A Venezuela vive um dos piores episódios de hiperinflação registrados no mundo desde a Segunda Guerra Mundial.
Até agosto, a alta acumulada dos preços nos últimos 12 meses alcançou 65.000%, segundo Steve Hanke, professor de Economia Aplicada da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (EUA), um dos maiores especialistas em hiperinflação.
Kanke é um dos autores da “Tabela de Hiperinflação Mundial”, que passou a incluir a Venezuela em novembro de 2016. Na época, os preços subiam a um ritmo mensal de 219% e se duplicavam a cada 18 dias.
A situação, no entanto, piorou e, num contexto de grave escassez de comida e medicamentos, os cidadãos se viram forçados a usar grandes maços de dinheiro para pagar por simples bens de necessidade básica.
A introdução de uma nova moeda, o bolívar soberano, que cortou cinco zeros da moeda anterior, o bolívar forte, não solucionou o problema da hiperinflação.
Brasil
Hanke disse à BBC que, incluindo a Venezuela, houve 58 episódios de hiperinflação no mundo, entre eles os 82,4% ao mês de inflação que o Brasil registrou entre dezembro de 1989 e março de 1990, quando as moedas eram o cruzeiro e o cruzado e os preços dobravam a cada 35 dias.
No caso brasileiro, foram pelo menos 15 anos de inflação acima de dois dígitos ao mês. Nesse período, que tomou toda a década de 1980, comerciantes remarcavam preços diariamente, produtos sumiam das prateleiras e consumidores corriam às compras assim que recebiam seus salários, para evitar a mudança súbita dos valores. Preços e remunerações eram reajustados assim que a inflação do mês anterior era divulgada, o que acabava repassando a inflação de um mês para o seguinte. A consequência desse acúmulo eram números exorbitantes: 6 milhões de cruzeiros por um aparelho de som ou 43 mil por um pote de margarina.
A crise hiperinflacionária era intensificada pela desvalorização da moeda para manter o país competitivo no mercado global e pelo aumento do dinheiro em circulação para financiar a dívida externa.
A situação só melhorou em 1994, com o lançamento do Plano Real, que conduziu o país de volta à estabilidade. O plano levou ao fim da correção monetária e do congelamento de preços.
Mas houve períodos ainda bem mais graves que o brasileiro.
Saiba quais foram os 5 piores, antes da crise na Venezuela, e como os governos conseguiram contornar o problema:
1. Hungria, 1946
Taxa de inflação diária: 207%
Os preços duplicavam a cada 15 horas
Em julho de 1946, a inflação na Hungria alcançou um nível impactante: 41.900.000.000.000.000%. É o pior caso de hiperinflação já registrado.
O valor do dinheiro que os húngaros tinham na carteira a cada manhã se reduzia à metade até no fim do dia. A nota mais alta era de 100 trilhões de pengos húngaros.
A Segunda Guerra Mundial havia acabado com 40% da riqueza da Hungria, e 80% da sua capital, Budapeste, fora destruída. As vias férreas tinham sido bombardeadas e o governo teve que pagar uma indenização milionária depois do conflito.
Em 1º de agosto de 1946, o governo adotou um programa de estabilização radical que incluiu uma reforma tributária drástica, a recuperação das reservas de ouro que haviam sido transferidas para o exterior e a introdução de uma nova moeda, o florim húngaro, respaldada pelas reservas de ouro e divisas estrangeiras.
2. Zimbábue, 2008
Taxa de inflação: 98%
Os preços duplicavam a cada 25 horas
Após introduzir uma reforma agrária no final da década de 1990 que incluía a expropriação de terras de fazendeiros brancos, o Zimbábue sofreu um forte declínio na produção agrícola.
A situação piorou devido à custosa intervenção na Guerra do Congo, em 1998, e aos efeitos das sanções que os Estados Unidos e a União Europeia impuseram em 2002 ao país, governado na época por Robert Mugabe.
Nos anos que se seguiram, os preços começaram a subir. Em novembro de 2008, a inflação havia alcançado uma taxa mensal de 79.000.000.000%.
As lojas aumentavam os preços dos produtos várias vezes ao longo do dia. A crise econômica se traduziu em cortes de água e energia, filas nos bancos e postos de gasolina e grave escassez de comida nos supermercados.
Muitos cruzavam a fronteira para Botsuana para comprar bens de primeira necessidade e dólar americano. Em 2009, o Banco da Reserva do Zimbábue deixou de usar a moeda nacional e adotou as moedas dos EUA e da África do Sul.
3. República Federativa da Iugoslávia, 1994
Taxa de inflação diária: 65%
Os preços duplicavam a cada 34 horas
A Iugoslávia era um país formado após a Primeira Guerra Mundial por o que hoje são Bósnia e Herzegovina, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Eslovênia. A crise econômica e política da década de 1980 provocou guerras que acabaram dividindo o país nessas nações. Em 1992, só Sérvia e Montenegro permaneceram unidas na República Federativa da Iugoslávia.
Diante dos gastos com conflitos internos e a queda no consumo, o governo começou a imprimir dinheiro. O gasto público descontrolado, a ineficiência, a corrupção e as sanções das Nações Unidas em 1992 e 1993 aprofundaram o problema.
No início de 1994, os preços subiam 313.000.000% ao mês. As pessoas se apressavam a gastar o dinheiro assim que recebiam seus salários. Muitos na Sérvia compravam provimentos no país vizinho, a Hungria. Insatisfeitos com as várias tentativas de controle de preços, os agricultores paralisaram a produção.
O comércio no mercado negro de marcos alemães e dólares americanos cresceu vertiginosamente.
Para deter o descontentamento social e negociar o fim das sanções impostas pelas Nações Unidas, o líder sérvio Slobodan Milosevic aceitou finalmente adotar uma nova moeda – o novo dinar – atrelada às reservas de ouro.
4. Alemanha, 1923
Taxa de inflação diária: 21%
Os preços duplicavam a cada 3 dias
A derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) deixou a Alemanha com grandes dívidas e custos para reconstruir o país. O governo começou a imprimir grandes quantias da moeda local, o marco, para comprar moedas mais fortes e pagar as dívidas.
À medida que se imprimiam novos marcos, eles perdiam mais valor. Mas a crise piorou mesmo quando a Alemanha não pagou o que devia em 1923, o que provocou a ocupação do vale de Ruhr – o coração industrial alemão – por tropas francesas e belgas, para exigir o pagamento da dívida em moedas fortes.
Isso provocou greves e interrupções na produção. Em outubro de 1923, a inflação havia disparado a 29.500% ao mês, com preços duplicando a cada 3 ou 4 dias. Uma fatia de pão, que custava 250 marcos em janeiro daquele ano, passou a custar 200 bilhões de marcos em novembro.
As pessoas recolhiam os salários em malas. Anedotas sobre a crise ilustram o drama: uma pessoa deixou sua mala desatendida e quando voltou percebeu que haviam roubado a mala, mas não o dinheiro; um padre viajou a Berlim para comprar um par de sapatos e quando chegou lá só conseguiu arcar com uma xícara de café e o bilhete de ônibus para voltar para casa.
No final de 1923, o governo introduziu uma nova moeda, o “marco seguro” (retenmark), atrelado a terras agrícolas. Os preços se estabilizaram e posteriormente os credores da Alemanha concordaram em renegociar as dívidas de guerra.
5. Grécia, 1944
Taxa de inflação diária: 18%
Os preços duplicavam a cada 4 dias
A economia grega sofreu muito durante a ocupação por parte de países do Eixo, na Segunda Guerra Mundial. Os ocupantes levaram matérias-primas, gado e alimentos, e o governo foi obrigado a assumir os custos da ocupação.
Uma queda na produção agrícola provocou uma escassez grave de alimentos nas principais cidades e um período conhecido como A Grande Fome. A falta de alimentos e mercadorias contribuíram para o aumento da inflação, que alcançou um pico de 13.800% em novembro de 1944.
Ainda que os aumentos de preços não tenham sido tão fortes quanto na Hungria ou na Alemanha do pós-guerra, os esforços de estabilização da Grécia demoraram mais para surtir efeito.
Após a liberação do país, em outubro de 1944, o governo fez três tentativas de controle da inflação ao longo de 18 meses até conseguir maior estabilidade por meio de uma reforma fiscal, tomada de empréstimos e a introdução de uma nova moeda.