Reforma da Previdência é só uma entre muitas necessárias

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Imagem publicada na matéria da DW Brasil

Duas análises, uma do Banco Mundial e a outra do Fundo Monetário Internacional (FMI), que saíram de forma quase simultânea, desenham um cenário sombrio para o futuro do Brasil. Em resumo, elas dizem: só será possível acabar com a pobreza e a desigualdade se a produtividade brasileira aumentar, e o Brasil, crescer. Mesmo depois de uma década de crescimento, um em cada cinco brasileiros continua vivendo abaixo da linha de pobreza. Cerca de 10 milhões vivem na miséria.

Desde o início do ano, o Banco Central revisa suas perspectivas econômicas para baixo. Sua pesquisa junto ao mercado financeiro mostra que, este ano, o Brasil crescerá de novo apenas 1,5%. É até possível que o crescimento, no primeiro trimestre, tenha caído de novo – pela primeira vez desde a grave recessão de 2014 a 2016.

O economista Armando Castelar calculou que, entre 2010 e 2020, a renda per capita dos brasileiros crescerá apenas 1% – em todo o período, e não por ano. “Já agora podemos claramente falar de uma década perdida”, diz Castelar, que foi economista-chefe do BNDES.

Na verdade, isso não é nada de extraordinário na história da economia brasileira. Desde 1980, o crescimento per capita médio do Brasil, de 1%, é muito abaixo da média, e ainda mais se comparado com mercados emergentes de rápido crescimento. Mas também na comparação com a América Latina, o Brasil fica para trás: Colômbia, Chile, Peru, Uruguai e Paraguai registraram crescimentos per capita mais rápidos desde 2010.

Com isso, a importância do Brasil para a economia mundial diminui. A Indonésia acabou de tirar do Brasil o posto de sétima maior economia do mundo. Até 2024, segundo a projeção do FMI, a participação do Brasil na economia mundial continuará caindo. Em 1980, a participação brasileira no Produto Interno Bruto (PIB) mundial era de 4,4%. Hoje é de 2,5% – o menor nível em 40 anos.

Para a maioria dos brasileiros, provavelmente tanto faz se o Brasil é a sétima, a oitava ou – quem sabe em breve – a décima maior economia do mundo. Mas não deveria ser assim: pois só com forte crescimento é possível diminuir a pobreza e a desigualdade social no Brasil. É o que mostra um novo estudo do Banco Mundial, chamado Efeitos dos Ciclos Econômicos nos Indicadores Sociais da América Latina e Caribe: Quando os Sonhos Encontram a Realidade.

Segundo esse estudo, a ascensão social de quase 40 milhões de brasileiros, entre 2003 e 2014, deveu-se sobretudo à alta nos preços das matérias-primas e bem menos a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Em números exatos, as elevadas exportações nesse período responderam por 54% da redução da pobreza. Um terço da redução da pobreza é atribuído a medidas políticas de distribuição de renda, e apenas 13% se deveu a esforços estruturais, como alta dos investimentos ou da produtividade, por exemplo por meio de uma melhor formação. Segundo o FMI, o Brasil é um dos países do mundo cujo desenvolvimento mais depende de fatores externos, como preços das matérias-primas, liquidez internacional e instabilidades políticas e institucionais.

Em resumo, pode-se dizer que a redução da pobreza nos anos 2000 deveu-se sobretudo a fatores externos, sobre os quais nem o governo nem as empresas nem a população têm alguma influência. Isso pode ser facilmente provado com o período posterior. Os preços em queda do petróleo, do minério de ferro, da soja e do açúcar fizeram a pobreza aumentar no Brasil a partir de 2013 – – embora os mecanismos de distribuição, como o Bolsa Família, tenham sido mantidos a um nível semelhante: entre 2014 e 2017, 7,4 milhões de brasileiros caíram para abaixo da linha da pobreza – ou seja, podem gastar menos de 5,5 dólares por dia, ou R$ 22.

No fim de 2017, 44 milhões de brasileiros estavam nessa situação. Isso é menos do que um em cada cinco brasileiros. De lá para cá, o exército de pobres deve ter aumentado ainda mais, pois o Brasil quase não cresceu em 2018. Os números ficam ainda mais assustadores quando se considera os que vivem na miséria. Esses têm no máximo 1,9 dólar, ou R$ 7,50, por dia. No fim de 2017, eles eram um quarto de todos pobres, ou quase 10 milhões de brasileiros.

Todos os números ficam ainda mais preocupantes quando se leva em conta que nada indica que a economia brasileira vá se recuperar em breve. E não se trata apenas da reforma da Previdência, com a qual o governo enfrenta imensas dificuldades para uma aprovação no Congresso. A lista de reformas necessárias é longa. O FMI aconselha, em sua detalhada e mais recente análise, Brazil: Boom, Bust and Road to Recovery, uma abertura da economia, a simplificação do sistema fiscal, uma maior eficiência do setor de crédito, a melhora da infraestrutura, a reforma do mercado de trabalho e o combate à corrupção.

Alexander Busch, jornalista é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt  e do jornal Neue Zürcher Zeitung. É autor de vários livros sobre o Brasil.

Soa como uma lista de desejos impossíveis diante da atual situação política. Mas há os exemplos de outros países, que tiveram que enfrentar problemas semelhantes aos que o Brasil agora enfrenta e mesmo assim conseguiram elevar continuamente sua renda per capita: a Coreia do Sul é o modelo por excelência, mas também o Chile mostrou como uma política financeira disciplinada pode trazer progressos sociais e econômicos.

Crédito:Alexander Busch/Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 30/04/2019

Nota: O presente artigo não traduz a opinião do ASMETRO-SN. Sua publicação tem o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. 

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