STF decide que Janot não é suspeito para investigar Temer

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O Supremo Tribunal Federal rejeitou nesta quarta-feira o pedido da defesa do presidente Michel Temer para considerar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, suspeito para investigá-lo e processá-lo.

A Corte ainda vai avaliar outro pedido para que Janot fique impedido de apresentar uma segunda denúncia contra o presidente até que sejam concluídas as investigações sobre possíveis ilegalidades na delação da JBS.

Espera-se que o procurador-geral apresente nova denúncia contra Temer nos próximos dias, uma vez que deixa o cargo no domingo. Mas a presidente da Corte, Cármen Lúcia, encerrou a discussão por causa do tempo e, após deliberar com os outros ministros, definiu que ela só será retomada na próxima quarta-feira, quando Janot já estará fora do posto.

A expectativa é que a denúncia seja apresentada mesmo assim – mas sua validade dependerá da decisão dos ministros.

Em decisão unânime, a Corte entendeu não haver qualquer comprovação de que Janot aja motivado por “inimizade capital” com Temer. Não participaram do julgamento os ministros Roberto Barroso, que está em viagem fora do Brasil, e Gilmar Mendes, este último o maior crítico de Janot no STF e alvo de um pedido de suspeição do procurador-geral.

A assessoria de Mendes informou que o ministro “acompanhou o julgamento do seu gabinete e, por não haver controvérsia, continuou despachando”. Ele participou da segunda parte da sessão, que começou a debater o pedido da defesa para impedir a segunda denúncia.

As acusações da defesa de Temer contra o procurador-geral ganharam novo fôlego após a divulgação na semana passada de um “autogrampo” entre Joesley Batista, dono da JBS, e Ricardo Saud, um dos diretores do grupo.

Na conversa, há indícios de que a delação premiada teria sido discutida com a PGR, por meio do ex-procurador da República Marcello Miller, antes mesmo da gravação da conversa entre Batista e Temer, o que seria ilegal.

Em meio a essa situação delicada para Janot, o ministro Celso de Mello, decano da corte, fez uma espécie de desagravo ao procurador-geral.

“Não posso deixar de reconhecer a atuação responsável, legítima e independente do eminente procurador-geral da República, doutor Rodrigo Janot, que tem exercido a chefia do Ministério Público da União com grande seriedade”, afirmou.

Em reação às críticas que vem recebendo, Janot disse nesta terça que “tantos são os fatos e tão escancaradamente comprovados, que a estratégia de defesa não pode ser outra senão tentar desconstituir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”.

Entenda abaixo o que pesa contra Janot e quais podem ser as consequências do julgamento para a esperada segunda denúncia contra Temer.

1) Possível ilegalidade do acordo de delação

A acusação mais grave contra Janot, levantada pela defesa de Temer, é que ele teria conhecimento de negociações dentro da PGR para acordo de delação com a JBS mesmo antes dos executivos do grupo gravarem autoridades, entre elas o presidente, no dia 17 de março.

Isso seria ilegal, pois a Procuradoria só pode realizar esse tipo de gravação com autorização do Supremo. Dessa forma, se ficar provado que a gravação foi realizada sob orientação da PGR, ela representaria um “flagrante forjado”, nota o jurista Ives Gandra.

No pedido ao STF, o advogado de Temer, Antônio Claudio Mariz de Oliveira, sustenta que a conversa gravada acidentalmente entre Batista e Saud indica que Janot sabia “de uma relação” entre Miller e os delatores, “na qual houve uma negociação informal do acordo de delação tempos antes do início das tratativas oficiais”.

Miller chegou a integrar a defesa do grupo JBS logo após deixar o Ministério Público Federal, mas depois acabou demitido do escritório Trench Rossi Watanabe e agora é investigado por supostas interferência indevida no acordo de delação.

STF durante julgamento
Image caption O Supremo Tribunal Federal se reuniu nesta quarta-feira | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Além das acusações envolvendo a atuação de Miller, Mariz cita também o depoimento prestado por outro delator da JBS, Francisco de Assis e Silva, para sustentar que Janot já sabia das tratativas para um acordo de colaboração com a JBS. Nesse depoimento, Assis afirma ter ligado para o procurador da República Anselmo Lopes em 19 de fevereiro, avisando que Batista queria se tornar delator.

“Contudo, se o citado acordo de colaboração premiada somente foi assinado em 03 de maio de 2017, restou evidente, portanto, que o I. (Ilustríssimo) Procurador-Geral da República previamente sabia da intenção dos alcaguetes e os aconselhou, por si e por seus assessores, sobre como agir, inclusive sobre a clandestina gravação do Sr. Presidente da República por Joesley Batista no Palácio do Jaburu”, argumenta o advogado, na questão de ordem apresentada ao STF na semana passada.

Janot nega que tivesse conhecimento da atuação de Miller e instaurou investigação contra ele. “O Ministério Público Federal atuou na mais absoluta boa-fé para a celebração desse acordo. Se ficar provada qualquer ilicitude, o acordo de delação será rescindido. Eventual rescisão do acordo não invalida as provas até então oferecidas”, disse o procurador-geral na semana passada, quando veio à tona o “autogrampo”.

2) Acusações de suspeição

Rodrigo Janot
Image caption O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, conclui seu mandato nesta semana tendo que se defender | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao acusar Janot de “parcialidade”, a defesa de Temer sustentou que procuradores subordinados a Janot orientaram a atuação de delatores da JBS, como Joesley Batista, hoje preso. Ministros consideraram, porém, que Janot não pode ser dado como suspeito por eventuais ações de outros.

O relator do caso, Edson Fachin, disse ainda que não analisaria a legalidade das provas coletadas na delação da JBS, já que a Câmara dos Deputados, ao rejeitar o andamento da primeira denúncia contra o presidente, não autorizou o STF a julgar o caso.

Outro elemento que na visão da defesa indicaria suspeição do procurador-geral seria a decisão de “fatiar” as denúncias contra Temer, em vez de apresentar uma única peça de acusação.

Fachin, porém, considerou que Janot tem “independência funcional” para formular acusações e que o fatiamento das denúncias não poderia ser motivo para suspeição “na medida em que cada apuração é marcada por amadurecimento em lapso temporal próprio”.

Seu voto foi acompanhado por todos os presentes.

3) Possíveis impactos do julgamento

Juristas ouvidos nesta terça pela BBC Brasil já indicavam que o STF dificilmente aceitaria o pedido de suspeição contra Janot.

“Acima da questão individual, você tem uma questão institucional-política. Acho difícil (o STF) abrir um precedente para que os réus julguem os procuradores suspeitos. Mesmo porque a função deles é suspeitar e investigar as pessoas”, afirma Joaquim Falcão, Diretor da FGV Direito Rio.

Na sua avaliação, o fato de as investigações sobre a delação da JBS ainda estarem em curso também dificulta decisões do Supremo contra Janot.

“Um procurador-geral em fim de mandato, que atuou em casos polêmicos, fatos não claros (sobre o acordo de delação): é (uma discussão) muito além de uma questão pessoal, é uma questão institucional, e acredito que isso vai ser considerado”, acrescentou.

Chuva na Praça dos Três Poderes
Image caption Supremo só poderá avaliar a abertura de processo contra o presidente se for autorizado por ampla maioria na Câmara | Foto: Agência Brasil

Quanto à solicitação para suspender a possibilidade do procurador-geral apresentar denúncias até o fim das investigações, o advogado e professor de direito penal da USP Gustavo Badaró diz que se trata de um pedido inédito.

“Eu não conheço que o Supremo tenha um precedente que trate de uma cautelar (decisão dada em situação urgente) para impedir provisoriamente que alguém pratique um ato. Com isso ele (o advogado de Temer) tira um pouco o foco de uma questão jurídica e acho que joga a questão num patamar mais político”, observa.

Mesmo que o STF decida em favor de Janot, no entanto, a tendência é que o julgamento abra espaço para os ministros discutirem a legalidade da delação da JBS, gerando desgaste para o procurador-geral. O ministro Gilmar Mendes tem sido especialmente crítico e deve estimular o debate, acredita Badaró.

Se o julgamento foi concluído nesta semana e não o impeça de apresentar uma nova denúncia, espera-se que Janot use a delação de Lúcio Funaro, tido como operador de propina do PMDB, para reforçar as acusações contra o presidente levantadas ne delação da JBS.

A expectativa é que a denúncia acuse Temer de obstrução de justiça, por supostamente ter estimulado a tentativa de compra do silêncio de Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, e de formação de quadrilha, supostamente por operar amplo esquema de obtenção de propinas junto com parlamentares peemedebistas.

O presidente Michel Temer
Image caption’ A defesa de Temer na Câmara hoje tem artilharia reforçada. O Janot de agora não é o Janot da primeira denúncia, ele está mais fragilizado’, avalia Gustavo Badaró | Foto: Marcos Corrêa/PR

Se isso se confirmar, o Supremo só poderá avaliar a abertura de um processo contra o presidente se for autorizado por ampla maioria da Câmara. No início de agosto, os deputados rejeitaram o andamento da primeira denúncia, que acusava Temer de corrupção passiva.

“A defesa de Temer na Câmara hoje tem artilharia reforçada. O Janot de agora não é o Janot da primeira denúncia, ele está mais fragilizado”, avalia Badaró.

“Ele entra fragilizado para fazer a denúncia se não tiver toda a apuração (sobre supostas ilegalidades da delação da JBS) concluída. Isso facilita a rejeição pela Câmara”, acredita também Ives Gandra.

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