Time de várzea

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O time de várzea é uma equipe de futebol com nível aquém do amador, pois é um time de amigos, dos convivas do bairro, vizinhos da rua que se juntam para o próprio entretenimento, uma ação entre amigos de rivalidade comedida e longe da competição oficial, inexistindo o vínculo com a camisa ou o jaleco.

Torcedores o consideram um grupo de “raça” que respeita parcialmente o técnico conhecido, preferencialmente um militar reformado, rígido, da comunidade, embora não tenha escrúpulos em desafiá-lo, confrontá-lo ou desdizê-lo, uma vez que a sujeição é superficial e temporária, não são estrelas, apesar de que lá possam existir craques ainda desconhecidos, mas que se “encontrarão” com os demais jogadores no andamento do jogo.

Na prática comum aos atletas profissionais, os participantes também são assediados por políticos regionais que oferecem incentivos, material esportivo, medalhas, troféus, tudo em troca de apoio eleitoral, já que todos têm dívidas ou estreitas relações com seus torcedores, amigos do bairro e a parentela que, por sua vez, acompanha os jogos incentivando o “racha”.

As regras são as estabelecidas e o comportamento se ajusta aos participantes, em que as brigas e desavenças, por ocasião da peleja, são resolvidas internamente entre os atores, e se procura não envolver elementos externos ou pendências extracampo, pois sabem que lá, eles são alvo da plateia que conhece a vida pregressa ou folha corrida de cada integrante.

O campo, aberto, público, num planalto, sem proprietário específico, por vezes sujeito a alagamentos, com inclinação onde o meio tempo compensa por vezes os jogadores da direita na troca de lado. No mais, sua utilização congrega uma diversidade de moradores por meio da prática desportiva livre e independente de regras socioadministrativas.

Além da diversão, do espetáculo proporcionado à “galera”, a informalidade se estende para um bar próximo para a confraternização, a irradiação dos melhores momentos, a gozação das falhas e o reconhecimento dos craques, para a eles se juntarem na próxima vez. É lá que rola a conversa, o pagode, a bebida, anotada na caderneta a ser cobrada futuramente.

Esse time não tem compromisso com ninguém de fora, exceto com o coach e apoiadores arregimentados e que o seguirão enquanto existir campanha para vencer o adversário sempre lembrado como mantra. É cheio de promessas e expectativas, mas nenhuma certeza de vitória ou aceitação. Seus componentes não têm ainda a “cancha” para pertencer a uma equipe profissional e, por isso mesmo, patinarão no “brejo” por longo tempo.

Entre nós, talvez pelas decepções quanto ao nível oficial dos grandes times, dos jogadores renomados e reconhecidos internacionalmente pelo sucesso das campanhas anteriores, e movidos pelo descrédito forjado e divulgado pela grande mídia, ao incentivar a desesperança por perder o domínio e o mando do mercado na busca de audiência, o time de várzea passou a ocupar um lugar de destaque, mesmo colocando o futuro da mídia, do torneio e a história das equipes profissionais em risco, uma vez que os próprios participantes agem nesse “mote” comunicando-se pelas mídias digitais, sem nenhuma pertença, dialogando apenas com seus iguais e em nada acrescentando as suas idiossincrasias ou convocando integrantes anônimos para desempenharem as funções intracampo de antemão considerados inaptos aos anseios da “claque”.

Jogadores novos, desconhecendo os fundamentos e regras já estabelecidas nos certames, quando aprovados pelo treinador, juntam-se aos demais numa disputa de egos, com retóricas e lero-lero que não justificariam suas indicações ou qualificações, exceção feita pelas amizades, passam a fazer firulas, objetivando o diversionismo, já que não têm nada de especial a apresentar.

Triste, mas é a realidade que vigorará até que os grandes times se organizem novamente para ocuparem seus espaços de direito, antes mesmo que os torcedores se deem conta da pequenez de um time desse naipe e que sofram antecipadamente por uma escolha caseira inadequada. O time de várzea poderá durante certo tempo agradar aos fanáticos, mas perderá seu encanto quando deixar de apresentar desempenho exigido e passar a ser comparado pelos feitos dos times de primeira linha.  

Enquanto isso, a imprensa especializada permanecerá “retuitando” arremedos de notícias sobre o time, jogadas celestiais, ataques vaporosos e defesas vazadas.

Luiz Fernando Mirault Pinto: Físico e administrador – Servidor aposentado do Inmetro

 

Crédito: Luiz Fernando Mirault Pinto para o Correio do Estado (MS) – disponível na internet – 19/01/2019

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. 

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