Operadoras de saúde querem voltar a vender planos individuais, mas com serviço reduzido

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As operadoras de saúde querem voltar a vender planos individuais, mas num modelo mais segmentado, em que o acesso a serviços poderá ser bem mais restrito, de olho nos brasileiros hoje atendidos pelo SUS.

Num cenário de 13 milhões de desempregados e sem expectativas de crescimento rápido e massivo de vagas, as empresas do setor — que devem movimentar cerca de R$ 200 bilhões este ano — veem os planos individuais como o caminho para ampliar o número de usuários da saúde suplementar, que encolheu em cerca de três milhões de beneficiários desde 2014.

Há muito tempo os planos individuais são um produto escasso — representam apenas 19% do mercado —, embora sejam uma demanda de muita gente. O excesso de regulação desses contratos é o motivo alegado para a retirada do produto do portfólio das operadoras, que passaram a se concentrar nos últimos anos nos contratos coletivos empresariais, que saltaram de 7,5 milhões de beneficiários, no ano 2000, para 31,5 milhões, em março deste ano.

A retomada da oferta dos planos individuais, no entanto, foi atrelada a mudanças na regulação. Uma proposta de projeto de lei com 89 artigos foi elaborada pelo setor para ser entregue ao governo. Conforme revelado pelo colunista do GLOBO Elio Gaspari no último domingo, o documento sugere, por exemplo, que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deixe de limitar os reajustes dos planos e os aumentos possam variar por região, tipo de plano e padrão de cobertura. O texto também prevê que o rol de procedimentos de cobertura obrigatória seja flexibilizado, que prazos máximos para atendimento sejam revistos e multas, limitadas.

Aliança com prestadores

A mudança conta com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Em podcast publicado em 24 de junho, ele elenca os planos de saúde entre as prioridades da agenda regulatória do Congresso e fala em novo marco legal do setor ou desregulamentação para a ampliação do número de beneficiários dos atuais 47 milhões para a casa dos 70 milhões. Para ele, isso ajudaria a desafogar o SUS, diante da falta de caixa de estados e municípios para investir em saúde.

A FenaSaúde, que reúne as maiores operadoras, e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) defendem a necessidade de mudar regras para ampliar o acesso à saúde suplementar, mas dizem que não são as autoras do projeto de lei elaborado pelo setor, ao qual O GLOBO teve acesso.

Dessa vez, as operadoras não estão sozinhas. Foi selada uma trégua nos frequentes conflitos com os prestadores de serviços hospitalares, que se juntaram ao movimento pela revisão do marco legal.

— É urgente uma discussão da lei, que já tem 20 anos, e mais de 190 projetos no Congresso propondo modificações. Muitas vezes, excesso de regulamentação inibe o acesso. Há uma coalizão no setor, incluindo os prestadores, na busca por controle de custos e redução de desperdícios, mas também por caminhos para a ampliação de beneficiários. Isso é bom para o setor, para o SUS e para a sociedade. Não vejo risco de retrocessos — diz Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde.

Claudia Cohn, presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), diz que a ideia é diversificar a oferta de produtos para que o consumidor possa escolher dentro da sua possibilidade de pagamento. Vera conta que uma das propostas seria a oferta de um plano ambulatorial sem oncologia. Nesse modelo, caso o consumidor fosse diagnosticado com câncer, seria encaminhado para o SUS. Pelo projeto de lei desenhado pelo setor, seria possível até a oferta de plano apenas com consultas e sem exames.

Reajustes regionais

Na visão da médica e especialista em saúde pública Ligia Bahia, professora da UFRJ, planos com consultas e sem atendimento mais complexo não respondem à necessidade de assistência dos brasileiros:

– É uma oferta que interessa ao mercado e ainda cria uma fila paralela para o atendimento no SUS. É como se pobre pudesse escolher só ter doença básica.

Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio, concorda:

— O setor viveu 30 anos, antes da lei, sem regulação, e aprendemos o suficiente para saber que ela deve ser forte.

Para a advogada Maria Stella Gregori, autora de livros sobre o tema, é necessário aprimorar a lei, mas é a ANS que deve capitanear esse processo:

— Não pode haver retrocessos das garantias. Mas podemos pensar, por exemplo, em reajustes regionais.

A ANS disse conhecer apenas os projetos em tramitação no Congresso e destacou avanços da regulação em prol do consumidor, como o fim de limitações de dias de internação e prazos para atendimento.

Crédito: Luciana Casemiro/O Globo – disponível na internet 18/07/2019

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