De Bem com a Vida: Diabetes não é doença só de adulto

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Diabetes não é doença só de adulto: Brasil é 3º país com mais casos entre crianças e adolescentes

Há seis anos, a advogada Ana Paula Crispim Cavalheiro, de 44 anos, e o marido, o comerciante Fernando Coelho Cavalheiro, de 49 anos, notaram algumas mudanças no comportamento da filha mais nova, Caroline, hoje com 11 anos.

“Ela estava sempre cansada, perdendo peso, não conseguia segurar o xixi e bebia bastante água”, recorda a mãe. Por sugestão de uma amiga, representante de um laboratório que comercializa aparelhos medidores de glicose (glicosímetros), utilizou um para verificar o nível de açúcar no sangue da filha.

“Deu 372 mg/dl, quando o normal é menos de 100 mg/dl. Na mesma hora corremos para o hospital, e lá veio a comprovação: ela estava com diabetes tipo 1”, relata Ana Paula, acrescentando que Caroline teve de ficar nove dias internada, cinco deles na UTI.

A história de Pedro Henrique, de 9 anos, é bem parecida. Em 2016, seus pais também perceberam que ele estava fazendo muito xixi e tomando mais água do que o habitual.

“Como era verão, não fiquei tão preocupada assim, achei que era por causa do calor. Fora que uma semana antes tínhamos ido ao pediatra e estava tudo bem”, conta a mãe, a representante de vendas Erika Crapino Lopes, de 47 anos.

O menino, então, começou a perder peso. “Foi aí que vimos que tinha, sim, alguma coisa errada. No hospital, quando mediram a glicemia, ela estava 415 mg/dl. Ele fez outros exames e o médico nos informou que o diagnóstico era diabetes tipo 1 e que precisaria de internação. Foram sete dias na UTI e mais três no quarto”, complementa.

Caroline com a mãe, Ana Paula
“Ela estava sempre cansada”, diz Ana Paula sobre a filha, Caroline, antes do diagnóstico de diabetes. Direito de imagem ARQUIVO PESSOAL

Crianças e adolescentes diabéticos

Caroline e Pedro Henrique fazem parte de uma turma que só cresce no mundo, o de crianças e adolescentes diabéticos.

O 9º IDF Diabetes Atlas, divulgado recentemente pela Federação Internacional da Diabetes (a IDF, organização que congrega associações especializadas na doença em 168 países), aponta que 1,1 milhão de meninos e meninas com menos de 20 anos têm o tipo 1 da doença no mundo, e a estimativa é de que o aumento anual global de casos seja em torno de 3%.

Na América Latina, 127,2 mil convivem com a diabetes, e o país com mais registros é o Brasil: 95,5 mil casos. No ranking global, o país só perde em número de casos para os Estados Unidos e a Índia – os números, no entanto, não demonstram maior incidência da doença entre os brasileiros; de acordo com a IDF, a posição do país entre os primeiros do ranking se deve ao tamanho de sua população.

Segundo o relatório da IDF, cerca de 98,2 mil crianças e adolescentes com menos de 15 anos são diagnosticados com diabetes tipo 1 a cada ano – o número sobe para 128,9 mil quando a faixa etária se estende até os 20 anos.

“Nos últimos 10 anos, a prevalência de diabetes tipo 1 aumentou 14 vezes em crianças e adolescentes. Nesse grupo, é a doença crônica endocrinológica mais frequente e a segunda ou a terceira doença crônica pediátrica, dependendo da população, mais frequente”, afirma Raphael Del Roio Liberatore Júnior, endocrinologista pediátrico e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

Segundo o IDF, há evidências de que o diabetes tipo 2, que é mais frequente em adultos, também esteja aumentando entre crianças e adolescentes. Não há, entretanto, dados estatísticos confiáveis que confirmem isso.

Pedro Henrique com a mãe, Erika
Quando Pedro Henrique começou a perder peso, a mãe, Erika, ficou alarmada. Direito de imagem ARQUIVO PESSOAL

Razões do crescimento

Mas por que a diabetes infantil está crescendo tanto, e no mundo todo?

Em seu relatório anual, o IDF diz que esse fenômeno “é motivado por uma complexa interação entre fatores socioeconômicos, demográficos, ambientais e genéticos”.

Liberatore Júnior diz que as causas exatas ainda não são totalmente conhecidas, mas existem teorias. “A principal é o aumento do peso da população”, comenta o médico.

Para se ter uma ideia, no Brasil, a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2018, do Ministério da Saúde, revela que a obesidade cresceu 67,8% nos últimos treze anos, saltando de 11,8% da população em 2006 para 19,8% em 2018.

Em se tratando de crianças com idade entre 5 e 9 anos, os dados apontam que 3 a cada 10 delas estão acima do peso.

“A obesidade é o fator de risco mais importante para o diabetes tipo 2 porque gera uma situação de resistência à ação da insulina, ou seja, o corpo não consegue usá-la para controlar adequadamente os níveis de açúcar no sangue”, explica o endocrinologista.

No caso do tipo 1 da doença, esclarece Karla Melo, doutora em endocrinologia e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a ação do excesso de peso se dá de forma indireta.

Criança se pesando
Aumento da obesidade infantil é apontado como um importante fator para o avanço da diabetes. Direito de imagem PA MEDIA

“Em uma criança que já tenha predisposição genética para a enfermidade, o excesso de peso pode deflagar a reação imune à insulina ou de forma mais precoce ou mais intensa”, explica a médica.

Ainda sobre o diabetes tipo 1, mais uma explicação para a sua maior prevalência, de acordo com Liberatore Júnior, é a teoria (ou hipótese) da higiene.

Apresentada pelo médico inglês David Strachan, em 1989, ela sugere que meninos e meninas que não têm seus sistemas imunológicos estimulados desde cedo, por não entrarem em contato com micro-organismos presentes na natureza e viverem em ambientes extremamente limpos e estéreis, são mais propensos a desenvolver algumas patologias.

“Isso faz com que se contraiam menos doenças infecciosas e se produzam menos anticorpos contra o meio externo. Aí, como o sistema imune não tem inimigos fora, ele começa a destruir a parte de dentro, atacando o próprio organismo”, complementa o endocrinologista pediátrico.

Diabetes tipo 1 e tipo 2

O diabetes é uma doença crônica causada pela produção insuficiente ou pela má absorção de insulina, hormônio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo, tendo como consequência a elevação do nível de açúcar no corpo – o normal, para uma pessoa saudável e em jejum, é abaixo de 100 mg/dl.

Quando esse quadro prossegue por longos períodos, pode causar danos graves em diversos órgãos, vasos sanguíneos e nervos.

Na lista de complicações estão doenças cardiovasculares, insuficiência renal crônica, potenciais amputações dos membros inferiores, problemas na visão, acometimento dos nervos (neuropatia periférica) e cetoacidose diabética – quando processo do corpo para compensar a ausência de insulina acaba por deixar o sangue ácido. O risco de morte também é grande.

Os tipos de diabetes que acometem crianças e adolescentes são o 1 e o 2. O 1, de acordo com a SBD, se dá quando o próprio sistema imunológico ataca as células do pâncreas que produzem insulina, fazendo com que pouca ou nenhuma quantidade do hormônio seja liberada para o corpo.

Caroline
Caroline faz tratamento com insulina e precisa checar sua glicemia diariamente. Direito de imagem ARQUIVO PESSOAL

Seus principais sintomas são sede constante, vontade de urinar diversas vezes ao dia, alterações no apetite, perda de peso (mesmo comendo mais), fraqueza e fadiga.

O tratamento é feito com insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividades físicas.

O tipo 2, por sua vez, ocorre quando o corpo não consegue aproveitar adequadamente a insulina produzida ou não a produz em quantidade suficiente para controlar a taxa de glicemia.

Os sintomas, apesar de menos perceptíveis, são basicamente os mesmos do anterior, acrescido de formigamento nos pés e nas mãos, infecções frequentes na bexiga, nos rins e na pele, feridas que demoram para cicatrizar e visão embaçada.

Normalmente, o controle se dá com atividade física e planejamento alimentar. Casos mais graves exigem o uso de insulina e/ou outros medicamentos.

Embora não exista cura, Denise Reis Franco, diretora da ONG ADJ Diabetes Brasil, destaca que vários progressos ocorreram nos últimos anos.

“Foram desenvolvidas, por exemplo, insulinas mais modernas e eficazes e novos aparelhos domiciliares para medição de glicose e aplicação de insulina. Aos poucos, o diabético está tendo mais opções, que facilitam o tratamento, e isso é importantíssimo porque o maior desafio ainda é o controle do índice glicêmico, sobretudo entre os adolescentes”, diz.

Apesar disso, a especialista explica que o mais importante é prevenir o diabetes, com a adoção de hábitos saudáveis.

“Isso inclui controle do peso, dieta equilibrada, rica em verduras, legumes e frutas e com redução de sal, açúcar e gorduras, e a prática regular de atividade física, de acordo com cada faixa etária”, finaliza.

Criança com diabetes
“Nos últimos 10 anos, a prevalência de diabetes tipo 1 aumentou 14 vezes em crianças e adolescentes”, aponta especialista. Direito de imagem GETTY IMAGES

Caroline e Pedro Henrique: vigilância diária

Lidando com o diabetes tipo 1 há alguns anos, Caroline e Pedro Henrique fazem tratamento com insulina e precisam checar a glicemia todos os dias.

Para a medição, ambos usam um sistema de monitoramento contínuo de glicose (um pequeno sensor descartável inserido na pele). Já para a aplicação, ela utiliza a bomba de infusão e ele, a caneta de insulina.

Parte fundamental da terapia é uma dieta saudável. Nas refeições, Caroline também precisa fazer a contagem de carboidratos, para saber a quantidade exata de insulina que deve ser utilizada.

No caso de Pedro Henrique, por ainda estar na chamada fase de “lua de mel da diabetes” – quando é possível controlar os níveis de açúcar no sangue apenas com o tratamento com insulina -, isso, por enquanto, não é necessário.

Apesar de todo o controle, as mães revelam que de vez em quando permitem que os filhos comam algumas guloseimas, especialmente em festas de aniversário.

“Em certas ocasiões, a Caroline come um pedaço de bolo, um brigadeiro, uma fatia de pizza… mas depois precisamos fazer a correção com a insulina. Por isso, temos de saber exatamente tudo o que ela consome todos os dias e o dia todo”, conta Ana Paula.

Erika diz que evita proibições: “O meu medo é eu não deixar e o Pedro comer escondido. Prefiro ensiná-lo a se alimentar corretamente e saber o que ele coloca na boca”.

Depois do baque inicial com a notícia da doença, as duas famílias tiveram de se adaptar ao tratamento e à nova rotina, mas, atualmente, afirmam que conseguem conviver relativamente bem o problema.

“É uma luta diária, mas fazemos de tudo para que a nossa filha tenha a vida mais normal possível. E para que ela não se sinta sozinha, participamos de vários grupos e eventos sobre diabetes e incentivamos que ela tenha contato com outras crianças diabéticas”, conta Ana Paula.

“O Pedro, num primeiro momento, não lidou bem com o diagnóstico, aí o levei para a terapia”, relata Erika. “Hoje, ele é bem consciente e entende o que acontece no seu corpo. Claro que não dá para esquecer que ele tem uma doença, mas precisamos seguir a vida. A minha esperança é que no futuro descubram a cura ou, ao menos, uma terapia que maltrate menos as crianças.”

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