Demoniocracia

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Esse termo, exatamente na forma acima escrita, é um neologismo apropriado para nos referirmos à crise que envolve a democracia no mundo e, em especial, entre nós, quando ela se apresenta como demonizada (odiosa, raivosa) ou endemoniada (diabólica, demoníaca).

Das diversas conceituações, ela caracteriza-se pelos fundamentos da igualdade e da liberdade. Enquanto regime político, seus  princípios se baseiam nos direitos dos cidadãos iguais perante a lei, elegíveis e com acesso irrestrito a todos os processos legislativos regidos pela Carta que estabelece : “O poder emana do povo”, o princípio democrata – a soberania popular. Portanto, cabe a cada cidadão escolher
livremente os destinos da nação.

Todavia não podemos distinguir a que povo essa soberania se refere: se aquele que carrega um corote d’água no lombo por “léguas”, que come calango com farinha e mandacaru, que anda de jegue ou pau de arara até o posto de saúde mais próximo para tratar do bicho de pé, dependente que é das políticas públicas ou dos que automaticamente abrem suas torneiras, degustam alcachofras e caviar, que se locomovem com suas SUVs blindadas a uma clínica de estética para se “botoxar”, pertencentes ao poder econômico e político capaz de determinar, interferir ou restringir a aplicação dessas políticas sociais.

O termo da atualidade que tomou conta dos noticiários foi “atentado à democracia”, tomando importância a partir de ato individual desvairado, violento e condenável contra pessoa de presidenciável em plena campanha política, divulgado e comentado dando o caráter de conspiração, jogo inominável de adversários políticos, ou tentativa de se anular opções políticas.

Feito altamente reprovável tanto na ação criminosa como na interpretação do fato, pois a exposição que se quis dar foi a transformação

do singular em coletivo. A democracia encontra-se em perigo real toda vez que instituições que tem por objetivo zelar pela sua segurança deixam de fazê-lo, por conveniência, partidarização, politização ou interpretação conflitante daquilo que a regra estabelece, endemonizando-a. Quando organizações empreendem movimentos para apropriação da soberania ou avocar comando sobre os destinos do povo, isto sim, se caracteriza como atentado à democracia, endemoniando-a. Um ato descomedido contra outrem não coloca em xeque um regime político.

Engana-se quem acha que democracia é a vontade da maioria. Cabe ao povo, por meio das instituições democráticas, garantir a isonomia de princípios, ou seja, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, uma vez que as diferenças não resultem em desigualdades.

Parafraseando o escritor “toda unanimidade é burra” (Nelson Rodrigues), pois quem pensa como os outros não precisam pensar e, ao estender a assertiva para a maioria, esta pode ter interesses particulares iguais, mas não democráticos e resultar num “democracídio”.

A judicialização, a militarização, a oligarquização política passou a fazer parte dos riscos que corre a democracia justo próximo das eleições, quando praticam a boca de urna, divulgando delações até então sigilosas, declarações pretorianas extemporâneas com posições radicais de modo a reverter expectativas dos eleitores, e nas campanhas financiadas pelo poder econômico de forma velada supostamente patrocinadas por grupos de contraventores, respectivamente.

A manipulação de informações duvidosas, a repetição a exaustão de notícias com objetivos refutáveis, propagandas dirigidas, notícias falsas, fatos tendenciosos ou distorcidos são atos nocivos à plena democracia e que hoje exigem dos usuários da mídia a constante observância e a seleção da realidade.

Atualmente, é necessário um filtro para discernir as fake news – notícias aparentemente verdadeiras, mas enganosas, cujo logro é resultado de algoritmos que escolhem

o seu cardápio de acordo com seu gosto, práticas reprováveis quanto à segurança da democracia.
O mais importante, no entanto, é o medo incutido nas relações humanas como ferramenta de controle social por grupos manipuladores que visam o poder pelo poder sobre a massa de modo conveniente para alcançar seus objetivos baseados em mentiras para instaurar um regime político de grupos com interesses particulares que não os do povo, a oligarquia, que leva à demoniocracia o risco de se perpetuar o ódio num costume que deve ser evitado sob pena de perdermos a esperança.

Crédito: Luiz Fernando Mirault Pinto/Correio do Estado (MS) – disponível na internet 18/10/2018

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

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