Governo garante comando de comissões centrais no Congresso, mas precisará negociar a cada votação

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Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro. — Foto: Pedro França/Agência Senado

Distribuição de espaços nos colegiados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal dá indicações sobre correlação de forças para a nova legislatura

Foram necessários 42 dias para que a Câmara dos Deputados superasse um impasse envolvendo a disputa pelo comando e pela distribuição de espaços nas principais comissões temáticas, por onde tramitam as proposições antes de serem remetidas ao plenário ou analisadas em caráter terminativo.

A expectativa é que o acordo finalmente destrave a pauta da casa legislativa, que pouco produziu em mais de um mês de trabalhos pela 57ª Legislatura e viu acumular uma série de pautas relevantes, sendo muitas de amplo interesse do Palácio do Planalto.

O desfecho vem após sucessivas negociações conduzidas pelo presidente da casa legislativa, Arthur Lira (PP-AL), reconduzido ao cargo em 1º de fevereiro com votação recorde, após costurar um amplo arco de alianças, do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Em contraste com o uníssono apoio a Lira observado na eleição para o comando da Mesa Diretora, a disputa por espaços nas comissões temáticas recolocou o mundo político na polarização entre Lula e Bolsonaro mais de quatro meses após a vitória do petista nas urnas.

O PT, segunda maior bancada da casa legislativa, com 68 representantes (ou 81, se for considerada a Federação Brasil da Esperança – Fé Brasil), conseguiu ficar com a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), considerada a mais importante da casa legislativa por avaliar a constitucionalidade de todas as matérias e ser a porta de entrada para processos de impeachment contra o presidente da República. O deputado federal Rui Falcão (PT-SP) foi o escolhido para presidir o colegiado em 2023.

A sigla também exercerá o comando da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), também considerado colegiado de peso na casa legislativa. Neste caso, a presidência ficará a cargo do deputado federal Paulo Guedes (PT-MG). Na Comissão do Trabalho, o partido emplacou o nome de Airton Faleiro (PT-PA). Já na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, a escolhida foi Luizianne Lins (PT-CE).

O PL, de Bolsonaro, por sua vez, conquistou o comando da Comissão de Fiscalização e Controle (CFC), representada pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF). O colegiado pode ser uma pedra no sapato para Lula, com a possibilidade de aprovação de requerimentos de informação e convocações de ministro para prestarem esclarecimentos em momentos de crise. Para evitar maiores problemas, o governo terá o desafio de construir uma tropa de choque coesa nesta comissão, capaz de barrar avanços da oposição.

O partido de oposição também ficou com as presidências da Comissão de Saúde, com o deputado Zé Vitor (PL-MG); da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, com o deputado Fernando Rodolfo (PL-PE); da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, com o deputado Sanderson (PL-RS); e da Comissão do Esporte, com Luiz Lima (PL-RJ).

Veja a relação dos eleitos para as comissões permanentes da Câmara dos Deputados:

Comissão Permanente Presidente Partido UF
Comissão de Administração e Serviço Público
Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural Tião Medeiros PP PR
Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação Luisa Canziani PSD PR
Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais Célia Xakriabá PSOL MG
Comissão de Comunicação Amaro Neto Republicanos ES
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania Rui Falcão PT SP
Comissão de Cultura Marcelo Queiroz PP RJ
Comissão de Defesa do Consumidor
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher Lêda Borges PSDB GO
Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa
Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência Márcio Jerry PCdoB MA
Comissão de Desenvolvimento Econômico Félix Mendonça Júnior PDT BA
Comissão de Desenvolvimento Urbano
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial Luizianne Lins PT CE
Comissão de Educação Moses Rodrigues União Brasil CE
Comissão do Esporte Luiz Lima PL RJ
Comissão de Finanças e Tributação Paulo Guedes PT MG
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle Bia Kicis PL DF
Comissão de Indústria, Comércio e Serviços Heitor Schuch PSB RS
Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional Fabio Garcia União Brasil MT
Comissão de Legislação Participativa Zé Silva Solidariedade MG
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável José Priante MDB PA
Comissão de Minas e Energia Rodrigo de Castro União Brasil MG
Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família Fernando Rodolfo PL PE
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional Paulo Alexandre Barbosa PSDB SP
Comissão de Saúde Zé Vitor PL MG
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado Sanderson PL RS
Comissão de Trabalho Airton Faleiro PT PA
Comissão de Turismo Romero Rodrigues PSC PB
Comissão de Viação e Transportes Cezinha de Madureira PSD SP

Fonte: Câmara dos Deputados

As comissões de Desenvolvimento Urbano, de Defesa do Consumidor, de Administração e Serviço Público e de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa seguem sem presidentes eleitos. As reuniões de instalação dos colegiados foram adiadas para dar tempo até que acordo fosse selado entre as bancadas.

Nesta legislatura, Arthur Lira definiu a criação de cinco novas comissões para acomodar aliados que o elegeram para o novo mandato no comando da casa legislativa. Uma das consequências foi uma percepção de esvaziamento de pastas que tiveram escopo reconfigurado.

Apesar de ter conquistado o comando da CCJC e comissões importantes, o governo não deverá ter vida fácil nos colegiados da Câmara dos Deputados. No caso da principal comissão, a preocupação está na composição, diante das indicações de membros titulares feitas pelos partidos.

Siglas com as quais o Palácio do Planalto esperava contar para construir maioria na CCJC, como União Brasil, colocaram nomes reconhecidamente críticos ao governo Lula como representantes no colegiado. É o caso de Alfredo Gaspar (AL), Arthur Maia (BA), Mendonça Filho (PE), Rosângela Moro (SP).

A situação se repete em outras legendas que, apesar de não integrarem a base do governo, tem parlamentares que indicam possibilidade de convergir com as posições do Executivo em votações importantes. São os casos de Podemos, que tem entre os titulares indicados o ex-procurador Deltan Dallagnol (PR), e do Republicanos, que colocou o ex-prefeito Marcelo Crivella (RJ) no grupo.

Diante de tal cenário, já há cálculos indicando risco de o governo não ter maioria consolidada no colegiado. O grupo possui 66 integrantes, o que faz com que sejam necessários 34 votos para garantir vitórias, seja para fazer proposições avançarem, seja para derrubar ideias indesejadas.

“A distribuição das comissões acabou espelhando o que aconteceu na eleição [de 2022] e a correlação de forças que se estabeleceu. O governo deve ter condições de governabilidade, mas terá o desafio de negociar permanentemente com o Congresso”, observa Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice.

Ele destaca que legendas como União Brasil e MDB, consideradas fundamentais pelo Palácio do Planalto para a construção de governabilidade, estão divididas, o que reforça a percepção de dificuldades para o governo nesta legislatura e a necessidade de abrir frentes de negociação caso a caso.

“Aquele modelo que vigorou pelo menos até o governo de Michel Temer (MDB), em que havia uma maioria congressual segura para o Palácio do Planalto, não se verifica mais, por conta da fragmentação partidária e do poder de agenda que o Congresso Nacional tem”, avalia.

Para o especialista, uma das claras consequências do ambiente desafiador é a baixa probabilidade de o governo aprovar projetos complexos na íntegra. A tendência, segundo ele, é os textos encaminhados pelo Planalto sofrerem ajustes significativos ao longo da tramitação no parlamento.

“Apesar de comandar as duas comissões mais relevantes, o governo não encontra um cenário confortável: sua base na Câmara dos Deputados ainda não é maioria e mesmo projetos que exigem votação em maioria simples podem encontrar dificuldades. Atualmente, a oposição representa 42% da Casa, com 216 deputados, e esse cenário influenciou a definição das presidências de colegiados”, observam os analistas da BMJ Consultores Associados em relatório distribuído a clientes.

“Para agentes privados, a definição das composições e presidências de comissões tem relevância por conta do volume de novas relatorias a serem designadas em projetos de interesse e de mudanças nos despachos desses projetos, tendo em vista a nova configuração das comissões”, explicam.

No caso da CCJC, os especialistas lembram que, nos últimos anos, o colegiado ficou marcado “por debates que não encontravam consensos e ampliavam a distância entre parlamentares de governo e oposição” e destacam como missão de Rui Falcão “equilibrar o tom dos debates no colegiado diante de um Congresso Nacional de oposição fortalecida e em que o governo ainda não tem uma base sólida”.

Partido Comissões permanentes
PL 5
PT 4
União Brasil 3
PP 2
PSD 2
PSDB 2
MDB 1
PCdoB 1
PDT 1
PSB 1
PSC 1
PSOL 1
Republicanos 1
Solidariedade 1

Fonte: Câmara dos Deputados

Senado Federal

A distribuição das comissões no Senado Federal foi definida uma semana antes, com as presidências concentradas no grupo que apoiou Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para mais dois anos de mandato no comando da Mesa Diretora.

A oposição, formada por PL, PP, Novo e Republicanos, que apoiou Rogério Marinho (PL-RN) na disputa, foi alijada das posições de destaque nos colegiados e decidiu ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter o quadro formado.

O comando da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a principal da casa legislativa, ficou com o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A legenda também conquistou a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, com a senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS).

Já a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) elegeu Vanderlan Cardoso (PSD-GO). O partido também garantiu o comando da Comissão de Segurança Pública, com Sérgio Petecão (PSD-AC), e a Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, com Omar Aziz (PSD-AM).

O PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ficou com a Comissão de Assuntos Sociais, sob a presidência do senador Humberto Costa (PE); e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, com a presidência do senador Paulo Paim (RS).

Comissão Permanente Presidente Partido UF
Comissão de Assuntos Econômicos Vanderlan Cardoso PSD GO
Comissão de Assuntos Sociais Humberto Costa PT PE
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania Davi Alcolumbre União Brasil AP
Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática Carlos Viana Podemos MG
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa Paulo Paim PT RS
Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo Marcelo Castro MDB PI
Comissão de Educação, Cultura e Esporte Flávio Arns PSB PR
Comissão de Serviços de Infraestrutura Confúcio Moura MDB RO
Comissão de Meio Ambiente Leila Barros PDT DF
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária Soraya Thronicke União Brasil MS
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional Renan Calheiros MDB AL
Comissão de Segurança Pública Sérgio Petecão PSD AC
Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor Omar Aziz PSD AM

Fonte: Senado Federal

“A maior parte das presidências foi fruto de acordo entre as bancadas partidárias e demonstram o poder de coalizão que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), detêm nesta nova legislatura, apoiado também pelo governo federal”, pontuam os analistas da BMJ.

A distribuição conferiu posições de destaque às três maiores bancadas que deram suporte ao presidente reeleito: PSD (16), MDB (10) e União Brasil (9). Juntas, as três legendas somam 35 assentos − o que equivale a 43% da casa legislativa.

Partido Comissões permanentes
MDB 3
PSD 3
PT 2
União Brasil 2
PDT 1
Podemos 1
PSB 1

Fonte: Senado Federal

“A instalação das comissões permanentes do Senado projetou um ambiente conflituoso entre as forças políticas da Casa”, pontuam os analistas da Arko Advice em relatório distribuído a clientes.

“A exclusão dos partidos que deram suporte à candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) das presidências das comissões, após terem sido preteridos também na composição da Mesa Diretora, representa não só uma demarcação de espaço, mas também a consolidação de uma cúpula política que detém o poder no Senado”, observam.

Crédito: Marcos Mortari / IstoÉ Dinheiro – @ disponível na internet 18/03/2023

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