- STF julga orçamento secreto inconstitucional
- Supremo derruba orçamento secreto, se alinha a Lula e reduz poder de Lira
- Orçamento Secreto: como decisão do STF mexe com jogo de forças entre governo e Congresso
STF julga orçamento secreto inconstitucional
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o chamado orçamento secreto, como ficaram conhecidas as emendas de relator ao Orçamento Geral da União, identificadas pela sigla RP-9. O julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 850, 851, 854 e 1014 foi concluído na manhã desta segunda-feira (19), com seis votos pela inconstitucionalidade e cinco votos divergentes, com entendimentos diversos entre si.
A decisão seguiu o voto da presidente Rosa Weber, relatora das ações, ajuizadas pelo Cidadania, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido Verde (PV).
Caráter anônimo
O orçamento secreto consiste no uso ampliado das emendas do relator-geral do orçamento, para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União. Em seu voto, apresentado em 14/12, a relatora afirmou que as emendas RP-9 violam os princípios constitucionais da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade por serem anônimas, sem identificação do proponente e clareza sobre o destinatário.
Em 2022, o uso desse tipo de emenda chegou ao montante de R$ 16,5 bilhões, e R$ 19,4 bilhões haviam sido reservados para este fim no orçamento de 2023.
Erros e omissões
Pela decisão majoritária da Corte, esse tipo de prática orçamentária foi declarado incompatível com a ordem constitucional brasileira, e as emendas do relator-geral devem se destinar, exclusivamente, à correção de erros e omissões.
Execução
Além disso, a decisão determina que as leis orçamentárias de 2021 e de 2022 sejam interpretadas segundo a Constituição Federal. Caberá aos ministros de Estado titulares das pastas beneficiadas com recursos consignados sob a rubrica RP-9 orientarem a execução desses montantes em conformidade com os programas e os projetos das respectivas áreas. Afasta-se, assim, o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento.
Identificação
Por fim, o STF decidiu que todas as áreas orçamentárias e os órgãos da administração pública que empenharam, pagaram e liquidaram despesas por meio dessas emendas, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, devem publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas. Também devem ser identificados os respectivos solicitadores e beneficiários, de modo acessível, claro e fidedigno, no prazo de 90 dias.
Conclusão
O julgamento foi concluído hoje com os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, que seguiu o posicionamento da relatora, e Gilmar Mendes, que votou pela constitucionalidade do instrumento, ressaltando que, do modo em que está, ele caminha para a inconstitucionalidade.
Seguiram o voto da relatora, além do ministro Lewandowski, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux e a ministra Cármen Lúcia.
Governabilidade
Segundo Ricardo Lewandowski, as emendas do relator, da maneira como são utilizadas, subvertem a lógica do sistema de repartição dos recursos orçamentários. Elas retiram do chefe do Executivo federal a discricionariedade na alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade e em afronta ao mecanismo de freios e contrapesos garantido pela separação dos Poderes.
Para ele, mesmo diante de resolução aprovada pelo Congresso Nacional na semana passada sobre o tema, no sentido de dar mais transparência ao instrumento, os vícios apontados nas ADPFs persistem. Entre os princípios violados pela sistemática da distribuição das verbas orçamentárias estão os da isonomia, da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade e, sobretudo, da eficiência, que regem a administração pública.
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Último a votar, o ministro Gilmar Mendes aderiu à corrente que considera constitucionais as emendas RP-9, mas defendem que elas tenham mais transparência e sigam critérios de distribuição de recursos. Também votaram nesse sentido os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
Em seu voto, Gilmar defendeu que os princípios da publicidade e da transparência devem ser observados em todas as fases do ciclo orçamentário. Nesse sentido, devem ser tomadas medidas para garantir a publicidade, o acesso público e a rastreabilidade dessas emendas. A seu ver, as instâncias administrativas que receberam esse tipo de verba devem publicar todas informações em plataforma eletrônica e centralizada, conforme previsto na Lei 10.180/2001.
Processos relacionados: ADPF 850 / ADPF 851 / ADPF 854 / ADPF 1014
STF 20/12/2022
Orçamento Secreto: como decisão do STF mexe com jogo de forças entre governo e Congresso
Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta segunda-feira, 19, inconstitucional o orçamento secreto, prática revelada pelo Estadão em uma série de reportagens, desde maio de 2021. O modelo que contemplava a distribuição de emendas parlamentares para redutos eleitorais de deputados e senadores aliados ao presidente Jair Bolsonaro se tornou, nos últimos anos, o símbolo da barganha entre o governo e o Congresso.
O veredicto final dos ministros do STF foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. Ao atender à solicitação da Rede – partido aliado de Lula -, o ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora da regra fiscal do teto de gastos. Com isso, ele criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.
A PEC concede ao governo uma licença para aumentar o teto de gastos por dois anos e usar R$ 168 bilhões para pagar o Bolsa Família de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo. Agora, caso o Centrão tente diminuir esse valor e o prazo de validade da PEC para um ano, Lula pode lançar mão do Plano B do crédito extraordinário autorizado por Gilmar.
Desde a semana passada, Lira já vinha dizendo que não havia os 308 votos necessários para aprovar a PEC. “Eu não sou pai de santo nem João de Deus”, afirmou a líderes de partidos. Na ocasião, o deputado observou que, a exemplo de um médico, precisava de “instrumentos” para garantir votos ao governo Lula. Petistas interpretaram a frase como uma “chantagem” para obter cargos em ministérios, como Minas e Energia e Saúde. “Não faço chantagem”, rebateu ele.
INTERFERÊNCIA. Em conversas reservadas, na tarde desta segunda o presidente da Câmara disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.
“O recurso vai continuar no orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares”, disse Haddad. “Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil que no Senado”, completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.
Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar ainda precisavam votar.
“Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte”, disse Lewandowski, ao acompanhar o voto de Rosa Weber. Na semana passada, Rosa definiu o orçamento secreto como um dispositivo “à margem da legalidade”. Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos.
O Supremo deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano. Votaram pela derrubada do orçamento secreto, além de Rosa e Lewandowski, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar se posicionaram pela manutenção do mecanismo, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Os três últimos magistrados, porém, assinalaram a necessidade de transparência no envio dos recursos.
PRESSA. O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento do STF porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para “disciplinar” a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.
Naquele dia, uma sessão do Congresso aprovou um texto às pressas, definindo critérios para repasses de emendas, na tentativa de mostrar uma solução aos ministros. A alteração, porém, foi considerada insatisfatória porque manteve a captura do dinheiro com as cúpulas da Câmara e do Senado.
EFEITOS. Com a decisão, ficam vedados o uso das emendas do orçamento secreto para ‘atender solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento e quaisquer usuários externos não vinculados a órgãos da administração pública federal’.
Os ministros de Estado que chefiam pastas beneficiadas com recursos do orçamento secreto vão ser os responsáveis por orientar a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas, ‘afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento’.
Além disso, o Supremo determinou que todos os órgãos responsáveis por empenhos, liquidação e pagamentos ligados a recursos do orçamento secreto entre 2020 e 2022 terão 90 dias para publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com os respectivos recursos, indicando os solicitadores e beneficiários das verbas, de modo ‘acessível, claro e fidedigno’.
VOTOS. O ministro Ricardo Lewandowski deu voto decisivo ao acompanhar o entendimento da relatora Rosa Weber pela derrubada do orçamento secreto.
“Ainda que reconheça os avanços da resolução aprovada pelo Congresso, sobretudo por atender a algumas preocupações ventiladas no curso deste julgamento, quanto a maior transparência, proporcionalidade e generalidade na alocação das emendas do relator geral, entendo que os vícios apontados nas iniciais das ações sob julgamento continuam persistindo, pois a sistemática ainda vigente para distribuição das verbas orçamentárias afrontam as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano, o qual encontra expressão nos postulados da isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência que regem a administração pública”, ressaltou.
Lewandowski disse que a resolução aprovada às pressas pelo Congresso, na tentativa de ampliar a transparência do orçamento secreto, segue sem permitir o rastreamento do destino das emendas e continua a impedir a identificação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos. Segundo o ministro, é necessário que haja transparência ativa, com publicidade dos requerentes e destinatários das emendas, de modo a ‘extirpar’ qualquer tipo de sigilo.
O magistrado pontuou que a tentativa do Congresso de distribuir as emendas secretas proporcionalmente entre os líderes dos partidos, por meio da nova resolução, mantém a desigualdade entre os parlamentares, assim como a chance de aliados das lideranças serem privilegiados ‘sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas’.
Também fez críticas específicas à nova normativa do Congresso, como o aval para que os presidentes do Senado e da Câmara possam indicar 5% das emendas de relator. Segundo Lewandowski, a porcentagem representa um valor ‘extraordinário’. “A nova regulamentação, apesar de constituir um progresso, não resolve vícios de constitucionalidade”, afirmou.
Na avaliação do ministro, as emendas do relator ‘subvertem a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários porque retiram do chefe do Executivo a necessária discricionariedade da alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos que forma a separação dos poderes. “Não é possível deixar o presidente do Executivo completamente alheio ao processo de orçamentação”, registrou.
Já o ministro Gilmar Mendes, último a votar nesta segunda-feira, 19,se alinhou à ala do STF favorável a ampliar a transparência do orçamento secreto. O ministro recomendou que, em até 90 dias, fossem identificados os solicitadores e beneficiários dos repasses em plataforma centralizada com as justificativas dos pedidos. Gilmar ainda cobrou dos ministérios do governo a apresentação de justificativa para a liberação dos recursos.
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, definiu a prática como um dispositivo ‘à margem da legalidade’, ‘envergonhado de si mesmo’, que impõe ‘um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União’. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deveria ser considerado inconstitucional.
Ao acompanhar a relatora, Fachin destacou que ‘não há transparência quando não se explicita os critérios objetivos da eleição de prioridade’. Já Barroso ressaltou que o esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro gerou ‘desiquilíbrio imenso à separação de poderes’.
O ministro Luiz Fux chegou a dizer que é possível sintetizar o voto com uma única frase: “Com dinheiro publico o segredo não é a alma do negócio”. Cármen Lúcia chegou a afirmar que o Brasil é uma república e ‘não uma entidade estatal com o nome segredo’. “As coisas do estado do povo tem que ser de conhecimento do povo”, ressaltou.
Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto houve diferentes gradações sobre o nível de transparência que deveria ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não viram conflito entre o dispositivo e a Constituição. Exigiram apenas que os recursos fossem divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.
O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Segundo seu voto, as emendas deveriam ser alocadas somente seguindo uma relação de programas estratégicos e projetos prioritários – lista a ser definida pelo Executivo. Além disso, para Toffoli, deve haver um limite de valores repassados a cada município e os pagamentos devem ter um ‘papel integrante no planejamento nacional’.
Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução ‘intermediária’, que equiparasse as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvaziaria o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos. O magistrado propôs que o Congresso tenha de publicizar os destinos e objetivos das emendas. Além disso, quer que os valores sejam distribuídos entre os parlamentares seguindo regras de proporcionalidade.
Crédito: Weslley Galzo, Vera Rosa e Pepita Ortega / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 20/12/2022
Orçamento Secreto: como decisão do STF mexe com jogo de forças entre governo e Congresso
Nesta segunda (19/12), a corte formou maioria pela proibição da distribuição de recursos públicos por meio das emendas de relator-geral.
Esse tipo de emenda, identificada na execução orçamentária como RP-9, é considerada por especialistas em orçamento público pouco transparente – o que favoreceria a corrupção.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, criticou o mecanismo durante a campanha, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) mudou o discurso durante o período de transição e chegou a ficar em silêncio durante uma votação da Comissão Mista de Orçamento em 30 de novembro que deliberava sobre a extinção das emendas de relator.
A leitura feita por cientistas políticos na época era de que o novo governo tentava ganhar apoio para aprovar a chamada PEC da Transição, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitiria o pagamento do Bolsa Família com recursos fora do teto de gastos.
A aprovação da PEC era considerada fundamental pela equipe do novo governo para que conseguisse arcar com a manutenção do valor de R$ 600 do benefício.
Ela já havia passado no Senado, mas estava travada na Câmara, justamente porque os parlamentares vinham usando a votação, marcada para esta terça (20/12), para negociar contrapartidas com o novo governo, entre elas indicações políticas para os quadros dos ministérios.
A decisão do STF limita o uso das emendas de relator, que passam a ser permitidas apenas em situações bem particulares, para correção de erros e omissões no projeto de lei orçamentária anual. Na prática, ela derruba o Orçamento Secreto – tirando poder de barganha do Congresso.
Na noite de domingo (18/12), por sua vez, uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes determinou que os programas de renda mínima sejam excluídos do teto de gastos, enfraquecendo, também, a posição dos parlamentares na relação com o Executivo — notadamente na negociação da PEC da Transição.
A BBC News Brasil conversou com cientistas políticos para entender como os episódios mudam o jogo de forças entre Congresso e Executivo e o que significam para a governabilidade do terceiro governo Lula.
Freio na trajetória de ganho de poder do Legislativo
As emendas parlamentares estão entre os principais mecanismos que deputados e senadores usam para enviar recursos para suas bases eleitorais.
O dinheiro é geralmente usado para fazer investimentos e pode ser direcionado, por exemplo, para obras de infraestrutura ou para compra de equipamentos.
Elas se dividem em quatro modalidades: emenda parlamentar individual, de bancada, de comissão e de relatoria. Antes de as emendas de relator ganharem protagonismo em 2020 e 2021 por meio do Orçamento Secreto, as individuais eram as que tinham maior espaço.
Até 2015, o Executivo não tinha obrigação de liberar todo o valor de emendas previsto na Lei Orçamentária Anual. Parte do total poderia ser contingenciado caso o governo decidisse segurar despesas para cumprir a meta de resultado fiscal, por exemplo.
Naquele ano, contudo, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que tornou obrigatória a execução das emendas individuais. Em 2019, por sua vez, o Legislativo ampliou o chamado orçamento impositivo e incluiu as emendas de bancada estadual entre as de execução obrigatória.
“Essas duas reformas estão dentro de um contexto de fortalecimento do Congresso que começa em meados dos anos 2000”, diz a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora visitante do SNF Instituto Agora, na Universidade Johns Hopkins, e pesquisadora na Fundação POPVOX.
Esse processo não aparece de forma marcante no início do governo Bolsonaro, segundo a especialista, porque a gestão “passou seus dois primeiros anos sem tentar construir base de apoio. Depois, quando tenta, é quando passa a crescer o uso da RP-9”, ela acrescenta, referindo-se às emendas de relator.
Nesse sentido, Carolina Botelho, cientista política do Instituto de Estudos Avançados – IEA/USP, recorda que Bolsonaro lança mão do mecanismo das emendas de relator e do Orçamento Secreto quando vê seu governo enfraquecido e teme a possibilidade de um processo de impeachment.
“O Executivo se viu obrigado a transferir ao Legislativo poder sobre o Orçamento para que pudesse se manter no poder.”
Em sua avaliação, a decisão do STF desta segunda reequilibra os poderes entre Legislativo e Executivo e traz a relação entre os dois para algo mais próximo do que o país viu nos últimos 30 anos, de uma “normalidade institucional”.
“Volta a colocar o Executivo como centro controlador do orçamento e centro gravitacional da política”, analisa.
“O governo anterior dependeu dessa submissão (ao Congresso) para sobreviver, agora o jogo muda um pouco”, completa Botelho.
Com as decisões do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), perde parte do capital político que conseguiu concentrar nos últimos dois anos, mas não necessariamente fica sem poder, avalia Beatriz Rey.
“Lira conta com apoio interno grande, é bem cotado – foi através dele que os deputados do Centrão tiveram acesso a todos esses recursos [do Orçamento Secreto].”
Para ela, as movimentações no decorrer desta semana vão apontar de forma mais clara em que posição fica o atual presidente da Câmara e o reposicionamento das peças no jogo de forças em Brasília.
O cientista político Sérgio Praça, professor da FGV, faz leitura parecida.
“Lira já provou que consegue mobilizar forças dentro da Câmara”, pontua.
“Ele e o Congresso sabem que se aproveitaram de um presidente muito fraco em um momento muito fraco. Agora, o jogo começa de novo.”
Segundo o colunista do jornal O Globo Lauro Jardim, Lira foi surpreendido pelas duas decisões do Supremo e convocou reunião com alguns líderes de partido nesta segunda para discutir o cenário.
Indicações políticas e construção da base de apoio
Daqui para frente, a questão que se coloca é como o novo governo Lula tentará construir uma base de apoio no Congresso e garantir governabilidade.
Sem as emendas de relator e com as emendas individuais e de bancada com execução impositiva, o Executivo terá de usar outras ferramentas para negociar com o Congresso a aprovação de medidas e reformas.
Um desses mecanismos, diz Praça, podem ser as indicações para os ministérios e a distribuição de cargos de confiança.
A poucos dias da posse, só uma parte do primeiro escalão do governo foi anunciada: os titulares da Fazenda (Fernando Haddad), da Casa Civil (Rui Costa), da Defesa (José Múcio), da Justiça (Flávio Dino), das Relações Exteriores (Mauro Vieira) e da Cultura (Margareth Menezes). Pastas-chave como Saúde e Planejamento seguem sem ministro.
Assim, na negociação por apoio, Lula pode escolher nomes que agradem aliados em vez de nomes técnicos, por exemplo. Reportagens publicadas na semana passada sugeriam que Lira estaria pressionando para que seu partido, o PP, indicasse o novo titular da Saúde. Renan Filho (MDB-AL), por sua vez, estaria sendo sondado para assumir o Planejamento.
O cientista político lembra ainda que a recente mudança na Lei das Estatais, que reduziu de três anos para 30 dias o período de quarentena para que políticos e dirigentes partidários pudessem ocupar cargos em estatais e agências reguladoras, abriu espaço para indicações políticas nessas organizações.
“Essa semana será fundamental para entender como será a construção da base legislativa”, ressalta Beatriz Rey.
Em sua avaliação, “seria interessante para o governo eleito tomar rédea da situação e apresentar uma solução diante do vácuo que foi criado” com a derrubada do Orçamento Secreto.
Uma alternativa “transparente, que seja passível de controle social” e que permita ao governo construir uma base de apoio estável, “para que não tenha que ficar negociando a cada votação”.
Crédito: Camilla Veras Mota / BBC News Brasil – @ disponível na internet 20/12/2022