E essa tal de LGPD? Ajuda em quê?

0
120

Os dados pessoais, que são todas as informações capazes de identificar uma pessoa, assim como suas escolhas e preferências, são explorados cotidianamente para fins econômicos e impulsionam grandes marcas e indústrias, que, sob o pretexto de oferecer serviços ou entretenimento ao usuário, influenciam o consumo e o comportamento humano, gerando riqueza sem precedentes sob novo conceito: o capitalismo de vigilância. Então, não é por acaso que hoje os dados pessoais são considerados o novo petróleo do mundo.

Shoshana define capitalismo de vigilância:

1. Uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas; 2. Uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços é subordinada a uma nova arquitetura global de modificação de comportamento; 3. Uma funesta mutação do capitalismo marcada por concentrações de riqueza, conhecimento e poder sem precedentes na história da humanidade; […] 5. Uma ameaça tão significativa para a natureza humana no século 21 quanto foi o capitalismo industrial para o mundo natural nos séculos 19 e 20; […]

Portanto, não se trata de mera coleta de informações pessoais de forma despretensiosa, mas sim de coleta focada e direcionada para a formação de “big data” — termo em inglês que conceitua a análise e interpretação de grandes volumes de dados variados — e utilização desses para influenciar a conduta humana, de forma que todas as experiências sejam registradas e usadas para a oferta eficiente de produto, que induz o consumo mesmo quando não há verdadeiro anseio do consumidor por aquele item.

Essa coleta de dados pessoais não é feita apenas pela grande indústria. Essa ocorre de maneira quase que natural nos diversos contextos do nosso dia a dia. Considere, por exemplo, os momentos em que é oferecido desconto na aquisição de certo produto, mas, para tanto, você precisa informar seu CPF e dados para contato.

A partir desse momento você passa a receber inúmeras promoções sobre o mesmo produto ou produtos similares, com evidente direcionamento de propaganda que pode te levar a realizar a compra de algo que você não precisa, mas que se torna imperdível pelas condições de oferta que lhe são oferecidas.

As ofertas podem vir de lojas, marcas e empresas com as quais você jamais teve relação. Também já deve ter acontecido com você: sexta-feira à noite, perto da hora do jantar, você recebe mensagem de aplicativo de comida com desconto na pizzaria próxima de sua casa. Talvez você não fosse pedir pizza, mas naquele momento você estará suscetível a aceitar essa oferta. Coincidência? Não.

O aplicativo sabe seu endereço, armazena suas preferências, o horário em que você normalmente olha os cardápios, o tempo que fica em cada cardápio, as vezes que coloca algo no carrinho, o seu padrão financeiro com base nas suas compras anteriores, enfim, uma infinidade de informações indicativas de comportamentos — dados.

Tudo está armazenado, criando um perfil, que, dependendo do volume de informações, possibilita que a inteligência artificial trace seu padrão de consumo e passe a oferecer esta ou aquela promoção dependendo do dia ou horário mais propício ou que você estiver mais suscetível.

A questão não termina na oferta de bens e produtos. O armazenamento de dados pessoais e definição de perfis também serve a propósitos políticos e pode viabilizar a manipulação de eleições, plebiscitos e consultas públicas.

O escândalo da Cambridge Analytica é exemplo dessa manipulação de eleições por meio do big data. A empresa britânica combinou a mineração e análise de dados com comunicação estratégica para o processo eleitoral norte-americano, buscando influenciar o resultado de diversas eleições presidenciais estadunidenses por meio da violação de informações dos usuários, utilizando um aplicativo vinculado no Facebook de “teste psicológico”, que angariava informações como identidade, localização e gostos do usuário, tudo com seu consentimento aos Termos de Uso — que quase ninguém lê antes de aceitar.

Essa é a grande sacada do capitalismo de vigilância e que justifica a necessidade de se proteger os dados pessoais, que vêm sendo utilizados de forma indiscriminada, sem consentimento do titular, para influenciar e moldar comportamentos.

Você se sentiu controlado? Talvez manipulado? Para regulamentar o tratamento de dados e trazer alguma proteção, em 14 de agosto de 2018 entrou em vigor a Lei 13.709/18, mais conhecida como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que estabelece uma série de direitos aos titulares dos dados pessoais — eu e você.

A partir de 14/08/18, toda empresa, pública ou privada, deve ter um canal para que qualquer pessoa possa entrar em contato e exigir seus direitos descritos no artigo 18 da Lei: confirmação da existência; acesso aos dados; correção; anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com a lei; portabilidade dos dados a outro fornecedor; eliminação dos dados pessoais tratados com o consentimento do titular; informação das entidades públicas ou privadas com as quais esses dados foram compartilhados; informação sobre a possibilidade de não fornecer consentimento e sobre as consequências da negativa; revogação do consentimento.

Sabe aquela empresa de telefonia que liga incessantemente oferecendo uma promoção imperdível? Pela LGPD você tem o direito de entrar em contato, descobrir quais são os dados que essa tem sobre você e pedir a eliminação deles, impossibilitando contatos futuros de algo indesejado ou não solicitado.

Isso vale também para as suas redes sociais e seu banco, por exemplo. Tudo aquilo que precisa de seu consentimento para ser armazenado pode ser eliminado a qualquer momento desde que você solicite.

E você se pergunta: será que os meus direitos serão realmente observados se as empresas têm tanto interesse no tratamento de dados pessoais? A LGPD traz um mecanismo de fiscalização e duras penas a quem insistir em não cumprir as regras, desde uma simples advertência a multas vultuosas, que podem representar até 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões ou até mesmo bloqueio total do banco de dados e impossibilidade de tratamento de dados pessoais.

Muitas pessoas, em especial os proprietários das grandes empresas, estão vendendo a ideia de que a LGPD é um retrocesso, mais uma lei inútil que busca dificultar a utilização de tecnologia e a oferta de bens e produtos. Não caia nesse discurso! A LGPD veio impor limites para o desenfreado capitalismo de vigilância e ressignificar a forma como nos é vendida a tecnologia.

O capitalismo de vigilância não se resume ao aplicativo, o “site”, ou os bancos de dados, mas abrange toda a lógica que permeia essas tecnologias e tem inegável repercussão em nossa liberdade, privacidade e humanidade, na medida em que representa controle social para fins econômicos e políticos, ainda que não estejamos percebendo.20

Crédito: Ariane Elisa Gottardo Emke , Karina Balduino Leite e Carlos Fernandes Coninck Júnior/ Agência DIAP – @internet 09/04/2021

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui