O governo federal acelerou a liberação de verbas para os deputados em julho, antes da votação que salvou Michel Temer. Mas, na média, oposicionistas e governistas obtiveram valores parecidos. Ou seja, as emendas parlamentares aparentemente não foram o principal fator na vitória do presidente – outros aspectos pesaram mais na decisão da Câmara, segundo especialistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil.
Entre eles, negociações realizadas com bancadas temáticas (a ruralista, por exemplo), promessas de alianças eleitorais para 2018 e até a perspectiva de liberação futura de emendas. Além disso, a falta de mobilização popular para pressionar o Congresso e o “espírito de já ganhou” teriam contribuído para a vitória do presidente.
Deputados que votaram contra Temer receberam, em média, promessas de pagamento de verbas no valor de R$ 3,2 milhões em julho. Já os que votaram com o governo ficaram, em média, com R$ 3,4 milhões. Os dados são do portal Siga Brasil, do Senado Federal, e estão atualizados até o dia 25 de julho.
Um exemplo de distribuição equilibrada é a situação dos deputados que mais tiveram emendas empenhadas em julho. Domingos Neto, do PSD, obteve R$ 10,7 milhões e votou a favor de Temer. Do outro lado, Vitor Valim, do PMDB, recebeu os mesmos R$ 10,7 milhões e votou contra o presidente.
Emendas são sugestões feitas por deputados e senadores ao Orçamento da União. Geralmente, destinam recursos para obras e projetos nos locais onde os congressistas têm votos. São importantes para o desempenho eleitoral dos parlamentares.
O empenho é um compromisso do governo de que fará o investimento determinado na emenda. Mas nem todos os empenhos são pagos imediatamente. Em julho, só uma minoria de deputados teve algum valor efetivamente quitado: 33 dos 490 parlamentares que votaram nesta quarta. Nessa lista, as figuras de peso político são minoria.
Por isso, é possível dizer que não foi o pagamento de emendas que salvou o presidente da investigação.
O que salvou Temer?
Para políticos governistas, pesou a falta de articulações políticas consistentes para criar uma opção a Temer. “A verdade é que não há uma alternativa viável ao presidente. O governo só cairia se houvesse uma articulação em torno do (Rodrigo) Maia (presidente da Câmara e sucessor de Temer em caso de afastamento) Ele chegou a se colocar como alternativa, mas depois recuou”, diz um deputado do PP.
Outro elemento que ajudou o governo foi a ausência de mobilização da população. “Se 95% das pessoas são contrárias ao governo de Michel Temer, por que é que não havia ninguém protestando no aeroporto de Brasília quando nós chegamos? Não vi ninguém protestando no Salão Verde (da Câmara) e nem em nenhuma capital”, diz um peemedebista, também sob condição de anonimato.
Além disso, o governo liberou recursos que atendem interesses de grupos específicos, como os deputados ligados ao agronegócio e de Estados produtores de minérios.
Apenas na véspera da votação, o Executivo publicou, após quatro meses de negociações, uma medida provisória que facilita o pagamento de dívidas previdenciárias de produtores rurais. No mesmo dia, Temer almoçou com um grupo de deputados ligados ao agronegócio.
Segundo a Receita Federal, a medida envolve uma renúncia fiscal de R$ 7,6 bilhões nos próximos 15 anos.
No fim de julho, o governo também anunciou mudanças na cobrança de royalties de empresas de mineração. A expectativa é de que as novas regras aumentem em até 80% a arrecadação com os royalties, que foi de cerca de R$ 1,6 bilhão no ano passado. Estados produtores de minérios, como o Pará e Minas Gerais, serão beneficiados. Parlamentares de ambos deram forte apoio a Temer.
Balcão de emendas
O mês de julho concentrou mais da metade dos empenhos de emendas de 2017. Só nesse mês, foram R$ 1,8 bilhão prometidos aos deputados. É mais que em junho (R$ 1,5 bilhão) e muito mais que nos cinco primeiros meses do ano (R$ 88,4 milhões).
Julho foi o principal mês de articulações do governo federal para barrar a acusação da Procuradoria-Geral da República contra Temer. Em 26 de junho, Planalto e deputados ficaram sabendo que o presidente seria julgado na Câmara.
Considerando apenas o mês de julho, foram empenhados R$ 884,3 milhões para os 263 deputados que votaram com o governo. E R$ 716,9 milhões para os 227 anti-Temer.
No quesito pagamento, poucos deputados foram beneficiados. Governistas levaram a melhor – na média, um deputado que votou a favor do governo recebeu o dobro de um oposicionista. Foram 21 ao lado de Temer e 13 na oposição.
Dos partidos, o PP foi o que mais teve emendas efetivamente pagas em julho. A sigla recebeu R$ 1,2 milhão, 25% do total destinado a todas as legendas. O montante é cerca de 50% maior do que o valor pago para o PMDB, que tem a bancada mais numerosa da Câmara.
Oito de cada dez deputados do PP votaram com Temer.
CCJ x plenário
Antes de ir a votação no plenário, a denúncia contra Temer foi analisada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Na semana passada, reportagem da BBC Brasil mostrou que dispararam os valores de emendas empenhadas dos integrantes da CCJ – o aumento ocorreu no período em que o colegiado analisava a denúncia contra Temer.
Ao chegar no plenário, a importância das emendas mudou, segundo o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.
“É um jogo diferente do que foi jogado na CCJ. No colegiado, o número de deputados é menor e o peso de cada um se torna mais significativo. O Planalto tinha a necessidade de ter um ponto de partida favorável ao governo (um parecer favorável para ser votado no Plenário) e evitar uma bola de neve”, afirma.
“Já no plenário, a barganha individual por emendas é menor, porque o número de deputados é maior. Ninguém tem a bala de prata para fazer a diferença no resultado”, acrescenta ele.
Cortez concorda que o governo se valeu de outras estratégias para conquistar apoio na votação na Câmara. Entre elas, a composição com partidos da base aliada, a promessa de alianças eleitorais para 2018 e a construção de argumentos políticos que pudessem justificar o apoio do parlamentar ao governo.
Negociação
A liberação dos recursos é coordenada pelo Ministério do Planejamento, em conjunto com o ministério responsável pela obra ou serviço que o deputado deseja patrocinar.
Para a oposição, a liberação de emendas é uma estratégia do governo para tentar “comprar” o apoio de deputados e impedir a investigação contra Temer. Já o Palácio do Planalto diz que os pagamentos não tem relação com a votação na Câmara.
“O que estamos vendo hoje é uma nova modalidade de obstrução de Justiça: é aquela praticada pelo Parlamento e movida pelo dinheiro público. É o contrário do que seria uma República”, diz o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), que faz oposição a Temer.
Aliado ao Planalto, o líder do DEM, Efraim Filho (PB) lembra que o governo é obrigado (desde o começo de 2015) a pagar parte das emendas de todos os congressistas (inclusive os de oposição), o que contraria a tese da barganha.
“O orçamento hoje é impositivo. É uma conquista da independência do Legislativo. As emendas representam um investimento importante nos municípios, que muitas vezes não conseguem se sustentar só com recursos próprios”, diz.
Entenda o caso
Michel Temer foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo crime de corrupção passiva.
Para Janot, Temer recebeu propina do empresário Joesley Batista, dono do frigorífico JBS. O dinheiro teria sido pago por meio de um ex-assessor de Temer, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures.
Se a Câmara tivesse autorizado o prosseguimento da denúncia, caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se a aceitaria ou não - e em caso positivo, ele seria afastado do cargo por até 180 dias para que o caso fosse julgado.
A votação se estendeu das 18h20 até as 21h50 desta quarta-feira. Para que o presidente pudesse ser processado criminalmente, 342 deputados precisariam autorizar o envio da denúncia ao STF.
Com o resultado, a denúncia contra Michel Temer fica suspensa. Só poderá ser analisada pela Justiça quando ele deixar o cargo.
Mas mesmo com a vitória obtida pelo presidente, é possível que Janot volte a denunciá-lo por outros crimes nos próximos dias. Se isso ocorrer, haverá novas votações na Câmara.