Desde que assumiu, em maio, a secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, o economista Marcelo Caetano não tem tido descanso. Ele tem feito incontáveis viagens pelo país para construir, com técnicos do governo federal e dos estados, o projeto de reforma previdenciária, que deverá ser enviada ao Congresso Nacional ainda neste ano. Pelo novo desenho do governo, ele responde ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, embora despache no edifício do Ministério do Trabalho, pasta à qual a Previdência era vinculada antes.
Caetano sinaliza que não se busca um sistema geral. “Você pode ter regimes diferenciados, mas com regras mais próximas entre si”, avisa o secretário. Estudioso do tema desde quando entrou no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1997, conta que o texto da reforma está em constante negociação. “Tem um cardápio de opções bastante amplo”, afirma ele, indicando que a revisão da indexação dos benefícios ao salário mínimo “está no ambiente de debate”.
De acordo com Caetano, existem dois objetivos principais da reforma previdenciária. O primeiro deles é a sustentabilidade do sistema, para garantir os pagamentos das aposentadorias. O segundo é a equidade. “Tratamento igualitário entre os distintos grupos como um grande norte de atuação”, completa. O secretário não descarta a implantação da idade mínima das aposentadorias e avisa que tudo está sendo olhado com lupa para a reforma. Ao comparar com outros países de dimensões continentais como Brasil, Caetano lembra que nenhum deles possui aposentadoria por tempo de contribuição. Segundo ele, a calibragem da reforma será feita “no ambiente democrático” após o envio da proposta do Executivo ao Congresso. A seguir, os principais trechos da entrevista do secretário.
A reforma da Previdência sai neste ano?
Eu acredito que sim. O governo é naturalmente político, mas abraçou técnicos. E, na parte da Previdência, tenho observado uma articulação boa no nível técnico, entre nós aqui do Ministério da Fazenda com a Casa Civil e o Ministério do Planejamento. Imagino que o encaminhamento da proposta ao Congresso, não a aprovação, seja ainda neste ano. Tem uma engenharia política no caminho.
Como está o processo de convencimento do Congresso?
É um trabalho de equipe. Eu procuro dar um alicerce técnico, mas também entro em contato com representantes de estados, com sindicatos. Quanto à engenharia política da reforma, a Casa Civil tem maior expertise.
Caso seja aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do teto dos gastos, a reforma da Previdência ficará mais fácil?
A necessidade de reforma da Previdência é independente de PEC do teto dos gastos. Claro que as duas coisas apresentam uma correlação entre si. Por meio dessas reformas, tenta-se tornar a trajetória do gasto público sustentável. Mas a necessidade e a consciência da reforma da Previdência é algo independente de outras questões.
Mas a PEC do teto vai ficar em pé se não houver reforma da Previdência?
A ideia, na reforma, é mudar para preservar. A Previdência é uma relação de longuíssimo prazo. Penso nos meus pais, que já estão aposentados; em nós, que vamos nos aposentar em algum momento; pensando em meus filhos, que nem entraram no mercado de trabalho; e, ainda, em meus netos, que nem nasceram. A pessoa começa a trabalhar na faixa dos 20 e está vivendo até os 80 anos, sem contar quem gera pensão.
São valores altíssimos, não?
Sim, e tendem a crescer com o passar do tempo por conta do processo de envelhecimento populacional pelo qual passa a sociedade brasileira. A gente tem hoje um idoso para cada 10 ativos.Lá para 2040, as projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam dois para cinco. Quando você soma a Previdência do regime geral, que é o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fica na casa de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Com a previdência do regime próprio de estados e municípios, que pesam 4%, tem um gasto total de 12%. E outra questão é a velocidade do envelhecimento populacional pelo qual a sociedade brasileira passa.
O envelhecimento na França levou 200 anos. Para a gente chegar ao mesmo estágio, levaremos cerca de 30, é isso?
Não sei exatamente. Mesmo que não seja tão forte assim, são números que impressionam pela velocidade. Tem outro fator relevante, que é a queda da taxa de fecundidade. Quer dizer, o número médio de filhos por mulher vem caindo bastante. Por volta de 2005, a taxa caiu aquém da reposição. A partir da próxima década, a curva de envelhecimento populacional vai ficar mais acentuada.
Quando será o fim do bônus demográfico?
Na virada da década de 2020 para a de 2030. Mas tem uma questão que vai um pouco além da Previdência. Quando a gente fala de Previdência é a relação de dependência de idosos. E essa vem crescendo há muito tempo. Em algum momento, a população brasileira começará a diminuir.
Há uma previsão de que o deficit do regime próprio comece a cair por volta de 2040, certo?
Depende do estado e depende do município. Quando a gente fala em RPPS (Regime Próprio de Previdência Social, dos servidores públicos), há a situação da União e de estados que instituíram o fundo de previdência complementar: São Paulo, Rio, Minas Gerais e Espírito Santo. Como é feita na forma de contribuição definida, aquela parte que extrapola o teto do INSS, que hoje é de um pouco acima de R$ 5 mil, a pessoa vai receber a aposentadoria com base naquilo que contribuiu. Deixa de ser um problema de recursos tributários. Mas existe também a parte do benefício previdenciário que fica aquém do teto.
Quais os objetivos principais?
O primeiro objetivo é o objetivo de sustentabilidade e o segundo objetivo é o da equidade. Ter um tratamento mais igualitário entre os distintos grupos seria um grande norte de atuação.
Como ficaria a universalização dos regimes?
Para ter uma harmonização de regras, não necessariamente precisa unificar tudo. Você pode ter regimes diferenciados, mas com regras mais próximas entre si.
Crédito: Correio Braziliense – disponível na web 23/08/2016