STF decide que cumprimento da pena deve começar após esgotamento de recursos

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A decisão não afasta a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado, desde que sejam preenchidos os requisitos do Código de Processo Penal para a prisão preventiva.

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional a regra do Código de Processo Penal (CPP) que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado da condenação) para o início do cumprimento da pena. Nesta quinta-feira (7), a Corte concluiu o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, que foram julgadas procedentes.

Votaram a favor desse entendimento os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF. Para a corrente vencedora, o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”, está de acordo com o princípio da presunção de inocência, garantia prevista no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que entendiam que a execução da pena após a condenação em segunda instância não viola o princípio da presunção de inocência.

A decisão não veda a prisão antes do esgotamento dos recursos, mas estabelece a necessidade de que a situação do réu seja individualizada, com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão preventiva previstos no artigo 312 do CPP – para a garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

O julgamento das ADCs foi iniciado em 17/10 com a leitura do relatório do ministro Marco Aurélio e retomado em 23/10, com as manifestações das partes, o voto do relator e os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Na sessão de 24/10, o julgamento prosseguiu com os votos dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. Na sessão de hoje, proferiram seus votos a ministra Cármen Lúcia e os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Ministra Cármen Lúcia

A ministra aderiu à divergência aberta na sessão de 23/10 pelo ministro Alexandre de Moraes, ao afirmar que a possibilidade da execução da pena com o encerramento do julgamento nas instâncias ordinárias não atinge o princípio da presunção de inocência. Segundo ela, o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal deve ser interpretado em harmonia com os demais dispositivos constitucionais que tratam da prisão, como os incisos LIV (devido processo legal) e LXI (prisão em flagrante delito ou por ordem escrita).

A eficácia do direito penal, na compreensão da ministra, se dá em razão da certeza do cumprimento das penas. Sem essa certeza, “o que impera é a crença da impunidade”. A eficácia do sistema criminal, no entanto, deve resguardar “a imprescindibilidade do devido processo legal e a insuperável observância do princípio do contraditório e das garantias da defesa”.

Ministro Gilmar Mendes

Em voto pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, após a decisão do STF, em 2016, que passou a autorizar a execução da pena antes do trânsito em julgado, os tribunais passaram a entender que o procedimento seria automático e obrigatório. Segundo o ministro, a decretação automática da prisão sem que haja a devida especificação e individualização do caso concreto é uma distorção do que foi julgado pelo STF.

Para Mendes, a execução antecipada da pena sem a demonstração dos requisitos para a prisão viola o princípio constitucional da não culpabilidade. Ele salientou que, nos últimos anos, o Congresso Nacional aprovou alterações no CPP com o objetivo de adequar seu texto aos princípios da Constituição de 1988, entre eles o da presunção de inocência.

Ministro Celso de Mello

Ao acompanhar o relator, o ministro afirmou que nenhum juiz do STF discorda da necessidade de repudiar e reprimir todas as modalidades de crime praticadas por agentes públicos e empresários delinquentes. Por isso, considera infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. Segundo ele, a repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados. O decano destacou ainda que a Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público.

O ministro ressaltou que sua posição em favor do trânsito em julgado da sentença condenatória é a mesma há 30 anos, desde que passou a integrar o STF. Ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não impede a decretação da prisão cautelar em suas diversas modalidades.

Ministro Dias Toffoli

Último a votar, o presidente do STF explicou que o julgamento diz respeito a uma análise abstrata da constitucionalidade do artigo 283 do CPP, sem relação direta com nenhum caso concreto. Para Toffoli, a prisão com fundamento unicamente em condenação penal só pode ser decretada após esgotadas todas as possibilidades de recurso. Esse entendimento, explicou, decorre da opção expressa do legislador e se mostra compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência. Segundo ele, o Parlamento tem autonomia para alterar esse dispositivo e definir o momento da prisão.

Para o ministro, a única exceção é a sentença proferida pelo Tribunal do Júri, que, de acordo com a Constituição, é soberano em suas decisões. Toffoli ressaltou ainda que a exigência do trânsito em julgado não levará à impunidade, pois o sistema judicial tem mecanismos para coibir abusos nos recursos com a finalidade única de obter a prescrição da pena.

STF 08/11/2019


STF abre caminho para libertação de Lula ao derrubar prisão após 2ª instância

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no começo da noite desta quinta-feira (07/11) proibir por 6 votos a 5 o início do cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos dos réus, o chamado trânsito em julgado.

O julgamento no Supremo abre o caminho para a soltura de até 4.895 presos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre eles, está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O caso mais avançado contra o petista, o do tríplex do Guarujá, ainda tem recursos pendentes. Isto é, ainda não transitou em julgado.

Votaram a favor da prisão apenas depois do trânsito em julgado os ministros Marco Aurélio Mello, relator do caso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF.

Já a tese derrotada — a favor da prisão em segunda instância — foi defendida pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

O julgamento estava empatado em 5 a 5 até o voto de Dias Toffoli, que decidiu na prática a questão.

No seu voto, o presidente do STF destacou que o julgamento foi o primeiro no qual o STF analisou, de forma abstrata, se o Artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) está de acordo com a Constituição.

Este artigo diz que “ninguém poderá ser preso senão (…) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”.

O ministro, portanto, não teria mudado de posição. Ele votou pela prisão após segunda instância em situações anteriores, quando casos de pessoas concretas estavam sendo julgados.

“Aqui, não estou analisando fatos. Estou analisando abstratamente a compatibilidade (do art. 283 do CPP com a Constituição). Não entendo que a norma (do CPP) necessite alguma interpretação conforme. A leitura dela cabe no texto da Constituição”, afirmou.

“Voto pela procedência das ações, para assim como fez o relator (Marco Aurélio Mello), declarar a compatibilidade da vontade expressa do povo brasileiro, estabelecida pela lei (o Código de Processo Penal). Este dispositivo é compatível com a Constituição brasileira, uma vez que não contém erro ou contrariedade com a deliberação realizada pelo parlamento ao editar a Constituição de 1988”, disse Toffoli ao final.

O presidente da Corte afirmou que seu voto não se estende às pessoas que estejam presas preventivamente ou cometido crimes contra a vida, e nem àqueles que tenham sido mandados para a prisão pelo Tribunal do Júri.

Toffoli também fez a ressalva de que o Congresso Nacional pode voltar a deliberar sobre o assunto — uma alteração no Código de Processo Penal poderia estabelecer a prisão após segunda instância, e isto não ofenderia a Constituição, para o ministro.

Condenado a mais de 8 anos de prisão pelo Superior Tribunal da Justiça (STJ) no caso do tríplex no Guarujá, Lula está preso desde abril de 2018 na Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba. Os recursos apresentados no caso do tríplex pela defesa estão em análise no STJ.

Com a decisão do STF nesta quinta, a prisão de Lula (e dos outros réus que já cumprem pena após a segunda instância) foi considerada inconstitucional. O ex-presidente deverá sair da cadeia e terá o direito de aguardar ao fim do processo em liberdade.

soltura de Lula deve acontecer já nos próximos dias. Existe a possibilidade de que a decisão só tenha efeito depois de publicada no Diário Oficial de Justiça, o que deve acontecer no máximo até a manhã desta sexta-feira.

Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin disse que, após conversar com o ex-presidente, pretende apresentar nesta sexta-feira um pedido por sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF. “Reiteraremos o pedido para que a Suprema Corte julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades.”

O julgamento começou no dia 17 de outubro, baseado em três Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADCs), apresentadas pelo antigo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B).

As ações pediam que o Supremo declarasse constitucional (isto é, de acordo com a Constituição) o artigo 283 do CPP. A argumentação se baseia no inciso 57 (LVII) do artigo 5º da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado”.

Como votaram os outros ministros

Antes de Dias Toffoli, votaram na tarde desta quinta os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Os dois primeiros foram a favor da pela mudança no entendimento do tribunal, enquanto a última defendeu a prisão após segunda instância.

Celso de Mello começou destacando que, caso ocorra uma mudança no entendimento do STF sobre o tema, isso não significa o fim completo da prisão antes do trânsito em julgado. Pessoas que cometerem crimes violentos, por exemplo, continuarão a ser presas preventivamente, antes mesmo de condenadas.

“Portanto, não é correto afirmar que apenas depois do esgotamento de todas as vias recursais se admitirá o encarceramento”, argumentou.

O ministro ressaltou ainda que o julgamento trata de uma “cláusula fundamental” da Constituição, “cujo texto exige e impõe o requisito adicional do trânsito em julgado (para o início da pena)”.

Celso de Mello fez ainda uma longa fala sobre a importância do processo penal para a proteção dos indivíduos “contra o abuso de poder eventualmente perpetrado por agentes estatais”.

“Esta Corte Suprema não julga em função da qualidade das pessoas ou de sua condição econômica, social, política, estamental (grupo social) ou funcional”, disse.

Em seu voto, Gilmar Mendes disse que o “fator fundamental” para a sua mudança de orientação foi a forma como os tribunais de instâncias inferiores passaram a entender a decisão do STF de 2016.

O que o STF disse à época era que a prisão após 2ª instância era uma “possibilidade”, e não algo obrigatório, disse Gilmar.

“Decidiu-se que a execução da pena era possível, mas não imperativa. De fato, na própria ementa (do julgamento de 2016), estabeleceu-se que a execução era uma possibilidade, e não uma obrigatoriedade”, disse Gilmar.

“Todavia, a realidade é que, após o julgamento de 2016, os tribunais passaram a entender como algo imperativo”, “sem nenhuma análise”, disse o ministro.

No voto, Gilmar Mendes contestou a fala de Cármen Lúcia de que proibição da prisão antes do fim do processo favorece os mais ricos. Ele diz que defensores públicos “desmistificaram esse discurso” mostrando que pessoas pobres também conseguem reverter condenações em segunda instância.

Cármen Lúcia iniciou seu voto na tarde desta quinta-feira (07) deixando claro que mantém seu posicionamento histórico no tema: a favor da prisão já depois da segunda instância. A ministra mantém a mesma posição desde que o STF tratou do assunto pela primeira vez, em 2009.

Segundo a ministra, advogados de ambos os lados apresentaram bons argumentos na tribuna do Supremo, mas estes não chegaram a alterar o seu entendimento sobre a questão.

Para a Cármen Lúcia, a impossibilidade de prisão antecipada gera “crença da impunidade”, principalmente para os réus com mais recursos para explorar o “intrincado sistema de recursos” da Justiça brasileira. “Punição incerta”, disse Cármen, “alimenta mais crimes, enfraquece o sistema de direito”.

Saiba mais:

Crédito: BBC Brasil – disponível na internet 08/11/2019

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