Compacto riscado

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Também chamado de single para os antigos ainda vivos (1950-80), tempo das vitrolas ou toca-discos, hoje equipamento de DJs, os discos sonoros de vinil eram conhecidos como compactos simples, com 17 cm de diâmetro, tocados em 45 RPM e cuja capacidade normal era de 4 minutos para cada faixa musical, os lados A e B, na divulgação de músicas de trabalho ou remixes, antecipando um álbum completo a ser difundido futuramente.

Foi uma substituição aos LP (33 RPM), sendo menores, populares, com velocidade ideal na reprodução com distorções aceitáveis. Todavia, a manutenção exigia cuidados, com empenos, poeira, arranhões e rachaduras, levando a inutilização dos exemplares, na maioria das vezes, ou a condenar o ouvinte a ouvir repetidamente determinado trecho riscado na gravação, até a intervenção direta para deslocar a agulha.

O “disco riscado” era tão comum e tão insistentemente inconveniente que passou a definir uma técnica de comunicação de assertividade, por meio da repetição de palavras ou ideias, o que evita que os que têm medo do confronto sejam ardilosamente iludidos por argumentos alheios e contrários, capazes de desviar a atenção, manipulando os pontos de vista já definidos, adeptos da comunicação passiva.

A repetição de motes, palavras, e afirmações como técnica de persuasão, como um “disco rachado” (riscado), é empregada por oradores que se veem sem argumentos, objetividade, domínio da palavra ou assunto, planos e incapazes de expressarem com liberdade suas ideias, por insegurança ou autocensura, ficando à mercê de suas crenças e evitando contraposição insistente. A simples inabilidade, insociabilidade ou receio do enfrentamento são os motivos que levam os atuais palestrantes à recorrência desta retórica.

Metafórica e “figurativamente”, podemos comparar os antigos compactos (45 RPM) riscados ao desempenho das afirmativas estabelecidas na nova gestão governamental. A saber: os programas apresentados até o momento baseiam-se em dois únicos pilares (promessas de campanha), como “o combate à corrupção” e “a reforma da previdência”, que ocupam respectivamente as faixas A e B, assim como cada discurso repetido insistentemente com as mesmas proposições, em um tempo reduzido, à semelhança das aparições, entrevistas, recados tuitados ou imagens estrategicamente propagandeadas.

Em ambos “pseudosprojetos”, em que se comentam apenas teores, mas nada se apresenta por escrito para debates com especialistas ou consulta pública da sociedade, têm o caráter de “balão de ensaio” (casa civil afirma), aferindo opiniões contrárias como forma de ação discricionária e autocrática de se estabelecer regras ou simplesmente divulgar para convencer incautos ou futuras trocas de interesses com apoiadores. Ambas as faixas A e B dependem, para aprovação final, de inúmeros acordos políticos, embates jurídicos, a discussão sobre a constitucionalidade das aberrações e a ferrenha oposição dos defensores dos direitos sociais.  

O lado que trata da corrupção, no momento, encontra-se “riscado” pelo caso Coaf, pelas relações milicianas esdrúxulas, pelos perdões ao caixa dois, pelos ministeriáveis maculados judicialmente, pelo histórico de parcialidade politica e pela sanha punitiva contrária aos costumes latinos.

A outra faixa prejudicada pelo arranhão histórico do modelo de capitalização privatizada chileno implantado numa ditadura, e na derrocada da seguridade que leva aquele povo ao desespero e suicídio. O uso do FGTS para complementação da contribuição, a desconfiança no deficit divulgado, nos bancos oficiais e na poupança nacional, juros escorchantes das financeiras privadas, serve para aqueles que apostaram nessas mudanças, e, com certeza, as terão, mesmo a contragosto e sem a desejada inclusão das classes abastadas.

Luiz Fernando Mirault Pinto: Físico e administrador – Servidor aposentado do Inmetro

Acreditam numa reforma em que os doleiros delatores já perdoados e os bancos privados jamais interferirão no sistema previdenciário. Até lá, outros discos estarão nas paradas de sucesso, como das bancadas da bala, da lama, do boi, do desmonte e da subserviência, cada qual com seus interesses velados disputarão o “ranking midiático”.25

Ao presente, resta apenas a reprodução digital (DVDs) dos dados comprimidos sobre desemprego, desequilíbrio na economia, distribuição de riqueza, exclusão social, elitização universitária e os direitos sociais os quais serão discutidos quando os riscos nas reproduções forem sanados.

Crédito: Luiz Fernando Mirault Pinto/Correio do Estado – disponível na internet 12/02/2019

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