Conclusões sobre isolamento vertical são ‘prematuras’, diz estudo do Exército
Documento do Centro de Estudos do Exército (CEEEx) considera “prematuro” elaborar conclusões acerca do isolamento seletivo ou “vertical” adotado em países da Ásia e da Europa e, embora faça a mesma avaliação sobre a alternativa “horizontal”, aponta como “provável” que as medidas adotadas nas cidades brasileiras com maior número de casos “tenha alongado a curva da doença”. O trabalho reconhece a complexidade de se obter consenso entre as lideranças políticas e os governos nas esferas federal, estaduais e municipais, mas vê essa necessidade como “urgente”.
“Não parece razoável uma quebra de governabilidade num momento tão crítico”, diz o estudo Crise COVID-19: Estratégias de Transição para a Normalidade”. Com data de 2 de abril e disponível no site do CEEEx, o documento aponta que a tarefa de “adoção de uma estratégia nacional para o enfrentamento da crise do COVID-19″ vem se mostrando “complexa, seja em termos econômicos, quanto políticos, científicos e, até mesmo, éticos” e se propõe a “apoiar a busca de um consenso mínimo, essencial para que uma estratégia eficaz seja estabelecida”.
O estudo foi concluído e publicado nove dias após o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, afirmar em vídeo divulgado nas redes sociais da instituição que a pandemia do novo coronavírus “talvez seja a missão mais importante” da atual geração de militares, e que a força adotou medidas conforme recomendações das autoridades de saúde.
Na segunda-feira, o antecessor de Pujol, o general Eduardo Villas-Bôas, elogiou a “coragem e a perseverança” do presidente Jair Bolsonaro, criticado por desautorizar as decisões do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e afirmou que “um líder deve agir em função do que as pessoas necessitam, acima do que elas querem”.
O CEEEx foi criado em 2003 e é subordinado ao Estado-Maior do Exército (EME), cujo comando é o segundo posto mais importante da instituição. Esse cargo era ocupado pelo atual ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Souza Braga Netto, e desde 26 de março está sob a chefia do general Marcos Antonio Amaro dos Santos, ex-comandante militar do Sudeste.
Em nota publicada em seu site, o CEEEx afirma que os textos publicados pelo órgão “são de caráter acadêmico e abordam questões relevantes da conjuntura nacional e internacional”, produzidos por “analistas e estudiosos de diversas áreas, não só militares, da ativa e da reserva, como também por pesquisadores civis.” O comunicado acrescenta que “as opiniões, neles externadas, não representam a posição oficial do Exército, e têm por objetivo contribuir para o debate dos grandes temas nacionais, com ênfase para aqueles com impacto para a Defesa”.
Base científica
O CEEEx reconstitui toda a trajetória da COVID-19 retratada em artigos científicos e reconhece o “intenso esforço acadêmico” para entender o comportamento da doença, mas faz ressalvas ao caráter “incipiente” dos estudos publicados e que “ainda têm um longo caminho até a produção de soluções viáveis”. Há uma menção ao hidróxido de cloroquina associado à azitromicina, medicação que Bolsonaro tem citado como “remédio” para a doença, mas o estudo do Exército trata o status do medicamento como uma possibilidade em teste.
“Por tudo isso, há um consenso mundial, entre os especialistas em saúde, de que o isolamento social seja a melhor forma de prevenção do contágio, especialmente o horizontal, para toda a população”, diz o estudo do CEEEx. “O isolamento seletivo, ou vertical, para determinados grupos de risco, é defendido por alguns especialistas e vem sendo adotado por alguns países. No entanto, ainda é prematuro para que sejam elaboradas conclusões a cerca (sic) de seus resultados.”
O CEEEx analisou cinco países que adotaram “práticas menos isolacionistas e menos generalistas, atuando de forma seletiva para isolar as populações de risco e os sintomáticos”: Alemanha, Austrália, Coreia, Suécia e Japão, que já foi citado por Bolsonaro como exemplo de alternativa ao que vem ocorrendo nos estados brasileiros. Entretanto, o documento do Exército observa a importância dos “aspectos culturais e a qualidade dos sistemas de saúde”, mencionando o “comportamento social peculiar” de japoneses e coreanos e a alta capacidade de realizar testes nesses países e na Alemanha.
Assim, o estudo aponta que a transição de um isolamento horizontal para vertical “depende de alguns fatores essenciais para seu sucesso, dos quais se destacam: rígido cumprimento das orientações das autoridades (aspecto cultural), necessidade de um rigoroso isolamento dos grupos de risco e grande disponibilidade de testes de checagem rápida, para diagnóstico massivo de pessoas contaminadas”.
Sequenciamento
Uma outra alternativa de ação no Brasil sugerida pelo estudo é denominada de sequenciamento ou mista. “Ela estabeleceria um calendário, no qual medidas de isolamento vertical e horizontal seriam implementadas sequencialmente”, diz o documento. “Neste sentido, um período de até quinze dias de isolamento horizontal seria seguido por período de até quinze dias de isolamento vertical, de forma a condicionar a cadeia de transmissão do vírus.”
Para tanto, porém, o estudo aponta a necessidade de alta coordenação entre o Ministério da Saúde e os governos locais e a oferta de grandes quantidades de testes rápidos –em consonância com o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou em teleconferência no sábado e com o que corroborou o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo. A questão política é tratada como fundamental para o sucesso do enfrentamento da COVID-19.
“Sem um consenso e uma estratégia muito bem definida, será difícil convencer a população, sobretudo os mais pobres e informais, a ficarem confinados”, diz o CEEEx. “Os sacrifícios serão grandes, principalmente em se considerando que a maior parte da população brasileira trabalha para viver e não dispõe de reservas financeiras para atravessar um período muito longo sem renda.”
“Embora ainda seja cedo para uma avaliação mais conclusiva, observa-se que a adoção precoce de estratégias de isolamento horizontal tem apresentado resultados parciais mais efetivos, no achatamento da curva”, prossegue o estudo do Exército. “Observa-se, ainda, que se aproxima o momento de definir qual o próximo passo: manter o isolamento horizontal, suspender o isolamento ou adotar uma estratégia de transição.”
Crédito: Iuri Pitta/CNN Brasil – disponível na internet 06/04/2020
Acesse a íntegra do estudo: Crise COVID-19 Estratégias de transição para a normalidade >>> www.ceeex.eb.mil.br/index.php/component/content/article?layout=edit&id=600