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De Bem Com a Vida: HPV, por que vacinação de adolescentes contra vírus de transmissão sexual que causa câncer não avança no Brasil

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Vacinação
No ano passado, 900 mil vacinas ‘encalhadas’ foram liberadas para homens e mulheres fora na faixa etária alvo para que não estragassem. Direito de imagem MANUELA BRANDOLFF/PALÁCIO PIRATINI

Em 2013, o Brasil fez uma grande parceira público-privada para nacionalizar o processo de fabricação da vacina e, no ano seguinte, iniciou a campanha pelo SUS em escolas de todo o país.

De lá para cá, contudo, a taxa de cobertura para as duas doses, essenciais para a imunização, não passou de 50%. No ano passado, esse percentual chegou a 48,7%. A campanha deste ano começou em março e, a partir de setembro, o SUS começa a aplicar a segunda dose.

Vírus do HPV na corrente sanguínea

Vacinar adolescentes é mais difícil do que imunizar as crianças, muitas vezes encaminhadas para o posto de saúde diretamente pelo pediatra, destacam médicos consultados pela BBC News Brasil.

Há a questão do receio dos efeitos colaterais – neste caso, alergias leves aos componentes do medicamento –, a mistura entre o “medo de agulha” e a sensação de que a doença é algo distante e, no caso específico do HPV, a visão distorcida de alguns pais de que a vacinação poderia dar início precoce à vida sexual dos filhos.

Para infectologistas e especialistas em HPV, contudo, a principal razão para que o país esteja longe da meta de 80% de cobertura foi a saída da vacinação das escolas.

Da escola para o posto de saúde

Em 2014, o lançamento da campanha foi feito nos colégios, onde aconteceram as rodadas da primeira dose – com cobertura de mais de 100%. Em setembro daquele ano, porém, a segunda rodada de imunização foi transferida para os postos de saúde, onde se mantém até hoje.

“É muito difícil levar o adolescente à sala de vacinação”, pondera Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

As razões vão desde as particularidades da própria faixa etária, para a qual o câncer é uma realidade distante – e que, ao contrário das crianças menores, já consegue dizer “não” aos pais –, até as dificuldades práticas, como o horário de funcionamento dos postos de saúde, em geral de segunda a sexta, em horário comercial.

Apesar de não ser obrigatória por lei, a maioria dos postos exige a presença de um responsável para vacinar o adolescente, diz Ballalai.

Lançamento da campanha de vacinação contra HPV, em janeiro de 2014
Distribuição pelo SUS começou em 2014, com a primeira dose aplicada em escolas de todo o país. Direito de imagem WILSON DIAS/AG. BRASIL

Para que a cobertura chegue à meta de 80% estabelecida pelo Ministério da Saúde, que proporcionaria redução significativa dos casos de câncer e da incidência de verruga genital, por exemplo, a imunização deveria voltar para as escolas, ela destaca, como fazem Austrália e Chile – este último, convidado da próxima Jornada Nacional de Imunizações, organizado pela SBIm, para compartilhar sua experiência.

“Enquanto a vacinação não for para dentro da escola, a gente não vai aumentar a cobertura”, concorda Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

‘Dificuldade operacional’

A coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, Carla Domingues, afirma que o desempenho do Brasil está de acordo com a média global de cobertura contra o HPV, entre 50% e 70%, segundo ela.

Casos como o da Austrália são “exceções”, porque “estão fazendo vacinação eminentemente nas escolas”. A dificuldade para repetir a fórmula no Brasil, ela diz, passa pela falta de estrutura dos municípios, que têm a competência de vacinar a população.

As secretarias municipais de saúde, afirma, precisariam de “equipes volantes” para ir às escolas, sem depender dos profissionais dos postos de saúde, que muitas vezes já trabalham além da capacidade.

“Muito município não tem dinheiro para fazer essas contratações e outros nem podem, por causa dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal”, ressalta.

Menina recebendo vacina
‘É inaceitável a gente ainda ter morte por câncer de colo de útero no Brasil, uma doença que se previne com vacina’, destaca Fedrizzi. Direito de imagem GETTY IMAGES

O Ministério da Educação (MEC) “já foi uma resistência, hoje não é mais”, e atua em conjunto com a Saúde no âmbito do Programa de Saúde na Escola. “A dificuldade é operacional mesmo”, afirma a coordenadora.

Ela destaca, contudo, que elevar a cobertura da vacina continua entre as prioridades do PNI e que a pasta mantém diálogo com os municípios, além das campanhas para esclarecer e alertar a população sobre a importância da imunização.

O desempenho aquém do esperado fez com que, no ano passado, 900 mil vacinas destinadas à população-alvo – meninas entre 9 a 14 anos e meninos entre 11 a 14 anos – quase vencessem.

Para evitar que isso acontecesse, diz Domingues, o SUS ampliou a idade máxima para imunização gratuita e vacinou homens e mulheres de até 26 anos.

O caso de sucesso da Austrália contra o HPV

A Austrália é o primeiro candidato a erradicar o câncer de colo de útero nas próximas décadas, de acordo com a International Papillomavirus Society (IPS), organização internacional que reúne médicos especialistas em HPV.

A campanha começou em 2007, com vacinação de meninas nas escolas. Cinco anos depois, a incidência de verrugas genitais na população já havia reduzido em 90%, destaca o médico brasileiro Edison Natal Fedrizzi, membro do IPS.

Gráfico

Em 2013, os meninos foram incluídos na campanha e, em 2015, a incidência de HPV entre mulheres de 18 a 24 anos despencou de 22,7%, registrado dez anos antes, para 1,1%.

“É inaceitável a gente ainda ter morte por câncer de colo de útero no Brasil, uma doença que se previne com vacina”, destaca o especialista.

A imunização dos adolescentes, ele destaca, tem três grandes benefícios. Primeiro, a resposta imunológica é melhor que a dos adultos – a partir dos 15 anos, a recomendação é de não apenas duas, mas três doses. A probabilidade de exposição prévia ao vírus, por sua vez, é pequena – e a vacina é inócua nos casos em que a pessoa já está contaminada.

Depois, o custo para o sistema de saúde, de forma geral, é menor.

Nesse sentido, deve-se levar em conta também o chamado “efeito da proteção de rebanho” – quanto mais jovens se imunizarem antes do início da vida sexual, o nível de contágio das novas gerações tende a ser menor e o vírus tende a circular menos, diminuindo a prevalência do HPV.

Assim, de forma indireta, a vacinação também diminuiria a incidência do câncer, poupando, em última instância, recursos do SUS.

Datapic

“Por isso que vacinar os meninos (incluídos no ano passado no programa de imunização) também é essencial, porque eles são vetores de transmissão”, destaca o especialista.

À frente do Projeto HPV, no hospital universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fedrizzi destaca o caso bem-sucedido de Florianópolis, em que as secretarias de saúde e educação se juntaram para trazer a vacinação de volta para as escolas e conseguiram cumprir a meta de 80% de cobertura.

“Diante do problema para mobilizar as equipes (dos postos de saúde) para irem às salas de aula, Floripa criou o ‘dia de a escola ir ao posto'”, diz ele.

‘Os antivacina não são problema no Brasil’

A vacina distribuída no Brasil é quadrivalente. Ela imuniza contra dois tipos do vírus do HPV considerados de alto risco, o 16 e 18, apontados como responsáveis por 70% dos casos de câncer de colo de útero, e contra os dois tipos de baixo risco responsáveis por 90% das verrugas genitais, o 6 e 11.

É fornecida gratuitamente para meninas com idade entre 9 e 14 anos e para meninos entre 11 e 14 anos. Na rede privada, cada dose custa por volta de R$ 200.

A vacina do SUS é da marca Gardasil, produzida pelo laboratório Merck Sharp and Dohme (MSD) em parceria com o Instituto Butantan. O acordo fechado pelo Ministério da Saúde em 2013 com a empresa americana prevê transferência de tecnologia para que o Brasil, nos próximos anos, se torne autossuficiente na produção do medicamento.

Ele praticamente não apresenta efeitos colaterais, diz Fedrizzi, por se tratar de uma vacina recombinante – que não usa, por exemplo, o vírus atenuado na composição, mas partes do organismo.

Apesar de casos sem relação com a vacina terem provocado alguma reação contrária a ela no início da campanha, em 2014, o impacto das pessoas “antivacina” na baixa cobertura é pequeno, afirma o médico.

O episódio de paralisia em três meninas vacinadas em Bertioga (SP) naquele ano, que chegou a assustar alguns pais, comprovadamente não estavam ligados à imunização, destaca Fedrizzi.

“Esse não é um problema nosso. Uma pesquisa recente mostra que, na França, 41% da população desconfia das vacinas. No Brasil, esse percentual é de 4%. A questão aqui é outra”, concorda Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações.

“O único efeito colateral (mais significativo) pode ser psicossomático”, destaca Richtmann, infectologista do Emílio Ribas, referindo-se ao “medo de agulha”, que pode fazer com que alguns adolescentes passem mal.

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