De Bem com a Vida: Os surpreendentes benefícios do uso dos palavrões

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Pesquisas indicam que os palavrões podem, em alguns casos, cumprir papel terapêutico — @Unsplash

O xingamento foi por muito tempo descartado como assunto de pesquisa séria porque se supunha que era simplesmente um sinal de agressão, fraco domínio da linguagem ou até mesmo baixa inteligência.

Agora temos muitas evidências que confrontam essa visão, levando-nos a reconsiderar a natureza e o poder dos palavrões.

Gostemos ou não, muitos de nós provavelmente recorremos a eles de vez em quando.

Para estimar o poder do palavrão e descobrir de onde ele vem, recentemente fizemos uma revisão de mais de 100 artigos acadêmicos de diferentes disciplinas sobre o assunto.

Impacto em várias áreas

O estudo, publicado na revista científica Lingua, mostra que o uso de palavrões pode afetar profundamente a forma como pensamos, agimos e nos relacionamos.

As pessoas geralmente os associam com a catarse, a liberação de uma emoção forte. É inegavelmente diferente e mais poderoso do que outras formas de usar a linguagem.

Curiosamente, para falantes de mais de uma língua, a catarse é quase sempre maior ao xingar na língua materna do que em qualquer língua aprendida posteriormente.

Praguejar desperta as emoções. Isso pode ser medido em diferentes sinais, como aumento da transpiração e, às vezes, aumento da frequência cardíaca.

Essas mudanças indicam que xingar pode acionar a função “lutar ou fugir”.

Pesquisas neurocientíficas indicam que os palavrões podem estar localizados em diferentes partes do cérebro do que em outras regiões da fala. Especificamente, eles poderiam ativar partes do “sistema límbico” (incluindo os gânglios da base e a amígdala).

Essas estruturas profundas estão envolvidas em aspectos de memória e processamento de emoções, que são instintivos e difíceis de inibir.

Isso poderia explicar por que pessoas que sofreram danos cerebrais e têm dificuldades de fala como resultado ainda continuam a falar palavrões sem problema.

Experimentos de laboratório também mostram efeitos cognitivos. Sabemos que os palavrões atraem mais atenção e são mais bem lembrados do que outras palavras.

Mas eles também interferem no processamento cognitivo de outras palavras/estímulos, então parece que xingar às vezes também pode interferir no pensamento.

Isso pode valer a pena, pelo menos às vezes. Em experimentos que exigem que as pessoas mergulhem a mão em água gelada, os palavrões produziram alívio da dor.

Nesses estudos, falar um palavrão leva a uma maior tolerância à dor e a um maior limiar de dor em comparação com palavras neutras.

Outros estudos encontraram maior força física em pessoas depois de xingar.

Mas xingar não apenas influencia nosso ser físico e mental, mas também afeta nossos relacionamentos com os outros.

Pesquisas em comunicação e linguística mostraram uma variedade de propósitos sociais distintos para xingar, desde expressar agressão e causar ofensa até aumentar o vínculo social, humor e contar histórias.

Os palavrões podem até nos ajudar a gerir nossas identidades e mostrar intimidade e confiança, além de aumentar a atenção e o domínio sobre outras pessoas.

@getty images

Cerne da questão

Apesar de ter um efeito tão perceptível em nossas vidas, atualmente sabemos muito pouco sobre onde os palavrões obtêm seu poder.

Quando ouvimos um palavrão em um idioma desconhecido, soa como qualquer outra palavra e não produz nenhum desses resultados: não há nada de especial no som da palavra em si que seja universalmente ofensivo.

Assim, o poder não vem das próprias palavras. Da mesma forma, não é inerente aos significados ou sons das palavras: nem os eufemismos, nem as palavras de som semelhante têm um efeito tão profundo sobre nós.

Uma explicação é que o “condicionamento aversivo”, o uso de punição para evitar mais palavrões, geralmente ocorre durante a infância. Isso pode estabelecer uma conexão visceral entre o uso da linguagem e a resposta emocional.

Embora essa hipótese pareça correta, é apenas fracamente embasada por um punhado de estudos que investigou memórias de punição infantil por palavrões.

Quase não há estudos empíricos sobre as ligações entre essas memórias e as respostas dos adultos aos palavrões.

Para entender por que os palavrões têm um efeito tão profundo sobre nós, precisamos investigar a natureza das memórias dos palavrões das pessoas.

Quais foram seus incidentes significativos com palavrões? Os palavrões sempre traziam consequências desagradáveis, como punição, ou havia benefícios também? E as experiências contínuas de xingamento das pessoas ao longo da vida?

Depois de tudo isso, nossa pesquisa mostra que xingar às vezes pode ajudar as pessoas a se relacionarem.

Achamos que é possível que os palavrões apresentem um padrão de memória semelhante ao da música: lembramos e gostamos mais das músicas que ouvimos na adolescência.

Isso porque, assim como a música, os palavrões podem ganhar um significado totalmente novo na adolescência.

Torna-se uma maneira importante de responder às emoções intensas que tendemos a ter durante esse período e um ato que sinaliza independência dos pais e conexão com os amigos.

Portanto, os palavrões e as músicas usadas durante esse período podem ser para sempre ligadas a experiências importantes e memoráveis.

A pesquisa também deve examinar se há uma ligação entre as memórias de xingamentos e os efeitos observados nos experimentos.

Isso pode mostrar que pessoas com memórias mais positivas respondem de maneira diferente daquelas com memórias negativas.

Um último ponto a considerar é se o palavrão começará a perder seu poder se se tornar mais aceitável socialmente e, portanto, perderá seu caráter ofensivo.

Por enquanto, porém, certamente ainda é visto como um deslize.

Crédito:Karyn Stapleton, Catherine Loveday, Kristy Beers Fägersten e Richard Stephens* – The Conversation /BBC Brasil – @ disponível na internet 26/10/2022

*Karyn Stapleton, Professora de Comunicação Interpessoal da Universidade de Ulster (Irlanda do Norte); Catherine Loveday, neuropsicóloga da Universidade de Westminster (Inglaterra); Kristy Beers Fägersten, professora da Universidade de Södertörn (Suécia); Richard Stephens, professor de psicologia da Universidade de Keele (Inglaterra). 

 

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