Contingenciamento atinge mais de 200 órgãos e supera R$ 30 bilhões

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Com baixa arrecadação e sem perspectiva de melhora da economia, governo Bolsonaro anuncia uso de R$ 3,8 bilhões da reserva para evitar ampliação de cortes orçamentários. Após protestos, parte vai para Educação.    

 

O contingenciamento orçamentário do governo federal para 2019 já supera a cifra de R$ 30,5 bilhões, de acordo com dados do Sistema Integrado da Administração Financeira (Siafi), órgão ligado ao Tesouro Nacional.

Com uma nova previsão de queda na arrecadação, a equipe econômica do governo anunciou nesta quarta-feira (22/05) o uso de parte da reserva de R$ 5,3 bilhões para evitar uma ampliação da redução orçamentária anunciada ainda no final de março e que gerou protestos no país por causa do impacto nas universidades federais.

O uso da reserva foi para cobrir uma redução de arrecadação de R$ 2,2 bilhões, liberando ainda R$ 1,58 bilhão para aliviar os cortes no Ministério da Educação e R$ 56 milhões para o Ministério do Meio Ambiente. Com isso, a reserva ficou reduzida a R$ 1,5 bilhão.

Já são 202 órgãos, entre administração direta de ministérios, fundações e universidades, afetados pela redução de verba para despesas discricionárias, que concentram gastos com custeio e investimentos.

O secretário da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Jr, disse durante o anúncio que houve uma queda de previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,2% para 1,6% em 2019, o que também afeta a expectativa de arrecadação da União.

Com esse cenário pouco animador, especialistas apontam que dificilmente a arrecadação deve melhorar até o final do ano, o que poderia reverter as recentes alterações no orçamento.

O orçamento do governo é aprovado pelo Congresso no ano anterior, na Lei Orçamentária Anual (LOA). O texto tem uma estimativa de receita e define despesas do próximo ano. Quando a arrecadação não corresponde ao esperado, o Executivo altera o orçamento dos ministérios ainda no primeiro trimestre do ano para evitar que a máquina pública gaste mais do que recebeu.

O professor de economia Antônio Carlos Porto Gonçalves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), explica que não é incomum governos aplicarem contingenciamentos. “Já que houve uma dificuldade de receita, o governo reduz os repasses. Todos os governos fizeram isso, sem exceção, desde o início dos anos 1990. O que depende do governo é a escolha das áreas afetadas”, afirma.

Como a legislação trata apenas de uma estimativa de receita, em economês a ação do governo não poderia ser chamada de corte ou bloqueio de verba. Isso gerou um debate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, de um lado, e a imprensa e a oposição, do outro. O governo criticou quem chamou a redução orçamentária de corte.

Bolsonaro insultou uma jornalista da Folha de S. Paulo que perguntou sobre cortes na educação durante uma visita do presidente aos Estados Unidos. No entanto, presidente e ministro já escorregaram em sinônimos e chamaram o contingenciamento de corte em alguns momentos. Seja qual for a palavra escolhida, Gonçalves explica que, na prática, a medida significa que os órgãos terão menos verba para gastar.

“Não existe bloqueio ou corte em termos legais. Se você recebe pelo que trabalha, terá que reduzir as despesas para não ficar no negativo quando trabalhar menos. Já se trabalhar mais no mês seguinte, vai receber mais e pode retomar alguns gastos. É assim que o orçamento funciona. O que causou toda essa confusão de corte e contingenciamento foi o próprio anúncio catastrófico do governo, que inicialmente tratou a redução orçamentária como punição a algumas universidades”, critica Gonçalves.

Em abril, Weintraub chegou a anunciar que as reduções orçamentárias ocorreriam em universidades onde estariam ocorrendo “balbúrdias”. A reação da população veio em 15 de maio, com manifestações nas 27 capitais estaduais.

Com redução de R$ 114 milhões no orçamento discricionário, além de R$ 15 milhões que viriam de emendas parlamentares (destes, R$ 11 milhões iriam para a restauração do Museu Nacional), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é a instituição de educação mais afetada pelo contingenciamento. Seu reitor, Roberto Leher, explica que o orçamento para custeio da universidade foi reduzido a ponto de correr o risco de não honrar as despesas no segundo semestre.

“Já sofremos com contingenciamentos anteriores, mas este é o de maior impacto, pois nos últimos quatro anos tivemos uma redução global de 30% do orçamento discricionário por não reajustar a inflação do período. São verbas que usamos para pagar material de laboratório, conta de luz e até segurança no campus. O custo mensal da UFRJ para essas despesas é de cerca de R$ 30 milhões. Com o contingenciamento só sobram R$ 33 milhões, então só conseguimos pagar as contas até o mês de junho”, diz o reitor.

No decreto presidencial 9.741, de 29 de março, a previsão era de redução de cerca de R$ 29,5 bilhões no orçamento, e ainda R$ 5,3 bilhões de reserva para emergência. No entanto, de acordo com dados do Siafi, até terça-feira os valores bloqueados na conta contábil relacionada ao decreto já haviam ultrapassado R$ 30,5 bilhões em bloqueios no orçamento de um total de 202 órgãos do Executivo. 

Com baixa arrecadação e a expectativa de crescimento do PIB em 1,6%, o governo aposta as fichas na reforma da Previdência para animar investidores, melhorar a economia e recuperar a receita. Para Gonçalves, essa conta não fecha de forma tão simples.

“Não há arrecadação, e a reforma da Previdência não vai trazer esses resultados em curto prazo. Precisamos de uma reforma previdenciária porque evidentemente o país está envelhecendo, mas isso não é uma solução imediata para a economia, no máximo uma aprovação dessa reforma indicaria que a atual gestão consegue governar, e isso passaria um sinal de confiança para o setor econômico”, diz o professor.

Em valores percentuais, o Ministério de Minas e Energia é o mais afetado pelo contingenciamento. A redução do orçamento discricionário da pasta chega a 80%, reduzindo de R$ 4,7 bilhões para R$ 969 milhões. Questionado pela DW sobre quais áreas e programas serão afetados, o ministério respondeu que o contingenciamento está sendo administrado “para manter a regularidade das atividades em curso das unidades da pasta”. A nota ainda afirma que o setor de fiscalização da Agência Nacional de Mineração, órgão responsável por vistoriar barragens de minério, não sofreu redução orçamentária para 2019.

O histórico de contingenciamentos aprovados pelo Executivo mostra reduções anuais em despesas, mesmo que, em alguns anos, a receita possa ter melhorado. Foram R$ 69,9 bilhões contingenciados em 2015, R$ 23,4 bilhões em 2016, R$ 42,1 bilhões em 2017 e R$ 16,2 bilhões no ano passado.

Para o economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, que coordenou um estudo recente sobre o impacto do contingenciamento em programas do governo, apesar de o Executivo ter feito reduções maiores em anos anteriores, o impacto deste ano é mais severo. “A economia brasileira está em situação ruim há alguns anos. É como se o Executivo fosse cortando cada vez mais, então acaba chegando a uma situação crítica. Costumo dizer que já cortamos a gordura, depois a carne e agora chegamos ao osso”, conta Castello Branco.

Castello Branco aponta que o estudo do Contas Abertas só foi possível porque, pela primeira vez, o governo liberou em seus sistemas de controle orçamentário dados para detalhamento de forma mais ampla de quais órgãos foram afetados pela redução orçamentária, não apenas ministérios. Isso mostrou, por exemplo, que as universidades federais sofreram em média 24% de corte orçamentário em despesas discricionárias.

Crédito:  Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 23/05/2019

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