Com casos de covid-19 em alta, Rio enfrenta boatos e falta de estrutura

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Áudios de supostos médicos disseminam informações falsas e desafiam isolamento recomendado contra o coronavírus, que já deixou 17 mortes na cidade. Profissionais da saúde denunciam falta de equipamento e assédio moral.

Com o segundo maior número de mortes provocadas pelo novo coronavírus no país e casos em tratamento em alta, o Rio de Janeiro enfrenta mais um inimigo: a disseminação de notícias falsas entre trabalhadores da saúde. Em mensagens de áudio que passaram a circular a partir deste sábado (28/03), supostos médicos da rede pública afirmam que há poucos pacientes nos leitos intensivos e que a situação está “tranquila”, encorajando as pessoas a deixarem o isolamento físico e voltarem à vida normal, como se a pandemia não estivesse em curso. 

Direcionada a um grupo de médicos da rede municipal do Rio de Janeiro, uma das mensagem de voz de um suposto médico que diz ter um posto de chefia no Hospital Ronaldo Gazolla, referência para tratamento de coronavírus, afirma que não há casos graves e que o vírus não representa perigo para quem tem menos de 60 anos.

O homem incentiva os ouvintes a seguir o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro, que defende a retomada imediata das atividades econômicas e minimiza os riscos à saúde pública representados pelo coronavírus batizado de Sars-Cov-2, que já matou mais de 34 mil pessoas no mundo.

Questionada sobre o teor da mensagem que teria vindo de um profissional que atua no hospital referência da cidade para pacientes com covid-19, a doença respiratória provocada pelo coronavírus, a assessoria da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro desmentiu o conteúdo e disse que, ao contrário do que difunde o mensageiro, a situação é muito grave.

Por meio de nota, a secretaria afirmou que a opinião individual de um profissional não reflete a posição da prefeitura e da secretaria. “A orientação permanece a mesma: todos, que podem, devem ficar em casa para evitar o crescimento acelerado da transmissão do vírus na cidade, conforme decreto publicado pelo prefeito Marcelo Crivella”, diz o texto.

Até este domingo, só a rede municipal do Rio de Janeiro tratava 38 pacientes internados pela doença, sendo 23 em UTIs. Há mais de 4.400 casos prováveis, segundo dados da prefeitura. Das 136 mortes no país contabilizadas pelo Ministério da Saúde até domingo, 17 foram no estado. São Paulo teve 98 óbitos por covid-19.

Em entrevista coletiva no sábado, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reforçou que os brasileiros devem manter o isolamento seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). “Nós estamos falando de vida. Nós vamos nos pautar por ciência, nós vamos adotar medidas por critérios científicos e vamos fazer planejamento”, afirmou.

Campanha de desinformação

Áudios com notícias falsas que tentam minimizar os riscos de contaminação do novo coronavírus, que estimulam pessoas a retornar ao trabalho e a ignorar a pandemia parecem ser a nova estratégia de disseminadores de desinformação. O fenômeno teve início após a Justiça Federal do Rio de Janeiro, em caráter liminar, impedir que o governo Bolsonaro fosse em frente com a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”. Estimados em 4,8 milhões de reais, os vídeos da campanha incentivam o retorno à rotina de várias classes de trabalhadores para que a economia não desacelere.

Numa análise rápida feita a pedido DW Brasil por Pablo Ortellado, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) que monitora o debate político nas redes sociais, a conclusão é de que a atual campanha de desinformação com mensagens de áudio é preocupante.

“A situação é muito grave”, disse Ortellado à DW Brasil após verificar o fluxo das mensagens nas redes. “São áudios apócrifos, de alguém dando um testemunho de uma verdade escondida, de que não está morrendo gente ou tanta gente como dizem”, detalha.

Surpreendido com as informações iniciais que analisou, Ortellado prepara um relatório em que se debruça exclusivamente na distribuição dessas mensagens.

“Nem na campanha eleitoral de Bolsonaro tínhamos visto isso. O que está acontecendo agora, com a disseminação desses boatos mentirosos sobre a pandemia, foi visto por nossa equipe apenas quando a vereadora Marielle Franco foi assassinada. Também surgiram muitos áudios mentirosos sobre a vereadora”, comparou Ortellado.

O negacionismo da grave situação da pandemia provocada pelo novo coronavírus pode custar milhões de vidas. Um estudo liderado pelo Imperial College, universidade britânica, estima que até 1,1 milhão de brasileiros poderiam morrer caso nenhuma medida de isolamento fosse tomada. Num cenário em que só idosos fiquem reclusos, as mortes podem chegar a 529 mil, com 120 milhões de infectados e 3,2 milhões de internações, segundo o estudo.

Situação crítica em hospitais

Profissionais da rede pública de saúde do Rio de Janeiro ouvidos pela DW Brasil relatam uma rotina dramática e exaustiva no tratamento de pacientes com covid-19.

“Além da falta de insumos e de equipamentos de proteção, problemas que sempre enfrentamos, há médicos e enfermeiros com sintomas da doença que continuam trabalhando”, denuncia um profissional de um hospital federal que, com medo de retaliações, não quer ter o nome revelado.

Segundo a denúncia, os profissionais são vítimas de assédio moral por parte dos dirigentes, afirmando que estes os obrigam a ignorar a provável contaminação e seguir lidando com pacientes.

Em 18 de fevereiro, diversas entidades, entre elas a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), entregaram ao Ministério da Saúde um dossiê sobre as condições precárias de trabalho nos hospitais federais. Mas isso foi antes de os casos de covid-19 explodirem.

“Constantemente a gente já interna pessoas pelos corredores. Então, a pandemia nos deixa bastante impactados”, afirma Christiane Neves, técnica de enfermagem do hospital federal Cardoso Fontes e dirigente do sindicato no Rio de Janeiro que faz parte da Fenasps.

Devido à falta de material, os trabalhadores são orientados a reutilizar máscaras descartáveis que, por recomendação do fabricante, precisam ser descartadas em 12 horas. “Querem que um equipamento de proteção individual seja eficiente por um tempo dez vezes maior que o recomendado pelo fabricante”, afirma Neves.

Trabalhadores que estão na linha de frente do combate à covid-19 têm medo do pior. “Quando olho para o que está acontecendo lá fora e olho para nossa realidade funcional, sendo uma profissional que trabalha na ponta, acho que todas as pesquisas internacionais com expectativa de número de mortes estão subestimadas. Pode ser muito pior”, lamenta Neves.

Ninguém da direção do hospital federal Cardoso Fontes foi encontrado para comentar as denúncias.

Crédito: Deutsche Welle Brasil – disponível na internet 31/03/2020

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