Fazer com que pesquisas científicas desenvolvidas nas universidades se tornem produtos e cheguem ao mercado e à população é um desafio para o Brasil, que investe pouco em inovação.
O governo federal afirma que, em 2013, foi destinado 1,24% do PIB para pesquisa e desenvolvimento (P&D). Este é o último número atualizado. Em países desenvolvidos, o volume chega a 3,5%.
Um programa realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostra que o diálogo entre a academia e o mercado é possível.
O Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar aumentou em uma tonelada por ano a produtividade do estado. O programa é desenvolvido há 25 anos.
“A cada momento que você pega uma colherinha de açúcar, você tem que lembrar da universidade porque o açúcar vem de uma variedade RB [sigla utilizada para a cana melhorada geneticamente pelo programa]. Cada vez que eu abasteço o carro com etanol, 84% cabem à universidade”, exemplifica o professor responsável pelo programa, Edelclaiton Daros.
Atualmente, 75% do plantio de cana-de-açúcar no Brasil são variedades produzidas pelas universidades; no Paraná, este o percentual chega a 84%.
A pesquisa desenvolveu, até o momento, dez variedades da cana-de-açúcar. Cada uma tem o perfil adequado para o momento da colheita.
A cada momento que você pega uma colherinha de açúcar, você tem que lembrar da universidade porque o açúcar vem de uma variedade” Edelclaiton Daros, professor UFPR
“Elas são extremamente ricas, são resistentes as doenças, são extremamente produtivas e com isso tem uma representatividade extremamente importante”, afirmou o professor.
O financiamento do setor sucroalcooleiro custeou, em média, 70% dos gastos da pesquisa. O restante vem do poder público. Para este ano, de acordo com Daros, estão previsto R$ 4 milhões.
“Esse é um grande case de parceria público-privado positivo. Não existe algo maior que isso. Nós demoramos de 13 a 15 anos para liberar uma variedade. Então, os nossos 13 primeiros anos foram só de trabalho”.
Isso significa, conforme ressaltado pelo professor, que houve um entendimento do setor de que a pesquisa demanda tempo. Segundo ele, a tendência é de que este prazo para entrega de novas variedades diminua com o avanço da pesquisa.
“Nós satisfazemos ao nosso financiamento, que era o setor, e ao mesmo tempo modificamos o perfil do pequeno produtor de cana. As variedades deles também não produziam mais e nós modificamos. Eles passaram a plantar em uma menor área com maior mais produtividade”, lembrou o professor.
Há uma demanda, independente da área do setor produtivo, que a universidade tem que dar uma resposta e ela tem competência para dar a resposta” Edelclaiton Daros., professor UFPR
O Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar surgiu a partir do programa do governo federal, chamado Planalsucar, que foi atuante durante 19 anos e acabou extinto nos anos 90.Então, 10 universidades, vendo a potencialidade do programa, se ofereceram para dar continuidade a este trabalho.
Na pauta de discussão
Sobre a necessidade de o país evoluir em relação aos investimentos e êxito na inovação, este é o momento de colocar o assunto em discussão, acredita o professor Edelclaiton Daros.
O professor entende que, com o novo Marco Legal de Ciência, este é o momento para se repensar o papel das universidades, do poder público e na iniciativa privada neste diálogo.
“Há uma demanda, independente da área do setor produtivo, que a universidade tem que dar uma resposta e ela tem competência para dar a resposta. Agora, cabe à universidade intramuros tentar resolver problemas internos para dar esta agilidade, fazer esta máquina funcionar, porque é inegável a competência dentro das universidades, seja federal, estadual ou particular.”
Pesquisa, empresas e economia
O último relatório da Ciência pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), publicado em 2015, indicou que os dispêndios brutos em pesquisa e desenvolvimento (Gerd) no Brasil são menores do que os registrados em economias avançadas e de mercados emergentes.
Na avaliação de quem lida diariamente com pesquisas, o percurso a ser percorrido para que a inovação seja uma ferramenta de desenvolvimento econômico, em especial com geração de emprego, ainda é longo.
Para a Unesco, só será possivel com aumento de produtividade por meio da ciência, tecnologia e inovação e de uma força de trabalho bem formada.
“Hoje a gente precisa tentar uma aproximação com o mercado não só para oferecer novas soluções, mas também para entender quais são as soluções que o mercado demanda. Esse é o nosso grande desafio. E para entender a demanda do mercado é necessário que a gente comece a trabalhar em parceria com o setor produtivo. Isso é imprescindível”, avaliou o coordenador de Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia da UFPR, Alexandre Donizete Lopes de Moraes.
Hoje a gente precisa tentar uma aproximação com o mercado não só para oferecer novas soluções, mas também para entender quais são as soluções que o mercado demanda. Esse é o nosso grande desafio”
Alexandre Moraes destaca que a universidade dificilmente vai conseguir desenvolver o produto final para colocar no mercado porque não existem condições para produção em escala industrial.
Além disso, em geral, as pesquisa estão voltadas para o conceito.
Outro aspecto destacado por Moraes é o interesse da iniciativa em investir em inovação, uma vez que ela aparece como um investimento que não é possível calcular se haverá ou não lucro ou êxito.
“A inovação é um risco muito grande, por isso a importância da participação dos incentivos governamentais, por exemplo, os de fomentos. Realmente é complicado para a empresa porque é uma incerteza. A inovação sempre vai ser uma incerteza. Ela pode dar certo, ela pode não dar certo”.
Aqui, ainda é válido mencionar, de acordo com Moraes, que, de maneira geral, as empresas acabam pensando em trabalhar tecnologias já existentes, commodities e pensam pouco ainda em inovação, em ganhar mercado, em pensar em futuro por meio da inovação.
Este aspecto também é mencionado pelo relatório da Unesco. “Quanto ao baixo nível de inovação do Brasil, esse fenômeno está enraizado na indiferença profundamente arraigada das empresas e da indústria em relação ao desenvolvimento de novas tecnologias”, diz trecho da publicação.
Diante deste cenário, Alexandre Moraes afirma que as instituições de ensino, bem como a iniciativa privada, devem repensar como agir quando se trata de pesquisa e inovação.
Atuante desde 2001, a Agência de Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem 401 processos de pedido de patente, sendo seis concedidos. Há ainda nove registros de desenho industrial, 17 programas de computador e três cultivares, que são as do programa do professor Edelclaiton Daros.
De todas as pesquisas realizadas na instituição, apenas uma resultou em um produto que está disponível no mercado.
Investimento do governo federal
De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações dado mais atualizado sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país remota a 2013. Naquele ano, foi destinado 1,24% do PIB, que fechou em R$ 4,8 trilhões, conforme divulgado Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE).
O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em janeiro deste ano, também promete contribuiu para o avanço das pesquisas de inovação no país. A legislação facilita alguns aspectos do mundo da pesquisa e a comunicação entre universidades em empresas.
Exemplos
– permite que professores das universidades públicas em regime de dedicação exclusiva exerçam atividade de pesquisa também no setor privado, com remuneração;
– permite que universidades e institutos de pesquisa compartilhem o uso de laboratórios e equipes com empresas, para fins de pesquisa (desde que isso não interfira ou conflita com as atividades de pesquisa e ensino da própria instituição);
– permite que a União financie, faça encomendas diretas e até participe de forma minoritária do capital social de empresas com o objetivo de fomentar inovações e resolver demandas tecnológicas específicas do país;
– permite que as empresas envolvidas nesses projetos mantenham a propriedade intelectual sobre os resultados (produtos) das pesquisas;
– reduz a burocracia na captação de investimentos;
– simplifica o processo de contratação e de financiamento de pesquisa científica;
A nova etapa do programa federal Start-Up Brasil, vinculado ao Ministério de Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicações, deve investir R$ 40 milhões, sendo R$ 20 milhões para aceleração de cem empresas nascentes de base tecnológica, R$ 10 milhões em apoio a startups de hardware e R$ 10 milhões de incentivo ao nascimento de ideias inovadoras. O programa visa, de acordo com o governo federal, fomentar o empreendedorismo tecnológico.
Crédito: Portal G1 – disponível na web 29/06/2016