A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisou nesta terça-feira (25) dois processos relativos à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do apartamento triplex, no Guarujá. O colegiado negou provimento ao agravo regimental no Habeas Corpus (HC) 165973 e rejeitou proposta do ministro Gilmar Mendes de conceder liberdade a Lula até o julgamento definitivo do HC 164493, no qual a defesa alega a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro para atuar nas ações penais relativas ao ex-presidente.
Agravo regimental

Em fevereiro deste ano, o ministro Edson Fachin, relator, havia negado seguimento ao HC 165973, impetrado pela defesa de Lula contra decisão do ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que rejeitou recurso especial contra a condenação no caso do triplex. No agravo regimental, a defesa pedia a anulação da ação penal e dos atos a ela relacionados, alegando que a condenação é marcada por diversas violações à Constituição Federal, ao Estado Democrático de Direito e às garantias fundamentais do ex-presidente. Na sessão, o advogado Cristiano Zanin sustentou que a confirmação da condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e pelo STJ não afasta as ilegalidades, pois todos os atos processuais teriam sido realizados sob a condução viciada do mesmo magistrado, o então juiz Sérgio Moro.
O advogado alegou que o ministro Felix Fischer, ao decidir monocraticamente o recurso, impôs graves prejuízos à defesa, pois no STJ não há previsão de sustentação oral no julgamento de agravo regimental. A defesa também se referiu às recentes revelações de supostos diálogos entre o então juiz e os procuradores da Operação Lava-Jato e reiterou que o processo resultou numa condenação injusta e ilegal, a partir da atuação coordenada entre juiz e acusação, “com desprezo à defesa”.
O relator do HC, ministro Edson Fachin, votou pelo desprovimento do agravo, mantendo seu entendimento inicial de que não houve irregularidade na decisão do ministro Felix Fischer. Para Fachin, a atuação de Fischer está autorizada pelo regimento do STJ, e não cabe à Segunda Turma do STF julgar se sua decisão foi justa ou injusta, correta ou incorreta. Segundo o relator, o enfrentamento das questões de Direito contidas no recurso especial será feito pelo STF no exame do agravo em recurso extraordinário interposto pela defesa. Fachin ressaltou que a jurisprudência do STF é firme no sentido de que o habeas corpus não é meio hábil para discutir decisões do STJ sobre a admissibilidade de recurso especial e seus incidentes e também rejeitou o argumento de falta de fundamentação da decisão do ministro Felix Fischer, que se baseou em precedentes do STF e do STJ e na Súmula 7 do STJ, que impede a reanálise de fatos e provas em sede de recurso especial.
Os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, e a ministra Cármen Lúcia, presidente da Segunda Turma, seguiram o relator. Todos entenderam que não houve violação ao princípio da colegialidade, pois a 5ª Turma do STJ, posteriormente, julgou agravo contra a decisão e examinou todas as teses da defesa. Mendes ponderou, no entanto, que o recurso especial não deveria ter sido apreciado monocraticamente.
Único a divergir, o ministro Ricardo Lewandowski considerou que houve desrespeito às garantias da ampla defesa e do contraditório, configurando situação de flagrante ilegalidade. Segundo Lewandowski, as decisões do STJ subtraíram da defesa de Lula o legítimo direito de participação no julgamento e de realização de sustentação oral. O ministro votou pelo desprovimento do agravo regimental, mas concedia o habeas corpus de ofício para anular a decisão monocrática do ministro Felix Fischer e o julgamento da 5ª Turma do STJ, determinando que outro julgamento fosse realizado, garantindo-se à defesa o direito de ser previamente intimada e de realizar sustentação oral.
Suspeição
Em seguida, a Turma julgou proposta de liminar no HC 164493. O ministro Gilmar Mendes reiterou a necessidade de adiar a conclusão do julgamento. Segundo ele, novos pontos trazidos pela defesa sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, relacionados à divulgação pelo site “The Intercept” de diálogos entre ele e procuradores integrantes da Lava-Jato, precisam ser melhor analisados. Em seu entendimento, além desses diálogos, a interceptação telefônica do escritório de advogados encarregados da defesa do ex-presidente demonstram a plausibilidade jurídica da alegação de suspeição, pois teria ocorrido o monitoramento de comunicações entre defesa e réu. Tal situação justificaria a concessão da liberdade ao ex-presidente até o julgamento do mérito do HC. A proposta foi acompanhada pelo ministro Ricardo Lewandowski.
O relator, ministro Edson Fachin, reiterou o voto proferido em dezembro do ano passado (leia a íntegra), quando houve pedido de vista no julgamento. Ao negar conhecimento ao HC, ele afirmou que não há indícios de que a interceptação telefônica do escritório de advocacia tenha resultado na obtenção de provas utilizadas no processo penal em que Lula foi condenado. Em relação às conversas divulgadas pelo “The Intercept”, ele considera que não é possível levar este fato em consideração até que seja realizada investigação sobre sua autenticidade.
Os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia, somados ao voto do ministro Fachin, formaram a maioria no sentido de rejeitar a concessão de liminar, até que seja analisada a alegação de suspeição.
STF 26/06/2019
STF nega liberdade a Lula e deixa julgamento de suspeição de Moro para o segundo semestre
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no começo da noite desta terça-feira (25) manter o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso.
Em sessão hoje, os ministros julgaram apenas um dos dois pedidos de habeas corpus apresentados pela defesa do petista – e ele foi negado, por quatro votos (Edson Fachin, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia) a um (Ricardo Lewandowski).
Os ministros também rejeitaram, por três votos a dois, uma proposta de Gilmar Mendes de soltar Lula nesta noite provisoriamente, até que o segundo pedido fosse julgado. Apenas Lewandowski votou com Mendes.
Mendes foi o primeiro a se manifestar a respeito do segundo pedido de habeas corpus. O ministro mencionou as reportagens do site The Intercept Brasil sobre mensagens atribuídas ao então juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
O ministro disse que elas colocam em dúvida a atuação de Moro. Como, porém, o conteúdo das conversas ainda não é totalmente conhecido, Mendes propôs esperar um pouco mais para voltar a julgar o pedido da defesa.
Enquanto isso, propôs o ministro, Lula deveria ser libertado até que o HC seja julgado.
O julgamento não foi transmitido pela TV Justiça porque ocorre na Segunda Turma do STF. Apenas sessões do plenário são televisionadas.
Ao redor do prédio do STF, em Brasília, grupos contrários e favoráveis ao ex-presidente Lula se manifestaram com buzinaços e carros de som enquanto os ministros deliberavam.
Como foi a sessão
O primeiro recurso apreciado questionava decisão individual do ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Félix Fischer, relator dos casos da Lava Jato naquele tribunal. No segundo HC, a defesa de Lula argumenta que Moro é “inimigo” do ex-presidente – não estaria, portanto, apto a julgá-lo.
Um dos resultados possíveis da sessão desta terça-feira era a soltura do ex-presidente, que está preso desde o dia 7 de abril de 2018.
O HC que argumenta a suspeição de Moro já havia começado a ser votado pela Segunda Turma no final do ano passado – o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Mendes devolveu o processo à pauta no começo deste mês, pouco depois de o site The Intercept revelar supostas trocas de mensagens entre Moro e os procuradores da Lava Jato.
Ao longo da segunda-feira, especulou-se sobre um possível adiamento no julgamento dos pedidos de Lula. A ministra Cármen Lúcia divulgou uma nota para negar que tivesse alterado a ordem de julgamento dos casos.
No começo da noite desta terça-feira, os petistas Emídio de Souza e Luiz Eduardo Greenhalgh se encontraram com o ex-presidente Lula na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Greenhalgh comentou o tema: “O presidente Lula está sereno, confiante, como sempre esteve, preparado para obter o resultado que virá ao encontro daquilo que ele tem dito desde o começo. ‘Sou inocente, não há prova contra mim'”, disse ele a jornalistas após o encontro.
Argumentos da defesa para a suspeição de Moro
No segundo HC, que será analisado após o recesso de julho, a defesa questiona, por exemplo, o fato de o juiz ter aceitado a proposta de fazer parte do governo eleito, argumentando que a entrada de Moro no governo Bolsonaro seria um indício de que ele agiu com parcialidade no julgamento do ex-presidente – que foi condenado e, por isso, impedido de concorrer nas eleições presidenciais de 2018.
Para os advogados de Lula, Moro teria agido com a intenção de beneficiar adversários políticos do petista – e a aceitação do cargo de Ministro de Estado do “atual Presidente da República que foi beneficiado pela condenação de Lula” seria um indício nesse sentido.
“Além de seu opositor político, (o atual presidente) já defendeu que o ex-presidente deve ‘apodrecer na cadeia'”, diz o documento.
Também é mencionado o fato de Moro ter determinado a condução coercitiva de Lula em 2016, mesmo sem ter previamente intimado o petista a depor, e “diversas outras medidas excepcionais com o objetivo de rotular Lula como culpado antes do processo e do seu julgamento”.
Constam ainda no recurso como argumentos da defesa para a suspeição do ex-juiz a autorização dada por ele para grampeamento do escritório de advocacia Teixeira Martins, que defende o ex-presidente, a atuação de Moro para evitar que fosse cumprida a determinação do desembargador Rogério Favreto para soltar Lula, feita durante um plantão judicial, a divulgação de atos processuais que estavam em sigilo – que segundo os advogados, tiveram o objetivo de interferir nas eleições presidenciais – e a de conversas interceptadas do petista com seus familiares e advogados.
Não se sabe se conversas reveladas pelo site The Intercept entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol serão consideradas por ministros ao julgar suspeição. Para a Procuradoria Geral da República (PGR), conteúdo não pode ser usado porque não foi periciado. Para a defesa, só a dúvida sobre legalidade do julgamento justificaria soltar o ex-presidente.
Cristiano Zanin, advogado de Lula, defendeu em sua manifestação oral no início da sessão que o ex-presidente aguarde em liberdade até a conclusão do julgamento do recurso que argumenta a parcialidade de Moro.
O que dizia o primeiro habeas corpus
No primeiro HC, a defesa questionava o fato de Fischer ter recusado individualmente um recurso de Lula contra a condenação no caso tríplex do Guarujá em vez de ter levado o caso para análise da Quinta Turma do STJ.
Um dos argumentos foi o de que os advogados não tiveram oportunidade de fazer sustentação oral no STJ, limitando o direito à defesa. Os advogados também pediam nesse recurso que a condenação de Lula fosse anulada, sob o argumento de que a sentença proferida por Moro e confirmada por instâncias superiores lhe imputou atos criminosos diferentes dos apresentados na denúncia do Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a defesa, embora o MPF diga na denúncia que Lula recebeu imóvel da empreiteira OAS em troca de favorecimento da empresa em três contratos específicos da Petrobras, a sentença reconhece não ser possível identificar exatamente a origem dos recursos que teriam sido desviados.
O relator do HC, Edson Fachin, recusou o pedido em fevereiro. Na decisão, ele considerou que o julgamento do caso no STJ não estava concluído e, por isso, não caberia ao STF derrubar a decisão monocrática de Fischer.
Jornalista Glenn Greenwald participa de audiência na Câmara
O jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intecept, foi à Câmara dos Deputados nesta terça para falar sobre a revelação de conversas atribuídas entre o então juiz Sérgio Moro e o coordenador da Força Tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Em fala aos deputados, Greenwald declarou que ficou chocado quando viu o teor das conversas, disponibilizadas por uma fonte.
“Quando eu comecei a ler esse material, sem exagero, eu fiquei chocado. Antes de eu ser jornalista, eu era advogado constitucional nos Estados Unidos. Quando eu estava vendo esse material mostrando como um juiz estava colaborando, não às vezes, não em casos isolados, mas o tempo todo, em segredo, sem conhecimento do outro lado, eu não consegui ler. Nos Estados Unidos é impensável que um juiz faça isso”.
“Se um juiz fizer uma vez o que Sergio Moro fez como juiz durante 5 anos, vai sofrer muita punição. Com certeza, vai perder seu cargo. Provavelmente, vai ser proibido de ser advogado. É impensável para mim que um juiz estivesse se comportando assim – em qualquer caso, muito menos em um caso tão importante (como o de Lula)”, continuou Greenwald.
O fundador do Intercept ainda falou que consultou especialistas em direito brasileiros. “E todos os professores de Direito e advogados que olharam para esse material reagiram do mesmo jeito que eu reagi. Eles não estavam só chocados, mas indignados como esse material estava mostrando um abuso de poder judicial tão severo”.
Crédito: BBC Brasil – disponível na internet 26/06/2019