Centrais pedem ao STF que reveja a correção dos créditos trabalhistas

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Em ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF), seis centrais sindicais destacam que a decisão do ministro Gilmar Mendes (que suspendeu o julgamento sobre o reajuste por TR ou IPCA-E) precisa ser revista, seja em reconsideração, seja pelo presidente da Corte, ou pelo colegiado
 

“A decisão não colabora com a superação das dificuldades. Sinaliza, de modo desrespeitoso, sobre os sistemas de proteção e aplicação da Justiça social, colaborando para o enfraquecimento das instituições e do diálogo que seja promotor de políticas de emprego e renda, compatíveis com o desenvolvimento do país para todos e não apenas para os poucos que acumulam riquezas”, afirmam.

Veja o documento:

“Ao Exmo. Presidente do STF
Ministro Dias Toffoli

Assunto: Pedido de audiência

As Centrais Sindicais, de forma unitária, vêm expressar publicamente e orientar a todas as suas entidades filiadas e às trabalhadoras e aos trabalhadores que têm sofrido os impactos da precarização, iniciada com a reforma trabalhista e, agora, impulsionada de forma aviltante pela justificativa das consequências da pandemia, a se manterem mobilizados.

A decisão proferida monocraticamente pelo ministro Gilmar Mendes (STF) no âmbito da ADC 58, no dia 27/06 (sábado), a pedido da Confederação patronal do Sistema Financeiro, e do grande empresariado brasileiro, em especial do agronegócio, é inaceitável!

O ministro Gilmar Mendes determina a suspensão de todos os processos trabalhistas em que se discute se os débitos trabalhistas serão corrigidos por TR ou IPCA-E. Na prática significa deixar os trabalhadores sem receber aquilo a que têm direito. Mas há mais! A decisão atende unilateralmente a pretensão do sistema financeiro e do grande empresariado aprofundando a precarização, barateando os créditos trabalhistas e os salários. Ficará oportuno deixar de cumprir a lei. Enquanto cobram juros e correção monetária de todos os brasileiros endividados, querem pagar barato o descumprimento da legislação trabalhista. É isso que está em causa!

O governo se adiantou em liberar R$ 1,216 trilhão para os bancos brasileiros. A cifra, divulgada pelo próprio BC, equivale a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Enquanto isso, para os trabalhadores, sobrou aceitar contratos individuais de trabalho com redução salarial e outras formas mais baratas e a tentativa de afastamento das entidades sindicais das negociações coletivas.

Foi preciso um enorme esforço de mobilização das centrais para que o Congresso promovesse pequenas correções nas medidas provisórias. Ainda assim, muito aquém do que se vislumbra necessário tanto neste difícil momento por que passamos no Brasil e no mundo, quanto pelo que se avizinha no pós-pandemia.

Ao contrário de todas as recomendações da OIT e outros organismos internacionais, bem como, de economistas alinhados, no mundo inteiro, com uma pauta de superação da pandemia voltada para um mundo menos desigual e mais inclusivo, na contramão do desastre enfrentado pelos sistemas públicos sucateados pelas políticas neoliberais, autoritárias e de austeridade, a pauta do governo, do grande empresariado e do sistema financeiro, seus aliados no Judiciário e no Parlamento, continua investindo contra as trabalhadoras e trabalhadores.

Não parece ser coincidência que se tenha conseguido retirar da conversão da Medida Provisória 936 o tema da correção monetária dos débitos trabalhistas, que estimulava o mal pagador e deixava milhões de trabalhadoras e trabalhadores com promessas vazias de recebimento de verba alimentar, e a decisão liminar proferida em um final de semana, paralisando os processos trabalhistas sobre essa matéria.

É preciso reagir para exigir que as trabalhadoras e trabalhadores sejam ouvidos e respeitados. Que o desastre proveniente da crise sanitária não se espalhe em medidas de ainda maior precarização para a maioria da população brasileira e em especial nas relações de trabalho.

O STF deve estar à altura do desafio do presente que é assegurar o cumprimento da Constituição que tem por fundamento a valorização do trabalho humano e a existência digna para todos e, em consequência, a livre iniciativa. A inversão de valores, colocando os interesses do sistema financeiro, da liberdade econômica e do grande capital acima dos interesses das pessoas e do bem-estar, põe em risco a democracia e a paz social.

A decisão do ministro Gilmar Mendes precisa ser revista, seja em reconsideração, seja pelo Presidente do STF, ou por seu colegiado. Ela não colabora com a superação das dificuldades. Sinaliza, de modo desrespeitoso, sobre os sistemas de proteção e aplicação da Justiça social, colaborando para o enfraquecimento das instituições e do diálogo que seja promotor de políticas de emprego e renda, compatíveis com o desenvolvimento do país para todos e não apenas para os poucos que acumulam riquezas.

É por isso que as Centrais Sindicais vêm a público denunciar a decisão monocrática de paralisar a Justiça do Trabalho e deixar milhões de trabalhadoras e trabalhadores sem os seus créditos devidamente corrigidos. Mas alerta que a referida decisão precisa ser compreendida no contexto mais amplo de desrespeito sistemático que se tem feito à pauta dos direitos dos trabalhadores, que estão pagando o preço da acumulação financeira, e estão cada vez mais pobres, precarizados e sem os mecanismos de proteção de direitos como são os sindicatos fortes, negociações coletivas prestigiadas, diálogo social fortalecido, sistema de inspeção do trabalho funcionando, Ministério Público do Trabalho atuante e uma Justiça do Trabalho respeitada.

Em um único final de semana a decisão do ministro Gilmar Mendes catalisa e revela a perversidade de uma política voltada exclusivamente para beneficiar os que já ganham muito e querem continuar a ganhar, mesmo que para isso precisem debilitar todo o sistema de proteção social. O risco será para todos, pois não se faz democracia sem direitos sociais e diálogo com todas as forças da sociedade. Por ora, o diálogo é apenas com o sistema financeiro, os representantes do grande capital e do agronegócio. Não há democracia pela metade. E não há fortalecimento das instituições democráticas quando estas apostam na sua deslegitimação.

Que o alerta possa ser compreendido, em especial pelo presidente da Corte e todos os seus ministros e ministras, como um chamado ao cumprimento do que fundamenta a República e constitui o Estado Democrático de Direito que é a Justiça social, a valorização do trabalho humano, a existência digna e o diálogo onde os trabalhadores e trabalhadoras sejam ouvidos e suas representações valorizadas.

Esperamos que o ministro Gilmar Mendes possa reconsiderar a decisão ou que o ministro presidente, Dias Toffoli, possa rever ou incluir de imediato em pauta a liminar concedida para o exame colegiado, ainda antes do início do recesso judiciário.

Certos da sua atenção,

Sérgio Nobre – CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES – CUT

Ricardo Patah – UNIÃO GERAL DOS TRABALHADORES – UGT

Adilson Gonçalves de Araújo – CENTRAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DO BRASIL

Miguel Eduardo Torres – FORÇA SINDICAL

Álvaro Egea – CENTRAL DOS SINDICATOS BRASILEIROS – CSB

José Calixto Ramos – NOVA CENTRAL SINDICAL DE TRABALHADORES- NCST

Crédito: Vera Batista/Correio Braziliense – disponível na internet 30/06/2020


STF: Ministro suspende trâmite de ações que discutem correção monetária de créditos trabalhistas

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão da tramitação de todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho em que se discutam se os valores devidos deverão ser corrigidos pela Taxa Referencial (TR) ou pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

O ministro deferiu medida liminar nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59, ajuizadas, respectivamente, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic) e outras duas entidades de classe. A decisão do relator deverá ser submetida a referendo do Plenário, em data a ser definida.

Entre os motivos considerados pelo relator para o deferimento da medida estão a crise decorrente do estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia da Covid-19, a iminência de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) para suspender o atual índice (a TR) e o início do recesso do Judiciário.

Insegurança jurídica

As entidades pedem que seja declarada a constitucionalidade dos artigos 879, parágrafo 7º, e 899, parágrafo 1º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), alterados pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), e o artigo 39, caput e parágrafo 1º, da Lei de Desindexação da Economia (Lei 8.177/1991). Requerem ainda que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se abstenham de alterar a Tabela de Atualização das Dívidas Trabalhistas, mantendo a aplicação da TR.

Segundo as confederações, há um “grave quadro de insegurança jurídica”, com perspectiva de agravamento em razão do posicionamento adotado pelo TST, que, “sistematicamente”, tem determinado a substituição da TR pelo IPCA. As entidades sustentam que já há maioria no pleno do TST pela declaração da inconstitucionalidade da TR na correção de dívidas trabalhistas e que a mudança no índice de correção resultará no enriquecimento sem causa do credor trabalhista e no endividamento, “também sem causa”, do devedor, sobretudo diante do estado de emergência social e econômica.

Quadro de guerra

Ao deferir os pedidos de tutela de urgência, o relator destacou o papel fundamental da Justiça do Trabalho no atual cenário de pandemia, com a estimulação de soluções consensuais e decisões judiciais. Para Gilmar Mendes, as consequências socioeconômicas dessa situação “se assemelham a um quadro de guerra e devem ser enfrentadas com desprendimento, altivez e coragem, sob pena de desaguarmos em quadro de convulsão social”. Diante da magnitude da crise, o ministro entende que a escolha do índice de correção de débitos trabalhistas ganha ainda mais importância, visando à garantia do princípio da segurança jurídica.

Segundo o relator, o momento exige “grandeza para se buscarem soluções viáveis do ponto de vista jurídico, político e econômico”. Ele lembrou decisões tomadas por ele como relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1247402 e da Reclamação (Rcl) 37314, que tratam do mesmo tema, no sentido de que as decisões da Justiça do Trabalho que afastam a aplicação da TR como índice de correção monetária descumprem precedentes do STF nas ADIs 4425 e 4357. Acrescentou ainda que a matéria não se enquadra no Tema 810 da repercussão geral, em que se discute a aplicação da Lei 11.960/2009 para a correção monetária das condenações contra a Fazenda Pública antes da expedição de precatório.

Apensamento

O relator determinou o apensamento das ADCs 58 e 59 e da ADI 6021 à Ação Direta de Inconstitucionalidade 5867, para tramitação simultânea e julgamento conjunto. Todas as ações se referem à constitucionalidade dos artigos 879 e 899 da CLT, na redação dada pela Reforma Trabalhista. Também admitiu o ingresso de outras associações de classe como interessadas no julgamento das ações (amici curiae).

STF 29/06/2020

2 Comentários

  1. Será que a comunidade jurídica trabalhista (notadamente a que defende empregado) se deu conta do absurdo do voto do relator – e que seguramente será seguido pelo min. Toffoli? Simplesmente, deu-se com uma mão para tirar com duas. As ações visavam decretar a constitucionalidade da TR, e, embora esta tenha sido negada, colocou-se em substituição a selic, que engloba juros de mora e correção monetária. A meu ver, não era esse o objeto das ações. Houve numa só tacada violação ao princípio da adstrição e da vedação a decisão surpresa, já que o expurgo dos juros moratórios não foi tema debatido.

    Pior ainda, porque a selic isoladamente é muito pior do que 1% de juros de mora + TR!

    Bom, do relator não se pode esperar muito mesmo – refiro à sua visão jurídica de mundo e não de sua pessoa. Mas duro é ver sua decisão sendo acompanhada por mais 3 ministros!

    Seguramente, essa é a pior composição da história da Corte!

  2. Impressionante como os argumentos dos defensores da TR são frágeis, se apegam no momento ruim da economia. Ora senhores, a 30 anos que o STF vem proclamando a inconstitucionalidade da TR utilizada para correção monetária nos débitos trabalhistas. Afirmam que o legislador, na reforma trabalhista de 2017, confirmou sua utilização. Lógico os malandros, ou seja, grandes devedores contumazes, via recursos protelatorios, ganhavam tempo (vários anos), enquanto aplicavam seus recursos no mercado financeiro com boas taxas de juros, findo um longo tempo, quitavam suas dívidas com enorme ganho (diferença entre aplicação financeira x TR), em prol do enorme prejuízo ao credor trabalhista, malandros né! Em nenhum momento refletiram que o legislador, mesmo sabendo da posição do STF em relação à TR, exerceu abuso de poder, rasgando a constituição colocando artigo na reforma trabalhista confirmando a TR. Já está na hora de acabarmos com essa malandragem e o STF tem a grande oportunidade de colocá-los em seu devido lugar.

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