De Bem com a Vida: Menopausa, o outono que floresce

0
43
A diminuição da libido é um dos sintomas característicos da menopausa Foto: Reprodução/Tua Saúde

Que nenhuma mulher aceite a invisibilidade como parte inevitável do processo. Seu corpo carrega histórias, memórias e conquistas

Durante décadas, o corpo feminino foi treinado a calar-se. A sentir dor em silêncio. A atravessar transformações hormonais com vergonha, como se o próprio ciclo da vida fosse algo a esconder. Menstruação, gravidez, puerpério, menopausa – fases naturais, mas ainda cercadas de estigma, desinformação e, sobretudo, silêncio.

Hoje, escrevo como médica dedicada à saúde da mulher – e também como mulher que escuta, diariamente, outras mulheres dizendo: “Doutora, eu não me reconheço mais”. Essa frase, simples e devastadora, quase sempre vem acompanhada de olhos marejados, vozes embargadas e uma sensação profunda de desamparo emocional e físico.

Na menopausa, até quem sempre teve intimidade com o próprio corpo pode surpreender-se com tantas transformações. Imagine, então, quem passou a vida inteira sem aprender a escutar os próprios sinais. As dúvidas se acumulam como uma avalanche: “Por que estou engordando?”; “Esse calor intenso tem volta?”; “Minha libido desapareceu, isso é normal?”; “Preciso mesmo fazer reposição hormonal?”; “É perigoso?”; “Por que meu sono mudou tanto?”; “Por que estou chorosa, ansiosa, irritada?”. Essas perguntas, embora possam parecer técnicas, carregam mais do que desequilíbrios fisiológicos. Elas carregam histórias de silenciamento, de culpa, de medo, de solidão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de mulheres na menopausa deve ultrapassar 1,2 bilhão até 2030. Apenas no Brasil, estima-se que cerca de 30 milhões estejam vivendo essa fase neste momento, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Climatério (Sobrac). E, mesmo assim, o tema segue invisível em muitas rodas de conversa – inclusive dentro das próprias famílias.

Menopausa não é doença. É uma transição biológica, geralmente entre 45 e 55 anos, marcada pela queda progressiva dos hormônios estrogênio e progesterona. Os sintomas mais frequentes – ondas de calor, ressecamento vaginal, alterações de humor, ganho de peso, perda de massa óssea, insônia, fadiga – podem ser bastante intensos e, sim, merecem atenção e cuidado. Mas não precisam ser enfrentados de forma solitária ou com vergonha.

A boa notícia é que nunca se falou tanto sobre menopausa como agora. Documentários como Menopausa Sem Tabu e campanhas internacionais como Let’s Talk Menopause vêm quebrando o silêncio e trazendo o tema para o centro dos debates sobre saúde pública, direitos reprodutivos e envelhecimento.

Profissionais da saúde estão se atualizando, congressos científicos têm aberto espaço para o tema e mulheres estão se reencontrando – em rodas de conversa, grupos de apoio, podcasts, redes sociais. Plataformas como o YouTube têm recebido séries educativas com linguagem acessível; newsletters e colunas em jornais ampliam o alcance da discussão; e até mesmo eventos corporativos e programas de bem-estar nas empresas começam a incluir a menopausa em suas pautas de saúde integral. O tema está emergindo – e precisa seguir ganhando corpo em todas as esferas da sociedade.

Mesmo assim, ainda persiste uma lacuna significativa. Ainda falta acolhimento real. Ainda falta escuta empática. Ainda falta acesso universal à informação de qualidade e a serviços de saúde especializados, especialmente no sistema público.

É fundamental dizer que a reposição hormonal, quando bem indicada, não é um bicho-papão. A North American Menopause Society (Nams) reforça que, para mulheres saudáveis com menos de 60 anos ou dentro de até dez anos da menopausa, os benefícios da terapia hormonal superam os riscos – especialmente para o alívio de sintomas severos e para a proteção da saúde óssea e cardiovascular. No Brasil, o protocolo da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) também orienta seu uso de forma segura, individualizada e baseada em evidências científicas.

Mas a menopausa não diz respeito apenas a hormônios ou medicamentos. Trata-se de devolver à mulher o direito de se conhecer, de se respeitar, de se cuidar sem culpa ou pressões externas. Trata-se de reconstruir a autoestima, de rever crenças limitantes, de resgatar o prazer de habitar o próprio corpo. De se permitir renascer.

Daniele Rosevics
Médica ginecologista, é especialista em saúde hormonal da mulher

É por isso que digo, com convicção: a menopausa não deve ser encarada como o fim de um ciclo, mas como um rito de passagem.

Um convite ao reencontro consigo mesma. Um marco de liberdade e autenticidade, em que a mulher não precisa mais pedir licença para se escolher – ou se priorizar.

A sociedade ainda não está totalmente preparada para acolher a mulher madura com a dignidade, o respeito e o protagonismo que ela merece. Mas estamos caminhando. Cada espaço de escuta – seja numa sala de consulta, numa roda de conversa, num palco, numa página – é um passo importante para reduzir esse abismo de silêncio que perdura há gerações.

Que nenhuma mulher aceite a invisibilidade como parte inevitável do processo. Seu corpo carrega histórias, memórias e conquistas. Ele merece escuta. Merece afeto. Merece presença. E, acima de tudo, merece florescer. Mesmo no outono.

Credito: Daniele Rosevics / O Estado de São Paulo – @ disponível na internet 1/9/2025

 

O risco de osteoporose aumenta na menopausa em decorrência da falta de produção de estrogênio
Foto: Reprodução/ Decon-SP

Menopausa: do diagnóstico ao tratamento  www.eumedicoresidente.com.br/post/menopausa-do-diagnostico-ao-tratamento

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui