Mal silencioso: Cheirinho da LOLÓ mais forte é cada vez mais usado por jovens e pode matar.

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Inalantes já são a segunda substância mais usada por adolescentes, ficando atrás apenas da maconha.

As imagens de um menino de 13 anos sendo arrastado por seguranças de uma lanchonete em São Paulo, minutos antes de morrer, ganharam as redes sociais e chamaram a atenção não só para a violência da ação, mas para um problema que vem crescendo de forma silenciosa — o uso de inalantes à base de éter e solventes. O resultado da perícia mostrou que João Victor Souza de Carvalho morreu após sofrer uma convulsão e um ataque cardíaco, que teriam sido provocados pelo consumo do que, em São Paulo, é chamado de lança-perfume. No Rio, batizado de cheirinho da loló, o produto também está preocupando as autoridades de saúde. Dados da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social revelam que, entre os atendimentos feitos em centros de acolhimento a usuários de drogas, os inalantes já são a segunda substância mais usada por adolescentes, com 17% dos casos, ficando atrás apenas da maconha, com 41%.

Diferentemente dos anos 1970, quando o cheirinho da loló, feito com éter, era figurinha fácil nas brincadeiras de carnaval, o produto hoje é fabricado de forma artesanal por traficantes e leva até gasolina e inseticidas na fórmula. Não há dados oficiais no Rio sobre quantos jovens morreram após usar a substância, mas uma das vítimas, em setembro do ano passado, foi M., de 18 anos. Ele estava dando a volta por cima após ter passado um ano em tratamento numa unidade da Casa Viva, um centro de acolhimento de adolescentes dependentes químicos, mantido pela prefeitura. O rapaz tinha voltado a estudar, conseguido emprego e se preparava para ser pai. Mas o futuro que se redesenhava acabou após um baile funk, numa das favelas da Maré, quando voltou a usar o produto. M. sofreu uma parada cardíaca depois de usar cheirinho da loló, comprado e consumido no beco do Bob, um dos pontos de venda de drogas do Parque União.

— Foi um choque para a família e os amigos. Ele estava bem e, de repente, morreu. A loló é uma droga muito perigosa, mais até do que o crack. Ela pode matar imediatamente após seu consumo — explicou a diretora da Casa Viva de Del Castilho, Christiane Nunes dos Santos Schramm.

Segundo ela, o caso de M. despertou a atenção para o alto grau de risco da droga:

— Não é mais aquele cheirinho da loló que existia antigamente. Essa droga deixa os usuários muito agitados. Eles chegam aqui reclamando de dores de cabeça, dores nas juntas, nos ossos. A gente costuma dizer que a droga foi batizada, mas o certo é que é muito mais pesada, muito mais agressiva à saúde.

FALTAM DADOS OFICIAIS SOBRE MORTES

Coordenador do Programa de Álcool e Drogas da Fundação Oswaldo Cruz, o médico psiquiatra Francisco Inácio diz que, apesar de não haver dados oficiais, pelo menos quatro jovens que passaram por tratamento na instituição morreram devido à inalação do cheirinho da loló.

— Nós ficamos sabendo porque algum familiar nos avisou, mas não houve uma investigação para comprovar as histórias. Foram três casos em Manguinhos e um da Mangueira. O que percebemos, de forma empírica, é que o consumo da loló vem crescendo entre os jovens, mas não é mais aquela fórmula antiga. Foi modificada e não sabemos ao certo qual a mistura agravou os efeitos — diz Francisco Inácio.

Segundo ele, estudos feitos no México revelam que o cheirinho da loló é hoje a principal causa de leucemia por produto tóxico:

— Ele é muito nocivo porque, quando inalado, o solvente se dissemina diretamente no nariz e na base do cérebro, penetrando também na medula óssea, no caso de crianças. Na confecção da droga, também é usada gasolina, que tem benzeno e provoca a baixa de leucócitos e de plaquetas. Também são adicionados detergentes usados para limpar piscina e outros produtos à base de clorofórmio, que provocam arritmias graves e paradas cardíacas — enumerou o médico.

Os danos causados ao organismo

O cheirinho da loló é produzido com éter, clorofórmio e solventes como a gasolina (que tem benzeno). No composto, há substâncias nem sempre identificadas, mas que vêm causando graves consequências à saúde de seus usuários

Cabeça

O solvente se dissemina diretamente no nariz e no cérebro, penetrando na medula óssea. Provoca leucemia, dores de cabeça, alucinações. Também pode alterar o estado de consciência de forma muito grave, levando ao coma e à morte

Coração

Baixa de leucócitos

e plaquetas

Como altera a frequência cardíaca, pode levar à arritmia grave ou parada cardíaca, nos casos de predisposição à doenças do coração ou em situação de estresse

Fígado e rins

Provoca problemas hepáticos. O usuário pode ter náuseas, vômitos, hepatite e insuficiência renal, induzida pela inalaçäo de substâncias cloradas

Dores fortes

nas articulações

e ossos

Com 40 anos de experiência no atendimento a jovens com dependência química, o psiquiatra Jorge Jaber garante que já passaram por ele dezenas de casos que terminaram em óbito. Segundo ele, o inalante provoca dependência e o uso frequente pode ocasionar lesões permanentes com a destruição de neurônios.

— Não tem qualquer ligação com aquele inalante dos anos 70, que era praticamente à base de éter. Esse cheirinho da loló de agora veio substituir a cola de sapateiro, cada vez mais rara, e o tíner (solvente), que é mais caro. É um mercado cruel. Os traficantes conseguem produzir galões de droga, misturando gasolina, desinfetantes e inseticidas. Depois, revendem em tubos pequenos, de 25 ml, por R$ 5, obtendo um retorno comercial enorme.

Jaber explica que a intoxicação por gasolina provoca muita dor de cabeça:

— São substâncias que alteram o estado de consciência, podendo levar ao coma e à morte. Também alteram a frequência cardíaca. Quando usado por um jovem com alguma predisposição para problemas cardíacos, pode provocar arritmia grave e até parada cardíaca. Além disso, como o efeito é muito rápido e depois leva à depressão, os usuários acabam inalando em intervalos de tempo cada vez menores. Muitos sofrem devaneios, alucinações. São sensações que vão desde a de um apito forte ouvido até, em alguns casos, visões — explicou o psiquiatra, que alerta para o fato de a droga ser consumida em todas as classes sociais.

Um adolescente de 16 anos, atendido numa das unidades da Casa Viva, conta que os efeitos do cheirinho da loló são devastadores. Vivendo nas ruas desde os 12 anos, ele disse que nunca teve medo de nada até começar a ver fantasmas, almas e entrar em paranoia:

— Eu comecei a ter medo de ficar em casa, por causa das almas. O bagulho é doido.

PREÇO BAIXO AJUDA NA DISSEMINAÇÃO

Na Casa Viva, o jovem vem desenvolvendo seu talento para as artes e conseguiu uma bolsa de estudos para aprofundar seus conhecimentos. Também pratica esportes e começou a namorar uma jovem em tratamento. Outro adolescente, do mesmo centro, também dependente de loló, disse que decidiu pedir ajuda depois da morte de um amigo, assassinado por traficantes.

— Ele ficou muito agitado e começou a dar problemas na “boca”. Então atiraram nas costas dele.

Segundo o adolescente, o custo baixo e o efeito rápido são os fatores que contribuem para a expansão do uso do inalante:

— No baile, a gente compra por R$ 5. A balinha (ecstasy) custa R$ 25.

Embora seja extremamente perigoso e tóxico, o cheirinho da loló não está na listagem de substâncias controladas e, portanto, sua comercialização não é considerada tráfico. Não consta da portaria 344/98,da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que lista as substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

— Quando prendemos alguém com essa substância, enquadramos no artigo 278 do Código Penal (fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal). Mas tem fiança, e a pena máxima é de três anos — explicou o delegado Felipe Curi, titular da Delegacia de Combate às Drogas.

Segundo ele, o problema já se espalhou :

—Tem em todos os lugares. Normalmente, a gente apreende nas operações junto com outras drogas.

Crédito: Elenilce Bottari/O Globo – matéria publicada no Jornal O Globo do dia 11/03/2017 – disponível na internet 13/03/2017

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