Como aumentar o salário do servidor

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@Criação O Globo

Após três anos de salários congelados (cinco anos) e com greves no governo federal, não é possível fugir do debate, no ano que vem, de como será o reajuste do funcionalismo público.

Em seu artigo, na última sexta-feira, o economista Fabio Giambiagi chama a atenção que a terceira maior despesa do Orçamento, só perdendo para a Previdência e para o pagamento de juros da dívida pública, o gasto com pessoal está no menor nível em 32 anos, representando 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Ele propõe que o Orçamento de 2024 inclua a recomposição da inflação de 2023, mais algum ganho real, mas não defende a recomposição completa desses três anos sem reajuste.

Os especialistas Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a economista-chefe da Instituto para Reformas entre o Estado e Empresa (IREE), Juliane Furno, e a professora da UFRJ e da Coppead, Margarida Gutierrez entram no debate.

Considerar distorções no serviço público

A escassez de recursos exige priorização. Isso vale em qualquer esfera, pública ou privada. Portanto, o ideal é que as recomposições salariais levem em conta as distorções existentes no serviço público federal. Seguramente há carreiras que deveriam ser mais valorizadas ou que estão com salários mais defasados em relação a outras.

 

Daniel Couri é economista, diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI), ligado ao Senado — Foto: Criação O Globo

Também há carreiras que, embora com salários congelados, tiveram aumento de remuneração por outras vias, como os bônus para auditores da Receita Federal ou os honorários para advogados públicos. Esse olhar minudente seria bem-vindo. Reajustes lineares são mais fáceis, mas acabam sancionando as distorções atuais.

O congelamento prolongado, para além do fato mais óbvio de reduzir a renda do servidor, cria instabilidade na prestação de serviços. Greves e paralisações se tornam mais frequentes e acabam por atingir toda a sociedade, mas particularmente os mais pobres, que demandam mais serviços públicos, na média.

Uma greve de médicos ou professores, por exemplo, pode não ter nenhuma consequência imediata para quem tem acesso a esses serviços na rede privada, mas afeta diretamente quem depende da rede pública.

Aumentos escalonados a partir de 2023

Há uma defasagem de 40% nos salários desde 2019. Pensaria, para 2023, em uma recomposição escalonada, em parcelas anuais para suavizar o impacto nas contas públicas e dar uma previsibilidade ao funcionalismo.

Dentro da próxima regra fiscal, já que o teto de gastos é uma doutrina de choque que se mostrou inviável, dar alguma garantia de aumento real.

Quando se pensa em serviço público, se associa a carreiras muito privilegiadas, na magistratura, que aliás, não estão contempladas na proposta de reforma administrativa que o Executivo enviou ao Congresso. Elas recebem tratamento especial e a reforma administrativa deveria começar pela Justiça, já que são servidores altamente privilegiados.

O crescimento da despesa com pessoal se explica pelo aumento no número de servidores e não pelo salário. Há uma demonização do setor público, com afirmações que é necessário ter mais recursos para educação e saúde, mas quem critica se esquece que esses serviços são baseados no trabalho desses servidores, no fornecimento de um serviço de mais qualidade.

Já nas carreiras típicas do Judiciário e do Legislativo, a reforma pode ser mais dura, com redução salarial média, porque há vários benefícios adicionais por tempo de serviço, abonos e outros penduricalhos aumentando a média salarial.

Juliane Furno é economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) Foto: Criação O Globo

É uma distorção no serviço público. Mas o salário médio não ser reduzido para os servidores do Executivo, que têm remunerações baixas ainda. Não devem ser atingidos. Ainda há deficiências no estado de bem-estar social no país.

Outra medida é reinstaurar as mesas de negociação entre os servidores e governo, para permitir uma construção negociada de política remuneratória tanto para recuperar as perdas inflacionárias como para pensar em reduzir a fragmentação e heterogeneidade das carreiras.

Estabelecer canais de negociação permanentes torna a questão mais pacificada, com menos temor de greves e instabilidade.

Vão pipocar greves, vai paralisar o país

De fato, são três anos sem reajuste, com uma inflação que foi de 4% em 2020, 10,1% em 2021, e que deve ser de quase 9% este ano, acumulando mais de 20% de perdas. Vai ser difícil segurar aumentos salariais para o servidor, o novo governo não vai conseguir, vão pipocar greves por todo o lado, paralisando o país. A pressão vai ser muito grande.

Não sei se será possível passar o ano que vem sem reajuste para o funcionalismo, como propõe Giambiagi, estabelecendo o primeiro aumento em 2024. Vejo dificuldades.

Mas hoje não há espaço no teto de gastos (regra que limita o crescimento da despesa à inflação). Vai ser preciso rever o teto para dar aumento.

Estamos falando da segunda maior despesa primária (a terceira considerando os gastos totais), só perdendo para a Previdência. A revisão da regra fiscal que o Executivo e o Congresso terão que apresentar deve ser crível e garantir que a dívida pública em relação ao PIB não seja explosiva. Dessa forma, dará para encaixar o aumento do salário dos servidores, com uma regra previamente definida.

A ideia de Giambiagi de atrelar isso à reforma administrativa é interessante por condicionar esse aumento do gasto com pessoal a uma mudança, com novas regras para entrada, com ascensão na carreira ligada à meritocracia. Daria um sinal à sociedade de que não estaria aumentando simplesmente. É perfeitamente viável, mas há risco. Se não for bem amarrada, a despesa fica fora do teto ou de outra regra fiscal, com risco de descontrole, afetando indicadores de confiança.
Margarida gutierrez é economista, e professora do Instituto de Economia da UFRJ e da Coppead — Foto: Criação O Globo

O governante precisará de habilidade para negociar alguma recomposição e uma política salarial mais definida, para gerar confiança de que não virão aumentos abusivos daqui para frente e que vamos voltar a ter superávits primários. Ainda estamos vivendo no mundo dos déficits.

Ter uma regra em que a despesa de pessoal só pode subir junto com o teto de gastos tira um cutelo do pescoço, que essas situações criam quando não há condições de dar aumento, e o país para. Esse mecanismo pacifica, principalmente se vier junto com a reforma administrativa.

Crédito: Cássia Almeida /O Globo na coluna O País que Queremos – @ dispon[ivel na internet 07/07/2022

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