Há dez anos Fernanda Abra percorre vias do Brasil e propõe soluções para reduzir atropelamentos de animais como onça, lobo-guará e jaguatirica. A bióloga está entre os vencedores do prestigiado prêmio Future for Nature.
A bióloga brasileira Fernanda Abra, de 33 anos, sabe o que irá dizer à plateia internacional quando subir ao palco para receber o prêmio Future for Nature, em Amsterdã, na próxima sexta-feira (03/05).
Escolhida pela Fundação Future for Nature, organização internacional com sede na Holanda, entre centenas de jovens pesquisadores que atuam na proteção de espécies de plantas e animais, Abra falará ao público sobre o país de onde vem, ressaltando que, apesar de ser dono da maior biodiversidade do mundo, o Brasil planeja seu crescimento sem levar essa riqueza em conta.
“Isso é muito visível quando a gente fala da expansão da rede de transporte. O Brasil tem a quarta maior malha rodoviária do mundo, mas que não vem acompanhada de inovações técnicas que respeitem o patrimônio natural”, diz Abra em entrevista à DW Brasil.
Há dez anos, Abra percorre estradas do país investigando e propondo formas de diminuir o atropelamento de animais silvestres em rodovias. O trabalho, agora reconhecido internacionalmente, é considerado inovador por combater um problema que surge como risco global às espécies: a expansão de obras de infraestrutura.
“Essa expansão é uma ameaça que vai crescer exponencialmente nas próximas décadas nos países ricos em biodiversidade. O trabalho da Fernanda Abra antecipa essa ameaça e, baseado numa ciência sólida, fornece evidências e soluções concretas”, justifica o comitê que a escolheu como uma entre três vencedores da edição de 2019.
A contagem de animais mortos nas rodovias virou rotina para Abra. Dentre as mais mortíferas está a MS 40, que liga Campo Grande a Santa Rita do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul. Aclamada à época de seu asfaltamento, em 2015, como via importante para tirar a região do isolamento, a estrada se transformou numa central de atropelamentos de animais – foram 289 no primeiro semestre do ano passado, segundo dados da Fundação Ipê, que atua na região.
Esse é um dos motivos que levou a bióloga, junto com a Ipê, a mover uma ação civil pública contra o estado. “As condicionantes do licenciamento não foram cumpridas. Não foi feito estudo de fauna ou ações para evitar atropelamentos”, detalha. “Os bichos morrem e podem causar grandes acidentes e prejudicar a saúde das pessoas.”
É essa a região do Pantanal, considerada a “carnificina” das estradas, que mais atrai turismo de contemplação no país. A anta, animal que chega a pesar até 300 quilos e está ameaçado de extinção, está entre as vítimas.
Parte da solução apontada pela bióloga premiada começa a ser adotada em algumas rodovias brasileiras: criação de pontos de passagem para que os animais cruzem as rodovias em segurança. Por baixo da estrada, na maior parte dos casos.
“No Brasil, a legislação permite que a pessoa que sofre dano nas estradas num acidente com animais na pista, por exemplo, seja indenizada. As administradoras das rodovias preferem pagar ou prevenir?”, questiona, alegando que medidas que evitam atropelamento têm retorno rápido.
Milhares de animais mortos
Só no estado de São Paulo, foram registrados 28 mil acidentes envolvendo animais e vítimas humanas entre 2003 e 2013, segundo dados da Polícia Militar Rodoviária.Um estudo que acaba de ser finalizado por Abra estima que 38 mil mamíferos de médio e grande porte morrem por ano em rodovias pavimentadas paulistas.
O levantamento faz parte da pesquisa de doutorado de Abra, que está em fase final. Com base em modelagem computacional e registros de casos, o trabalho tenta prever possíveis locais de atropelamento nas estradas paulistas, de acordo com as variáveis ambientais. Os resultados podem salvar vidas de capivaras, onças-pardas, lobos-guará, jaguatiricas, raposinhas-do-campo – além de motoristas e passageiros.
“Todo esse esforço é para promover uma mudança de cultura no país, fazer com que administradores de rodovias entendam que é importante integrar a dinâmica de fauna ao planejamento das estradas”, afirma Abra.
“É possível reduzir o impacto. É o que vemos no nosso monitoramento. Cada animal que usa uma passagem de fauna é motivo de comemoração”, diz sobre o efeito das estruturas implantadas em estradas.
Aplicação do dinheiro
Depois de receber o prêmio na Holanda, a bióloga voltará ao Brasil para cumprir o plano de aplicar os 50 mil euros recebidos pela Fundação Future for Nature. O dinheiro vai custear o treinamento de quem trabalha com engenharia nas estradas, agências de meio ambiente e de transporte pelo país.
“Existe um despreparo de órgãos públicos, que precisam ser mais rígidos e oferecer um roteiro às empresas que constroem as rodovias”, diz sobre a importância da capacitação.
A bióloga Patricia Medici foi a primeira brasileira entre os ganhadores da edição que inaugurou a premiação em dinheiro, em 2008. “A contribuição financeira permitiu que o trabalho fosse expandido num novo bioma, o Pantanal”, relembra Medici, que trabalha na conservação das antas.
Toda a atenção recebida fora do país ajudou também os brasileiros a entender por que a anta precisava de cuidados para não desaparecer. “Ganhar o prêmio foi um respaldo de confiança por parte da comunidade científica, um reconhecimento de que fazíamos um trabalho com uma abordagem científica sólida”, pontua Medici.
Medici atualmente comanda a Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB). Além da pesquisa científica, o grupo atua em programas de educação ambiental e capacitações para manter vivo o mamífero terrestre da América do Sul.
Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 30/04/2019