Mas, na medida em que crescem em importância, suas diferenças acabam se tornando mais pronunciadas desde que o termo foi criado, há 16 anos.
Naquela ocasião, o britânico Jim O’Neill, então diretor de pesquisas econômicas do banco de investimentos Goldman Sachs, cunhou a sigla ao assinalar a importância cada vez maior desses países, sobretudo, da China, para o crescimento da economia mundial.
Mas, hoje, no campo econômico, os Brics têm tido desempenhos muito diferentes. A Índia é a única que continua a crescer. A China ainda mantém uma taxa de crescimento bem maior do que a média mundial, mas menos vigorosa do que no passado. Já Brasil e Rússia se revelaram “grandes decepções”, como afirmou O’Neill em entrevista à BBC Brasil.
Já no campo político, disputas territoriais entre China e Índia elevaram as tensões entre os dois países.
Como resultado, o futuro do grupo vem sendo colocado em xeque.
Neste domingo, os Brics se encontram pela 9ª vez – apesar de o termo ter sido criado em 2001, a primeira reunião do grupo só aconteceu em 2009 em Yakateriburgo, na Rússia. A cúpula deste ano acontece em Xiamen, no sudeste da China. Cinco países foram convidados pela China como observadores: México, Tailândia, Tajiquistão, Egito e Guiné.
A BBC Brasil conversou com especialistas para entender se os Brics perderam relevância e quais são seus principais desafios.
Eles disseram acreditar que o grupo evoluiu significativamente desde sua criação, deixando de ser meramente um agrupamento de economias emergentes com forte crescimento para se tornar um agrupamento político.
No entanto, destacaram que ainda há um “longo caminho a percorrer” para os Brics façam frente aos países hoje considerados desenvolvidos.
Relevância
Segundo Oliver Stuenkel, coordenador do MBA de Relações Internacionais da FGV-SP, “o fato de não haver concordância em tudo não inviabiliza a utilidade política dos Brics, especialmente para o Brasil”.
“Se não houvesse essa cúpula, dificilmente o Temer conseguiria encontrar os presidentes de todos esses países em único lugar. Trata-se de um momento importante para a assinatura de acordos bilaterais, para a coordenação de políticas comuns e demais interesses econômicos”, diz ele à BBC Brasil.
Para Sérgio Veloso, professor e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas Brics (Brics Policy Center), os Brics “nunca surgiram como um agrupamento cuja força residia na capacidade individual de cada país”.
“Trata-se, ao fim e ao cabo, de um agrupamento político, embora tenha levado algum tempo para que eles pudessem desenvolver uma agenda política conjunta. Os Brics nunca estiveram tão sólidos”, diz.
Marcos Troyjo, diretor do BRICLab, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, concorda. Ele destaca a diferença do que chama de “Brics 1.0” e “Brics 2.0”.
“O significado de ‘Brics’ muda em função do interlocutor. Estão se consolidando ao menos duas formas com que a comunidade internacional enxerga o grupo”, diz.
“A primeira avalia momento atual e perspectivas dos quatro gigantes (sem África do Sul), como ‘mercados em crescimento’. Ou seja, chamar a atenção do mundo para seu potencial como propulsores do crescimento foi a essência dos “Brics 1.0”, destaca.
“A segunda concentra-se no impacto da construção institucional dos Brics (com África do Sul) nas relações internacionais dos próximos 25 anos. Tal enfoque mede o impacto da articulação do grupo em organizações multilaterais existentes, no surgimento de novos instrumentos plurilaterais e portanto em novas alianças e polos de poder. É o que podemos chamar de ‘Brics 2.0’, acrescenta.
Segundo Troyjo, enquanto houve decepção com a primeira, por causa do desempenho econômico abaixo das expectativas e da urgência de agenda reformadora “em sua natureza, essencialmente liberal”, a segunda – a de que os Brics constituem um “polo alternativo de poder nas relações internacionais” – vem ganhando cada vez mais força.
“Passou a fase em que Brics eram apenas, nas finanças, sinônimo de ‘elite dos emergentes’. De agora em diante, ganha ainda mais força o conceito de “Brics 2.0”, diz.
“Hoje os cinco países mantêm grupos de trabalho em áreas como cooperação espacial, combate ao terrorismo, saúde pública”, acrescenta.
Os especialistas citam como exemplos do estreitamento das relações entre esses países não só o estabelecimento de um fundo de US$ 100 bilhões à disposição de qualquer membro do grupo no caso crises de liquidez, como também o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também chamado de “Banco dos Brics”, voltado para o financiamento de projetos em países em desenvolvimento.
“Os Brics são excelente veículo para Pequim se movimentar geoeconomicamente para além de sua vizinhança asiática. Daí os primeiros projetos financiados pelo NBD centrarem-se em energia limpa. A China investe mais em tecnologia eólica e fotovoltaica do que todo o resto do mundo”, diz Troyjo.
“A construção institucional dos ‘Brics 2.0’ não é pouca coisa. Agrupamentos como o G7 jamais foram além de declarações sobre a conjuntura global”, acrescenta.
Desafios
Para Stuenkel, o principal desafio dos Brics é “reduzir as barreiras econômicas e fortalecer sua posição no sistema econômico internacional”.
“Os Brics precisam continuar e aprofundar o processo de reforma do sistema internacional para que ele se adeque cada vez mais à distribuição de poder, que hoje é muito diferente daquela do final da 2ª Guerra Mundial, quando grande parte dessas instituições foram criadas”, defende.
Já Veloso alerta para o risco de que a China acabe sendo hegemônica sobre o grupo.
“Os Brics vão ter de aprender a lidar com a própria China. Essa agenda de desenvolvimento chinês cria rusgas com a Índia. O protagonismo chinês é indisputável, mas até que medida a China usará os Brics como sua própria plataforma de projeção?”, questiona.
Para Troyjo, o principal desafio para os Brics é tentar aumentar o comércio “num contexto global de protecionismo e avançar em projetos voltados ao financiamento do desenvolvimento”.
Neste sentido, o futuro do grupo passaria pela adesão de novos membros, o chamado “Brics +” (“Brics Plus”), ideia apoiada pela China, mas rejeitada pelos demais, que temem perder relevância.
Troyjo lembra que um indício disso foi o convite feito pela China para que cinco países participassem da cúpula deste ano como observadores.
“Talvez essa ideia faça sentido no âmbito do banco. É por isso ele se chama “Novo Banco de Desenvolvimento”, e não Banco do Brics, o que deixa a porta aberta a novos membros. É uma aposta arriscada aumentar demais o número de membros. A China gosta da ideia, mas Índia e Brasil têm ressalvas, pois acham que isso diluiria a efetividade do agrupamento”, explica.
O especialista também destaca que os Brics ainda apresentam “pouca coesão” em “temas mais nevrálgicos do cenário internacional”.
“Não consta da agenda dos Brics certas pautas, que agradam à Rússia, por exemplo, como a atuação do Ocidente na crise síria. A questão é demasiado sensível, e países como o Brasil entendem que a ONU é o fórum adequado. Tampouco pode-se esperar atuações mais incisivas em outros temas espinhosos que afetam os Brics, individual ou coletivamente —como a tensão geopolítica em torno do mar do Sul da China, a Crimeia, ou as seguidas rusgas entre Índia e Paquistão, e mesmo no recente atrito fronteiriço Índia-China em Doklam”, exemplifica.
“A verdade é que os Brics só progredirão como aliança em áreas, como o financiamento do desenvolvimento, onde seus interesses são claramente coincidentes”, ressalva.