35 mil casos de reinfecção neste grupo, algo que ainda não tinha ocorrido nessa mesma magnitude nas ondas anteriores por lá, provocadas pelas variantes beta e delta.

“Além de a ômicron ser capaz de evadir a resposta imune, precisamos considerar também que parte da população tomou a vacina há muitos meses, e sabemos que ocorre uma perda natural dessa proteção com o passar do tempo”, acrescenta Brandão.

Terceira dose antecipada

Mas como esse escape da ômicron se traduz em números quando pensamos nas vacinas?

Uma pesquisa realizada no Imperial College estimou que a efetividade do imunizante contra a infecção sintomática pela nova variante despenca para 0 a 20% em quem tomou as duas doses de AstraZeneca.

Mas o mesmo trabalho também traz uma boa notícia: após uma terceira dose, esse nível de proteção volta a subir consideravelmente. O reforço vacinal eleva a proteção para 55 a 80% nesses indivíduos.

Coronavirus
Mudanças na estrutura do vírus podem diminuir a efetividade das vacinas @getty images

Um relatório mais recente da Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido corrobora esse aumento da efetividade após uma terceira injeção.

Uma das análises incluída no artigo foi feita na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e mostra que, caso o indivíduo seja infectado com a ômicron, o risco de hospitalização é 81% menor se ele tiver tomado as três doses do imunizante.

Essas e outras investigações acabaram com qualquer discussão sobre a necessidade de aplicar uma dose adicional da vacina em todos os adultos, prática que já ocorre em vários países, inclusive no Brasil.

E vale lembrar aqui que o objetivo da primeira geração de imunizantes contra a covid nunca foi prevenir a infecção pelo coronavírus, mas, sim, evitar que o quadro evoluísse para as formas mais graves da doença.

Crédito: André Biernath/BBC News Brasil-@disponível na internet 14/01/2022

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