“Aceitei como estratégia de marketing”, diz advogado que defende agressor de Bolsonaro

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Desde o momento em que esfaqueou o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, Adelio Bispo de Oliveira, de 40 anos, teve a vida completamente revirada. Não só pela Polícia Federal, que investiga o caso, mas também por um batalhão de apoiadores do presidenciável.

Minutos após Bolsonaro dar entrada no hospital com um ferimento na barriga, a página pessoal no Facebook de Oliveira – que está preso em Campo Grande (MS) desde que confessou ter cometido o crime “em nome de Deus” – já era amplamente divulgada em grupos de WhatsApp. Ela recebeu tantos comentários e denúncias que seu perfil na rede social foi excluído depois de algumas horas.

Poucos dias após o ataque ao candidato, circulam pelas redes sociais questionamentos sobre como tem sido financiada a defesa de Adelio: como o servente de pedreiro consegue manter uma equipe de quatro advogados de casos famosos? Zanone Manuel de Oliveira Júnior, Pedro Augusto de Lima Felipe e Possa, Fernando Costa Oliveira Magalhães e Marcelo Manoel da Costa, já atuaram em julgamentos de grande repercussão como a defesa de Bola, amigo do ex-goleiro Bruno – ambos condenados por matar e ocultar o corpo de Eliza Samudio.

“Não só o Bola, mas eu já fiz a defesa de 14 casos de repercussão nacional, como o homem que matou a (missionária) Dorothy Stang e o caso do pai de santo que matou um pastor evangélico com um punhal. Tenho 1.038 júris no currículo, que vão de abortos a infanticídio”, afirmou em entrevista à BBC News Brasil Zanone Júnior, um dos quatro advogados que defendem o homem acusado de esfaquear Bolsonaro. Ele afirma que os honorários que ele recebe pela defesa de Adelio foram pagos por um doador de Montes Claros (MG), que pediu para não ser identificado.

Momento em que Bolsonaro leva facada
Após esfaquear Bolsonaro, Adelio Oliveira teve sua página no Facebook vasculhada e derrubada em poucas horas. Direito de imagem AFP

O sigilo do doador é direito garantido pela Constituição, de acordo com a Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG). Segundo a entidade, o advogado não pode ser investigado por manter em segredo o nome de quem o paga. O órgão disse ainda que o advogado também pode optar por fazer a defesa pro bono, sem receber honorários.

A Polícia Federal, por outro lado, anunciou que analisará “dados financeiros e de outros existentes em imagens, mídias, computadores, telefones e documentos apreendidos” de Adelio. O pagamento pela defesa, no entanto, não fará parte do inquérito – segundo a PF, a questão não está diretamente ligada ao fato investigado.

Conexões religiosas?

“A pessoa (pagadora) nos pediu sigilo e nós vamos fazer isso. Ela disse que teve contato com o Adelio por meio da religião. Eu não sei se é evangélica ou testemunha de Jeová. Apenas disse que está fazendo isso por filantropia”, afirmou Oliveira Júnior, sem dar mais detalhes.

Antônio Carlos Affonso, porta-voz das das Testemunhas de Jeová de Montes Claros, disse à reportagem que fez um levantamento entre as 19 congregações da cidade e disse que Oliveira nunca frequentou nenhuma delas.

“Ninguém conhece ele. Eu fui até a casa da sobrinha dele quando soube e ela confirmou que ele esteve aqui em 2013”, disse Affonso. “Com testemunhas de Jeová, ele não tem ligação nenhuma”, acrescentou.

Affonso disse ainda que a relação que o advogado fez entre o homem que esfaqueou Bolsonaro com a religião prejudicou a imagem das Testemunhas de Jeová na região de Juiz de Fora.

Adelio sendo levado por policiais federais
Advogado diz que pessoa que pagou defesa de Adelio é de Montes Claros e pediu para não ser identificada. Direito de imagem REUTERS

“É um caso que gerou uma repercussão muito ruim. A declaração do advogado foi uma bomba para a gente. Eu acho que ele está querendo visibilidade porque eu não vejo outro motivo para alguém fazer isso”, afirmou.

Três dias depois do fato, o ataque a Bolsonaro ainda era um dos assuntos mais comentados pelas ruas do centro de Juiz de Fora, que tem cerca de 500 mil habitantes.

“Nunca vi comentarem tanto da nossa cidade desse jeito. O triste é a gente ficar famoso por conta de uma situação dessas”, disse o guarda municipal Elieser Oliveira, que faz a segurança de uma ferrovia ao lado do Mercado Municipal da cidade mineira.

Aparelhos baratos

Questionado sobre como Adelio Oliveira comprou os quatro celulares e o notebook apreendidos na casa dele, o advogado afirmou à BBC News Brasil que eram todos “baratos e antigos”. “Pelo menos dois nem eram smartphones”, minimizou.

A defesa se resumiu a informar que Adelio comprou os aparelhos com o dinheiro de seu trabalho e que recentemente também recebia seguro-desemprego – renda usada para justificar os R$ 400 que o agressor usou para pagar o aluguel da pensão onde morou por apenas 15 dias.

“Era uma pensão bem barata. Eu não sei quanto, pois nesse assunto eu não me atentei porque não era relacionado ao crime”, disse o advogado.

Júnior não diz quanto recebeu, mas afirmou que a quantia foi suficiente para custear apenas as despesas iniciais do caso. Ele afirmou que os maiores gastos são de avião e hotel.

Adelio Oliveira ao ser preso
Apoiadores de Bolsonaro questionam como mesmo desempregado Adelio tinha quatro celulares, notebook e morava em pensão. Direito de imagem EPA

O advogado de Adelio diz que usa seu avião particular para viajar e fazer algumas defesas, inclusive a de Adelio – que foi transferido para o Presídio Federal de Campo Grande. Esse é um dos pontos mais questionados nas redes sociais por seguidores de Bolsonaro. O defensor minimizou o luxo.

“Meu avião é experimental, pequeno, e eu mesmo que piloto. Não é tudo isso o que dizem”, afirmou Zanone, sem dizer qual o modelo da aeronave.

Por outro lado, ele contou que aceitar fazer a defesa de um caso polêmico como o do agressor de Bolsonaro é, além de tudo, uma estratégia de autopromoção profissional.

“Essa visibilidade é boa. Eu sabia que a vítima era o Bolsonaro e aceitei porque isso também é parte de uma estratégia de marketing”, disse.

Mas ele afirmou que essa estratégia pode estar com os dias contados. Isso porque o doador ainda não se manifestou novamente e, agora, o advogado vai se reunir com amigos de profissão para analisar se eles vão continuar fazendo a defesa de Oliveira. Júnior disse que não tem condições de continuar sem ajuda.

“A gente estuda fazer uma vaquinha. Nesse sentido, convidei advogados amigos e associados porque, querendo ou não, esse sensacionalismo criado em torno do caso gera notoriedade acaba até tendo importância para a gente”, afirmou ele.

Zanone Júnior disse que já preservou a identidade de dois doadores anônimos, ligados à religião espírita, em outros casos. Ele diz que também já atendeu clientes pro bono, sem cobrar honorários.

“O (caso do) ‘fura-bundas’ em 2002 foi isso”, lembra, referindo-se ao caso de um agressor que atacava mulheres com um estilete em Belo Horizonte. “O processo estava parado porque nenhum advogado aceitava. Nem a Defensoria da Comarca aceitou alegando que só tinha uma defensora e que ela estava grávida. Eu aceitei e consegui anular o processo três vezes. No segundo dia do julgamento, tinha 3 mil pessoas na porta do fórum e eu precisei sair escoltado”, relata.

O criminoso acabou sendo condenado a 28 anos de prisão por atacar mulheres entre 18 e 25 anos de idade.

Ameaças e mentiras

Júnior contou à BBC News Brasil que foi ameaçado de morte diversas vezes desde que foi anunciado como advogado do homem que esfaqueou Bolsonaro. Mas não se arrepende e diz que isso serve de “combustível” em sua atuação.

“Fora que eu recebo uma fake news por minuto no celular. Tem gente dizendo que eu recebi dinheiro do PSOL, do PT, e que até vieram trazer R$ 100 mil no hotel onde estou. Agora, tem muita gente ameaçando. Mas eu vivo direito penal 24 horas e isso (ameaça) para mim é cachaça. Falar que vai me matar para mim é combustível”, afirmou o advogado.

O advogado continua a entrevista desmentindo as acusações que vem recebendo nas redes sociais, como a de ter participado da campanha de Dilma Rousseff à Presidência em 2014. Mas uma delas ele confirma e se orgulha: ter defendido Bola no processo sobre o desaparecimento de Eliza Samudio.

Advogado Zanone Junior, um dos quatro que fazem a defesa de Adelio Oliveira
‘Votei no Fernando Henrique, votei no Lula. No meu escritório tem advogado que vai até votar no Bolsonaro’, diz Júnior. Direito de imagem AGÊNCIA BRASIL

Zanone Júnior se diz neutro no espectro político e afirma que nunca se filiou a nenhum partido. “Não que eu me lembre”. E conta que nestas eleições votará em Ciro Gomes, candidato à Presidência pelo PDT.

“Votei no Fernando Henrique, votei no Lula. No meu escritório tem advogado que vai até votar no Bolsonaro”, afirmou sem dizer quem.

Os outros advogados são Fernando Magalhães, que atuou no caso do goleiro Bruno, Pedro Felipe Possa e Marcelo Manoel da Costa.

Segundo Zanone Junior, a polêmica e a grande comoção nacional que envolvem esses casos ajudam a creditá-lo como um especialista em júris. Em caso atual, ele já se diz orgulhoso de ter conseguido transferir o homem que esfaqueou Bolsonaro para um presídio federal.

A juíza ordenou a transferência de Oliveira sob o argumento de manter a integridade física do homem que esfaqueou Bolsonaro, que corria riscos caso fosse levado para uma unidade comum.

Segurança máxima

Na manhã de sábado, Adelio Oliveira deixou a sede da PF em Juiz de Fora e foi levado para a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). A unidade é classificada como um presídio de segurança máxima, onde há um sistema especial de segurança com 200 câmeras – muitas delas ocultas – e o interno convive com mais restrições.

A PF informou à BBC News Brasil que Oliveira está em uma cela individual de 7 metros quadrados, com cama, banco, escrivaninha, prateleiras, vaso sanitário, pia e chuveiro. Nos primeiros dias, ele passará por avaliações médica e psiquiátrica.

O presídio tem capacidade para 220 presos, mas hoje tem apenas 120.

Penitenciária Federal de Campo Grande (MS)
Presídio federal onde Adelio Oliveira está preso tem 200 câmeras, parte delas ocultas. Direito de imagem AGÊNCIA BRASIL

A ala onde ele está é dedicada a réus e presos protegidos pela Justiça ou que correm risco de sofrer algum ataque. Por isso, Oliveira também não terá contato físico com outros presos da unidade.

A Polícia Federal mantém sigilo em relação às investigações. Diz apenas que ouviu um suspeito de ter colaborado com Oliveira no crime e aguarda para colher o depoimento de outra, que está internada em um hospital devido a ferimentos causados durante uma briga após o ataque a Bolsonaro.

A defesa deve solicitar exames de sanidade mental de Adelio. Zanone Júnior diz ainda que seu cliente agiu sozinho por questões política, religiosa e racial.

Em seu depoimento, Adelio diz ressaltou a declaração feita por Bolsonaro sobre quilombolas no clube Hebraica, no Rio, no início deste ano. O candidato disse na época que os quilombolas “nem para procriar servem”.

Os advogados sustentam que esse discurso do candidato deixou Adelio muito ofendido e foi o principal motivo para que ele cometesse o crime.

Nesta segunda-feira, a defesa entrou com um pedido de perícia para avaliar a sanidade mental do autor do ataque. Os advogados indicaram o psiquiatra Hewdy Lobo Ribeiro para fazer os exames. A Justiça tem 45 dias para definir se aceita o pedido.

Zanone Júnior afirma que se encontrou com Oliveira três vezes que, somadas, dão cerca de 12 horas, e que nessas ocasiões seu cliente estava tranquilo.

“Falei com ele na carceragem, na Justica Federal e na Polícia Federal. Ele disse que saiu de casa pensando que não fosse voltar. Tinha certeza que morreria. Você acha isso normal? Acha normal um homem matar outra pessoa a mando de Deus? O juiz pode até negar nosso pedido, mas ninguém pode achar isso algo normal”, afirmou Júnior.

O advogado disse que não pede esse tipo de perícia para todos os seus clientes. “No caso da Irmã Dorothy, a gente não pediu nada. Do Bola, também não. Mas quando você vê que a conduta da pessoa sai do padrão, é um ponto fora da curva, aí a gente começa a duvidar e a psiquiatria forense está aí para examinar e mostrar isso.”

Nova cirurgia

Jair Bolsonaro continua internado na UTI em estado grave, de acordo com o mais recente boletim médico divulgado pelo Hospital Albert Einstein. Ele continua com uma bolsa de colostomia para coletar fezes, colocada em razão das graves lesões que o presidenciável teve nos intestinos grosso e delgado. Ele não tem sinais de sinais de infecção, está recebendo cuidados de fisioterapia respiratória e motora, e só se alimenta por sonda.

O hospital informou que será necessário, em data ainda não definida, que o candidato passe por outra cirurgia de grande porte para reconstruir o trânsito intestinal e retirar a bolsa de colostomia.​

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