Flávio Bolsonaro contava com duas liminares para suspender a apuração da suspeita de “rachadinha” nos salários de seu gabinete quando ele era deputado estadual no Rio: a primeira dada em julho pelo presidente do STF, Dias Toffoli, e depois em setembro pelo ministro Gilmar Mendes, após a defesa do parlamentar alegar que o MP do Rio não havia cumprido a determinação do Supremo e continuava investigar ele. Essas decisões podem perder a validade com a decisão do Supremo desta quinta.
O julgamento teve como pano de fundo críticas feitas a atuação desses órgãos de controle por ministros da corte e pelo próprio Jair Bolsonaro. Ele chegou a falar em “devassa fiscal” feita pela Receita contra familiares.
Toffoli informou que no início da sessão da quarta-feira da próxima semana fará a proclamação do resultado, com a fixação da tese jurídica vencedora.
Especialistas alertavam para o fato de que uma eventual restrição ao compartilhamento de informações no chamado “caso Coaf” poderia repercutir internacionalmente na avaliação do Brasil em termos de atuação na prevenção e no combate à corrupção, podendo prejudicar até a participação e o pleito do Brasil em organismos internacionais.
ACESSO
A maioria dos ministros do STF concordou em aceitar o recurso do MPF que questionava uma decisão anterior que havia anulado uma ação penal contra donos de postos de combustíveis que questionam o fato de a Receita ter repassado a procuradores, sem autorização judicial, dados bancários.
Dias Toffoli votou inicialmente no sentido de que era necessária uma autorização judicial prévia nos casos em que a Receita quisesse encaminhar uma Representação Fiscal para Fins Penais para o MP quando houvesse, dentro desse relatório, informações de extratos de quebras de sigilo bancário ou declaração de imposto de renda.
Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, os dois mais antigos em atividade na corte, foram mais restritivos que Toffoli, sendo favoráveis a um aval da Justiça em qualquer tipo de encaminhamento desse tipo de documento.
Gilmar Mendes, que votou a favor do compartilhamento irrestrito, fez críticas em seu voto a casos recentes que disse ter havido abuso de autoridade e citou a prisão de auditores da Receita suspeitos de extorquir alvos da operação Lava Jato. Mencionou ainda o fato de um grupo especial de apuração do Fisco ter aberto uma apuração contra 134 agentes públicos, dentre eles ministros do STF, e que o mais grave disso é que informações bancárias e fiscais foram vazadas, segundo ele, por agentes do órgão.
“O combate da corrupção não pode dar ensejo a mais corrupção”, disse. “É preciso ter muita cautela para que o combatente da corrupção não se torne um agente da corrupção”, completou.
No final do julgamento, Toffoli reajustou seu voto para aderir à tese vencedora, de Moraes.
ALARGAMENTO
No caso da UIF, antigo Coaf, a maioria dos ministros concordou com o repasse irrestrito dos chamados relatórios de inteligência financeira (RIFs) ao MP. Durante todo o julgamento, ministros questionaram a decisão de Toffoli de ter incluído a questão referente ao Coaf no processo, alegando que isso não caberia nesse tipo de ação, o recurso extraordinário.
“Nós aprendemos desde cedo que não se julga qualquer matéria, nem mesmo de ordem pública, em sede extraordinária pela primeira vez”, afirmou na semana passada o ministro Marco Aurélio Mello, o segundo mais antigo em atividade na corte. Nesta quinta, ele não votou sobre este ponto —na véspera Ricardo Lewandowski havia feito o mesmo.
Toffoli havia defendido o debate conjunto sob o argumento de que a tese jurídica em discussão é uma só, isto é, “o compartilhamento de informações entre as instituições”. Ele e Mendes fizeram uma ressalva, de que o MP não poderia pedir ao UIF relatórios por encomenda —a respeito de determinadas pessoas ou empresas.
Essa questão dos relatórios encomendados pelo MP —sobre a qual apenas Toffoli e Mendes se pronunciaram nos votos e foram contra— pode ter repercussão no caso Flávio Bolsonaro. Isso porque uma lacuna sobre esse entendimento pode abrir margem para que a defesa dele peça a manutenção das decisões que suspenderam as apurações sobre o senador.
Crédito: Ricardo Brito/Reuters Brasil – disponível na internet 29/11/2019