A aprovação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que destrava a venda das distribuidoras da Eletrobras do Norte e Nordeste vai pesar no bolso dos brasileiros. O impacto será de R$ 7,55 bilhões por ano, o que representará aumento médio de 5,2% nas tarifas de energia, incluindo residências e empresas. A estimativa é da Abrace, que reúne grandes consumidores industriais e consumidores livres de energia. O cálculo contempla penduricalhos incluídos de última hora no projeto, como a isenção do pagamento de conta de luz para famílias de baixa renda com consumo de até 70 kilowatts-hora (kWh) e a autorização para que duas distribuidoras que atuam na Região Norte repassem seus custos com “gatos” aos consumidores. O projeto ainda precisa ser aprovado no Senado e ser sancionado pelo presidente da República antes de entrar em vigor.
– O projeto de lei era para facilitar a privatização das distribuidoras. Mas algumas emendas, como a da tarifa social e a questão das perdas de energia (gatos), ajudam a piorar o que já está muito ruim. Está se fazendo um canibalismo do setor elétrico, e o consumidor final é sempre quem paga a conta — afirmou Edvaldo Santana, presidente da Abrace e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
MOREIRA: ‘VITÓRIA DA SOCIEDADE’
Atualmente, a tarifa social funciona com um sistema de descontos. O consumidor de baixa renda tem redução de 65% no valor correspondente ao consumo registrado de até 30 kWh/mês; de 40% na faixa de 31 kWh até 100 kWh/mês; e de 10% na faixa de 101 kWh até 220 kWh/mês. Para ter direito ao benefício, a família precisa estar inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do governo, com renda familiar mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo nacional; ou receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O custo dessa gratuidade é bancado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Trata-se de um fundo setorial que tem como objetivo custear as políticas públicas do setor elétrico, bancados pelas contas de luz. O projeto de lei aprovado na terça-feira concedeu isenção do pagamento de tarifa às famílias com um limite maior para o consumo, fixado em 70 kWh mensais.
Segundo a Aneel, o atual pagamento da CDE para custear a tarifa social subirá de R$ 2,28 bilhões por ano para R$ 3,02 bilhões por ano, caso o projeto de lei seja aprovado no Senado e sancionado pela Presidência. Essa diferença de R$ 742 milhões terá um impacto de 0,5% nas contas de luz, diz a agência. O cálculo coincide com o que foi feito pela Abrace, que estima impacto de R$ 750 milhões por ano sobre as tarifas.
No Twitter, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, disse que a aprovação do projeto “é uma vitória para a sociedade” e que a mudança no cálculo da tarifa social beneficiará nove milhões de famílias com renda mensal de até meio salário mínimo. Mas a emenda foi criticada por especialistas do setor.
– Isso é muito perverso, porque vai estimular o aumento do consumo pelas pessoas que serão beneficiadas pelo programa. Atualmente, a média do consumo de energia de baixa renda já é da ordem de 125 kWh/mês. Por isso, somos contra o subsídio — destacou Santana.
Outro ponto aprovado pela Câmara que vai aumentar as tarifas para todos os consumidores é a emenda que libera a Eletroacre e a Ceron (Rondônia), que operam em sistemas isolados, de repassarem a seus clientes o custo com as perdas de energia (gatos) acumulados desde 2009. Segundo Santana, isso significa que o valor dessas perdas será integralmente bancado por todos os consumidores do país. A Abrace estima que a medida vai ter impacto de ao menos 0,7% nas tarifas de energia dos consumidores, representando um custo anual de mais R$ 800 milhões.
PERDAS COMPARTILHADAS POR CINCO ANOS
A perda de eletricidade, seja por furto ou por problemas técnicos, ocorre com todas as distribuidoras do país. A Aneel autoriza as empresas a repassarem para seus clientes uma parte dessas perdas. Algumas distribuidoras, porém, têm perdas que superam o limite autorizado pela agência e acabam tendo prejuízos. É o caso da Ceron e da Eletroacre. O projeto autoriza que esse valor além do estabelecido pela Aneel seja transferido para a conta de luz de todos os brasileiros.
O argumento é a necessidade de “limpar” o balanço dessas empresas e prepará-las para a privatização. O consumidor arcaria com as perdas até a revisão tarifária das duas distribuidoras, o que deve ocorrer quatro a cinco anos após a privatização das empresas. Já o custo da privatização em si das distribuidoras é estimado em R$ 6 bilhões — o que representa quatro pontos percentuais do aumento médio de 5,2% na conta, estima a Abrace.
– Para tornar as distribuidoras atraentes para serem vendidas, todos vão ter que pagar por isso. Somos a favor da privatização, mas a um custo de R$ 6 bilhões? Isso é justo? – indagou a assessora jurídica da Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Anace), Mariana Amim.
DISTRIBUIDORAS COM PERDAS BILIONÁRIAS
Apesar dos penduricalhos incluídos pelo Congresso, o projeto de lei é considerado fundamental para o sucesso da privatização das seis distribuidoras de energia da Eletrobras. Altamente deficitárias e com problemas operacionais, as seis empresas atuam em Alagoas, Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia e Piauí. Por conta das dívidas – são R$ 35,333 bilhões no total – e da necessidade de altos investimentos, o edital prevê que cada uma será vendida por R$ 50 mil. Entretanto, os novos concessionários terão que fazer R$ 2,4 bilhões em investimentos imediatos.
O prejuízo acumulado pelas seis distribuidoras até 2016 era de R$ 15,436 bilhões. O governo já decidiu que, se a privatização não for concluída até 31 de dezembro, as empresas serão liquidadas. Isso traria um custo de cerca de R$ 25 bilhões para a Eletrobras, segundo a própria empresa. No fim, a conta seria bancada por todos os contribuintes de qualquer forma. Por essa razão, Adriano Pires Rodrigues, diretor-executivo do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), é favorável à aprovação do projeto.
– O benefício da privatização no médio e longo prazos será maior do que as perdas. Porque, hoje, as distribuidoras são deficitárias, ineficientes, sem recursos para investir na melhoria da qualidade dos serviços. Estamos fazendo a transição de um modelo do setor elétrico altamente ineficiente para outro mais eficiente. Não tem jeito, é preciso pagar essa conta – destacou Adriano, para quem, no caso da tarifa social, o texto aprovado torna mais claro quem tem direito a esse benefício.