A decisão de o ministro da Justiça, Sérgio Moro, de revogar a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária é mais uma indicação de que “as redes sociais se tornaram o quinto poder da política no Brasil”.
A opinião é de Marco Aurélio Ruediger, diretor de Análise de Políticas Públicas na Fundação Getúlio Vargas. Doutor em Sociologia e mestre em Gestão e Análise Política Pública, Ruediger comanda uma equipe formada por economistas, sociólogos, cientistas políticos, designers e analistas de políticas públicas responsáveis por pesquisas sobre a modernização das estruturas do Estado, e-Democracia, sociedade em rede e outros temas-chave da agenda política, como protestos sociais, segurança pública e imigração.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele diz que a política será cada vez mais permeável à pressão das novas tecnologias, processo que considera ser “irreversível”.
“A realidade ficou muito complexa e temos que nos acostumar a ela. Quem usa mais as redes, pressiona mais e vai ganhando mais espaço com isso. É um processo irreversível”, argumenta.
Mas, segundo Ruediger, existem riscos.
“Não acho que a pressão feita por esses grupos em ambientes virtuais abale por si só a democracia. Pelo contrário. Pode até aprimorá-la. O que abala a democracia é não se saber se parte desses grupos é orgânico ou está sendo influenciado por algoritmos que deformam a real participação popular”, pondera.
“Caberá às nossas instituições se equipar melhor para lidar com essa realidade”, acrescenta.
Szabó havia sido convidada por Moro para ocupar a vaga de suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mas sua nomeação acabou revogada por pressão do presidente Jair Bolsonaro diante da repercussão negativa nas redes sociais. Internautas compartilharam divergências da especialista em relação ao governo em temas como armamento e política de drogas, além do fato de ela ter se posicionado contra a candidatura do capitão reformado.
Casos recentes como a demissão do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno (PSL), e a eleição do senador David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado também refletem o poder das ações coletivas impulsionadas por influenciadores digitais que, na visão de Ruediger “catalisaram as modificações nas discussões políticas, que geram efeitos diretos”.
Leia os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil – A decisão de o ministro da Justiça, Sergio Moro, de revogar a nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária se deu após repercussão negativa nas redes sociais e gerou críticas de opositores. Não é a primeira vez que o governo cede a esse tipo de pressão. Como o Sr. vê isso?
Marco Aurélio Ruediger – Esse era um fenômeno esperado. O impacto das redes sociais no cotidiano político do país vem crescendo e atingiu um pico nas eleições passadas. É absolutamente natural que pessoas que se mobilizaram e fizeram uma eleição que se deu desde o princípio no meio digital partissem para uma militância virtual em cima de sua representação política. É o novo normal e não temos como escapar disso. Não é à toa que muitos parlamentares ficam de olho nas redes sociais e baseiam suas decisões no que está sendo dito ali. Precisamos entender melhor esse fenômeno.
BBC News Brasil – Mas essa pressão é benéfica para a democracia? Ou pode trazer riscos?
Ruediger – Pode ser benéfica e prejudicial ao mesmo tempo. Essa pressão vem da base que elegeu o governo. Essa base busca pressionar sua representação. O governo foi eleito dentro de uma agenda e precisa atender aos interesses do grupo que o elegeu. A despeito das qualidades intrínsecas da cientista política em questão (Ilona Szabó), fato é que ela tem uma postura divergente à pauta que orienta esses grupos.
Então, é natural que haja uma pressão em cima do governo, cobrando coerência dele. O processo é democrático. Na época em que a esquerda estava no poder, esses conselhos eram ocupados basicamente por pessoas afins à ideologia do governo. Mas também vejo esse episódio como uma oportunidade para a oposição. Seria, portanto, muito ingênuo pensar em vencedores ou perdedores. A novidade é que essa disputa não se dá no âmbito da pressão dos partidos políticos ou das estruturas de poder mais formais. Trata-se de um quinto elemento, que exerce uma pressão constante, para além das três esferas de poder e da imprensa.
BBC News Brasil – Mas até que ponto as redes sociais são uma espaço livre e democrático?
Ruediger – Não são. Mas a gente não pode brigar com o fato. Temos que lidar com o fato. O que a gente tem no Brasil hoje são pessoas altamente mobilizadas, dentro de agendas incisivas e assertivas. Ou seja, quem usa mais as redes, pressiona mais e ganha espaço. Isso é irreversível. Quem usa melhor? Quem se organiza melhor? Vivemos numa ‘poliarquia digital’. Grupos de pressão que se organizam e fazem pressão a partir de meios digital. Não acho que isso por si só abale a democracia.
O cidadão tem agora a possibilidade de fazer microcontribuições diárias a partir de seu telefone celular, por exemplo. Ou seja, houve uma potencialização do indivíduo como ente político
O que abala a democracia é não se saber se parte desses grupos é orgânico ou está sendo influenciado por algoritmos que deformam a participação popular. Caberá às nossas instituições se equipar melhor para lidar com essa realidade. Sem dúvida, a realidade ficou muito mais complexa. As novas tecnologias amplificaram discussões que não eram tão transparentes para o cidadão comum. O cidadão tem agora a possibilidade de fazer microcontribuições diárias a partir de seu telefone celular, por exemplo. Ou seja, houve uma potencialização do indivíduo como ente político. O grande desafio é saber o quanto disso é real ou distorcido.
BBC News Brasil – Muitos críticos consideram que a imagem de superministro de Moro fica desgastada porque ele acabou ‘desautorizado’ pelo presidente Jair Bolsonaro. O Sr. concorda? Ele sai enfraquecido por tomar uma decisão e voltar atrás tão rapidamente por causa de pressão das redes sociais?
Ruediger – Acho ingênuo pensar que, num regime presidencialista, o ministro de Justiça vai mandar mais do que o presidente. Quem resolve ser ministro, tem que estar alinhado à agenda do governo. É óbvio que pode haver divergências – e elas são naturais e benéficas. Mas não em relação a um ponto nevrálgico da pauta. Estamos falando aqui de como a gestão atual encara o crime a segurança pública. Acho que o lado positivo desse fenômeno é que os políticos podem capturar o descontentamento da sua base de forma muito mais rápida.
Acho ingênuo pensar que, num regime presidencialista, o ministro de Justiça vai mandar mais do que o presidente.
Como resultado, voltam atrás em decisões. Se por um lado, é muito mais complexo e gera uma insegurança grande, especialmente para quem é criticado, que tem mudar de opinião várias vezes e se expor a críticas por causa disso, por outro, encurta o desgaste potencial e evita que sua reputação seja corroída. Vivemos num novo tempo e precisamos aprender com ele.