O mercado financeiro teve um dia de nervosismo nesta quarta-feira (27). O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, encerrou o dia com perda de 3,6%; e o valor do dólar comercial subiu 2,2% ante o real, valendo R$ 3,95 ao final do dia. É o maior valor do dólar
Segundo analistas de mercado ouvidos pela BBC News Brasil, os resultados da bolsa refletem a crise política entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o governo de Jair Bolsonaro (PSL) – agravada nesta semana – e a votação de terça na Câmara, quando o Plenário impôs uma derrota ao governo aprovando uma proposta que torna obrigatória a liberação de verbas para custeio das iniciativas previstas nas emendas apresentadas por deputados e senadores e incluídas no Orçamento. Além disso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que pode deixar o cargo se não tiver apoio político do governo.
Bolsonaro e Rodrigo Maia trocaram provocações por meio da imprensa ao longo desta quarta-feira.
Em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, na TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que Maia está “um pouco abalado com questões pessoais que vêm acontecendo na vida dele, coisas pessoais que passam pelo estado emocional dele no momento”.
A frase foi entendida como uma referência à prisão, na última quinta-feira, do ex-ministro Moreira Franco – ele é casado com a mãe da mulher de Maia. Depois da alfinetada, Bolsonaro negou ter atacado Rodrigo Maia e disse que sua mão “está sempre estendida”. “Estão fazendo uma tempestade em copo d’água”, declarou.
Momentos depois, numa entrevista a jornalistas na Câmara, Maia respondeu a Bolsonaro. Disse que o militar da reserva está “brincando de presidir” o Brasil.
“Abalados estão os brasileiros, que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, capacidade de investimento do Estado brasileiro diminuindo, 60 mil homicídios e o presidente brincando de presidir o Brasil”, afirmou o presidente da Câmara.
Analista político da corretora XP Investimentos, Paulo Gama diz que os eventos desta semana contribuíram para piorar as expectativas de aprovação da Reforma da Previdência – o que pode ter se refletido no comportamento do mercado.
“Sem dúvida que há um componente político, de incerteza. A deterioração da relação entre o governo e o Congresso preocupa (os analistas), pois põe em dúvida o futuro da reforma da Previdência, que o próprio ministro Paulo Guedes trata como central”, diz Gama à BBC News Brasil.
“Existia a perspectiva de que as coisas caminhassem numa direção positiva. Instável, mas positiva. Só que ao invés disso, tivemos na semana passada quatro eventos que vão no sentido contrário”, diz Gama.
Ele cita a divulgação de pesquisas que mostraram queda na popularidade do presidente Bolsonaro; a prisão do ex-presidente Michel Temer, seguida de manifestações dos apoiadores do governo contra a “velha política”; o projeto da reforma da Previdência dos militares, que repercutiu mal no Congresso; e a troca de farpas entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e Rodrigo Maia.
Segundo o analista e cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria Integrada, o movimento da bolsa responde ao que é chamado de “re-precificação” no jargão do mercado: os investidores estão ajustando para baixo os preços das ações de companhias brasileiras, depois de reavaliar os riscos da economia do país.
“Havia, desde a eleição de Bolsonaro, uma expectativa positiva para a agenda econômica. A leitura prevalente era a de que o quadro político que iria emergir (da eleição) resultaria na realização da reforma da Previdência”, diz ele.
“Pensou-se que a oposição sairia enfraquecida da disputa eleitoral; e o novo governo, forte. Essa avaliação foi incorporada no preço dos ativos nessa época. O que ocorre neste momento, é que, com a crise política, com esse início turbulento do novo governo, o mercado responde alterando os preços desses ativos (ações)”, diz Cortez.
A derrota do governo na Câmara
Nesta quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que obriga o governo federal a liberar verbas para custeio das iniciativas previstas no Orçamento relativas a emendas apresentadas por bancadas – as individuais já são obrigatórias.
A tramitação foi muito mais rápida que o normal. Batizada de “PEC do Orçamento Impositivo”, a proposta foi aprovada por 448 votos a 3 no primeiro turno de votação e 453 votos a 6 no segundo.
O impacto fiscal deve ser limitado, já que deve obedecer ao teto de gastos adotado em 2016, mas a derrota foi recebida pelo mercado como um novo sinal de enfraquecimento do governo, ampliando o risco em torno da aprovação da reforma da Previdência.
Hoje, cerca de 93% dos gastos do Executivo estão “amarrados” pelo Orçamento definido pelo Congresso no ano anterior. Com a PEC, o montante passaria a 97%. Caso ela seja aprovada neste ano, entra em vigor no ano que vem.
Em vigor, estima-se que o Executivo teria margem de manobra em apenas R$ 45 bilhões das despesas em meio a um Orçamento total de R$ 1,4 trilhão. Para se ter uma ideia, o governo planejava congelar R$ 30 bilhões neste ano para evitar o crescimento do rombo fiscal.
Um estudo conduzido pela IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado, estimou que o impacto da proposta seria de R$ 7,3 bilhões (valores nominais), de 2020 a 2022, e tenderia ao descumprimento do teto de gastos. Segundo Daniel Veloso, Felipe Salto e Gabriel Leal de Barros, em 2021 a margem fiscal estimada do governo seria de R$ 69,5 bilhões, sendo que os gastos mínimos necessários estimados ficam entre R$ 75 bilhões e R$ 80 bilhões. A diferença levaria ao descumprimento da regra ou à paralisação do governo.”O avanço da PEC do Orçamento Impositivo é um risco para o cumprimento da regra fiscal, uma vez que reduz o grau de liberdade na execução do Orçamento”, afirma o estudo.
Além disso, o Executivo perderia um de seus principais instrumentos de barganha com os deputados.
Hoje, as emendas parlamentares individuais são de custeio obrigatório, mas as emendas coletivas (ou de bancadas) dependem de autorização do governo. Esse montante previsto serve de margem de manobra para contingenciamento orçamentário ante o rombo fiscal ou moeda de troca para garantir apoio em votações importantes no Congresso, por exemplo.
“O grande impacto é a sinalização de derrota do governo, que perde espaço decisório, fica mais engessado, com mais dificuldade de equalizar o Orçamento e reduzir o déficit fiscal (estimado em R$ 139 bilhões neste ano)”, afirmou Juliana Inhasz, professora e coordenadora da graduação em economia do Insper.
Para Inhasz, a votação da PEC também evidencia que “o governo não tem tanto poder quanto acha que tem”. Como possível consequência, seria preciso ceder mais do que o esperado para aprovar a reforma da Previdência, reduzindo seu impacto fiscal.
Paulo Guedes vai ao Congresso e cobra apoio
O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi nesta quarta à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado conversar com congressistas sobre a reforma da Previdência.
Guedes disse que o país precisa fazer uma reforma da Previdência capaz de economizar pelo menos R$ 1 trilhão, sob pena de deixar as próximas gerações sem aposentadorias. O ministro comparou ainda o sistema atual a um avião prestes a cair – e disse que, se não tiver apoio do governo ou do Congresso para a reforma, pode deixar o cargo.
“Se o presidente apoiar as coisas que eu acho que podem resolver para o Brasil, eu estarei aqui. Agora, se, ou o presidente, ou a Câmara ou ninguém quer aquilo, eu vou obstaculizar o trabalho dos senhores? De forma alguma. Eu voltarei para onde sempre estive. Tenho uma vida fora daqui. Venho para ajudar, acho que tenho algumas ideias interessantes. Aí o presidente não quer, o Congresso não quer. Vocês acham que vou brigar para ficar aqui? Eu estou aqui para servi-los. Se ninguém quiser o serviço, vai ser um prazer ter tentado”, disse Guedes.
Ele fez a ressalva de que não será “inconsequente” e “irresponsável” de sair “na primeira derrota”.
A ida de Guedes ao Senado ocorreu depois dele cancelar um outro encontro, previsto para a terça-feira (26), na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Guedes foi inclusive criticado por ter adiado encontros anteriores no Senado.
“O senhor adiou três vezes a sua vinda aqui”, disse a Guedes o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).
Um acordo foi feito para que ele compareça à Câmara na próxima quarta-feira (3).
Em quase quatro horas de audiência, Guedes frisou a importância da reforma.
“Há uma bomba relógio demográfica. A pirâmide demográfica brasileira está virando um losango, já virou (com a maioria da população na meia idade). Vai virar uma pirâmide invertida (com maioria de idosos) e o sistema vai quebrar”, comparou o ministro.
“Quando digo que precisamos de pelo menos R$ 1 trillhão (para lançar o sistema de capitalização), é a responsabilidade com as futuras gerações. Se fizermos menos de R$ 1 trilhão (de economia com a reforma), não tem problema, nós estaremos sacando contra nossos filhos e netos. Nós não poderemos lançar a nova Previdência com o regime de capitalização. E nós vamos condenar filhos e netos por nosso egoísmo, nossa incapacidade de fazer um sacrifício entre nós mesmos”, acrescentou ele.
Em seguida, o ministro passou a usar metáforas aeronáuticas para tratar do tema. Segundo Guedes, a Previdência atual é um “avião que vai cair”.
“Nós não estamos tirando nada de ninguém. É opcional. Quem quiser, fica no sistema antigo. E quem quiser, fica no sistema novo. Você só estará fazendo uma pergunta para o seu filho. ‘Filhinho, se você quiser (pode) vir com o papai aqui nesse avião que vai cair. Se você preferir, e eu acho bom para você, vai nesse outro voo aqui, que é pra outro lugar. Você tem o controle da sua própria conta, você vai nessa outra direção’. Você está democratizando o ato de poupança, você está dando a capacidade de investimento para este jovem”, disse.