Breve resumo teórico sobre o aspecto econômico da regulação e a adequação do INMETRO como Regulador

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O estudo econômico da atuação do Estado sobre a economia se dá sobre múltiplas formas. Em uma delas, que suscita boas discussões acadêmicas, é a ação de agências reguladoras. Tentarei, aqui, exibir um resumo do arcabouço teórico que a economia fornece para análise desse tema e em seguida demonstrar como o INMETRO atua como um regulador de mercado, mesmo não sendo assim classificado na legislação atual.

Concorrência Perfeita

O nosso resumo deve se iniciar considerando um mercado hipotético denominado de “concorrência perfeita”. É necessário, para o desenvolvimento da ideia, elencar suas características:

(i) há uma grande quantidade de produtores e de consumidores (atomização) de modo que nenhum dos lados consegue alterar o equilíbrio do mercado (preços e quantidades); (

ii) o produto negociado é homogêneo;

(iii) não há barreiras (técnicas, comerciais) de entrada ou saída do mercado e

(iv) há perfeito conhecimento sobre informações essenciais (preços, salários, quantidade). Supondo esse mundo ideal, o equilíbrio dado pela oferta e demanda é eficiente no sentido de Pareto. Tal eficiência significa que não é possível melhorar a condição de um agente na economia sem que necessariamente piore a situação de outro.

Com base nesses pressupostos, foi formulado o 1º Teorema do Bem-Estar. Tal teorema afirma que se um mercado é competitivo (isto é, possui as características acima descritas) haverá um equilíbrio Ótimo de Pareto (o mercado alocará recursos de forma eficiente). Como consequência direta dessa conclusão, há a ideia de que qualquer intervenção do governo será prejudicial, pois somente causará distorção no mercado, ineficiência e perda de bem-estar.

Uma feira livre talvez seja um exemplo próximo de um mercado de concorrência perfeita. Feirantes apresentam seus produtos com preços próximos ou iguais, não tendo poder para exigir valores mais altos, pois os clientes certamente comprarão no seu “vizinho”. Compradores, por sua vez, não conseguem comprar em quantidade suficiente de modo a influenciar o preço do mercado. Produtos podem ser considerados homogêneos e as informações estão dadas. Mas, apesar do exemplo dado se aproximar (questionavelmente) do modelo, certamente não são comuns outros casos similares. O mercado competitivo com tais características é um mundo utópico, hipotético. Mesmo tendo grande relevância para o estudo da economia, não é aderente à realidade. O que se observa, ao contrário, são inúmeros casos onde essas características não são verificadas.

Situações onde as características de concorrência perfeita não são observadas são denominadas Falhas de Mercado. Havendo falhas de mercado, não haverá alocação eficiente de recursos de modo que é justificada a ação do governo, para corrigi-las.

Falhas de Mercado

A teoria econômica elenca alguns tipos de falhas de mercado. Trataremos aqui apenas de três, que são relacionados ao mote do resumo: (i) Bens Públicos; (ii) Externalidades e (iii) Assimetria de Informação.

A primeira falha, Bens Públicos, é definida na literatura como bens “não rivais” e “não excludentes”. Mas, o que quer dizer isso? Um bem é considerado “não rival” se é possível um agente consumi-lo sem afetar o consumo de outro agente. O custo de incluir uma pessoa é muito baixo. Ser “não excludente”, por sua vez, está relacionado com a inexistência (ou ser muito dispendioso) criar um mecanismo que exclua um agente do consumo. Um exemplo comum de “Bem Público” é a defesa nacional. Não há custo adicional em colocar mais um cidadão (recém-nascido, por exemplo) a ser defendido pelas Forças Armadas de um país. Não há, também, como excluir algum agente desse serviço. Outro exemplo, menos categórico, é a queima de fogos de artifício em um Réveillon.

No seu oposto, os “Bens Privados” são “rivais” e “excludentes”. A rivalidade se dá a partir do momento que o consumo de um bem por um agente impede o consumo do mesmo bem por outro. Quando se compra um celular; o aparelho será usado apenas pelo comprador (tendo a sorte de não ser roubado, não é?). Mas, não há como utilizar o aparelho ao mesmo tempo. A exclusão se dá pois há mecanismo de impedir o consumo (preço alto ou seguranças, por exemplo). 

Entre as duas classificações, encontram-se os “Bens Demeritórios” e os “Bens Meritórios”. Os Demeritórios são aqueles bens “rivais” mas “não excludentes”. O consumo causa uma externalidade negativa (conceito visto à frente) para a sociedade, de modo que deve ser desestimulado ou proibido. Exemplos que podem ser usados são os salões de festa de condomínios ou marfim de elefantes. Note: abater um elefante para retirar suas presas impede que outras pessoas possam apreciá-lo – vivo, preferencialmente. A exclusão a esse tipo de bem é custosa demais e, normalmente, falha. Para salões de festa: se a família de um condômino está usando, outro apartamento não poderá usar. Tornou-se comum a cobrança de uma taxa por utilização, justamente para poder “excluir” ou não incentivar o seu uso.

Os “Bens Meritórios” são aqueles considerados “não rivais” e “excludentes”. Podemos citar o serviço de Streaming (Netflix, Spotify, …). Certamente, o consumo por um agente do serviço de filmes não acarretará na impossibilidade de uso por outro agente. A exclusão é dada pela assinatura, paga, do serviço. Há, no entanto, outros exemplos mais comuns na literatura. A saúde e educação são serviços que de certo modo são “não rivais” e “excludentes”. Sem levar para os extremos, colocar mais um aluno em sala não impede outro de assistir a uma aula dada por um professor. A exclusão pode ser dada por cobrança de mensalidades. No entanto, por questões de juízo de valor ou mérito a sociedade exige do governo que forneça tais serviços, de modo que também são considerados por alguns autores de “Bens Quase Públicos”. São bens que, geralmente, têm o consumo incentivado, pois causam externalidade positiva.

A segunda falha de mercado apresentada são as “Externalidades”. É considerada uma externalidade o efeito decorrente das ações de consumo ou produção de algum bem ou serviço. Podem ser classificadas como “positivas” ou “negativas”. Trazemos neste resumo, exemplos de externalidades de produção. O mais tradicional exemplo de externalidade negativa relacionada a produção é a situação de poluição causada por uma indústria. Imaginem um caso hipotético de uma indústria produtora de bauxita que menospreze a manutenção de seus reservatórios de refugo de produção. Se por acaso o reservatório vazar e contaminar um rio, obviamente haverá uma externalidade negativa para toda sociedade. O custo social é elevadíssimo, se comparado com o custo da empresa para impedir o vazamento. No entanto, tendo em vista que a empresa arcará sozinha com essa despesa, não há incentivo que a faça se preocupar com isso. A intervenção do Estado, nesse caso, é justificada de modo a fazer com que o custo de causar a poluição seja superior ao custo de reduzir ou tratar os refugos, multando pesadamente a empresa que não tratar adequadamente seus rejeitos de produção. Como externalidade positiva de produção é possível usar o também clássico exemplo do apicultor. Suas abelhas poderão facilitar a produção de laranjas em um terreno próximo. O custo de manutenção é somente do apicultor, mas o benefício é aproveitado por um terceiro, sem arcar com os custos envolvidos.

A terceira falha de mercado é denominada “Assimetria de Informação”. Trata-se de uma definição simples: ocorre assimetria de informação quando um agente no mercado possui mais informação sobre o produto ou serviço do que o outro. O mercado de seguros é comumente utilizado como exemplo. O segurado (que solicita o serviço) tem muito mais informação sobre sua saúde, seu carro, sua residência e do que a seguradora que prestará o serviço.

Para que o significado de assimetria de informação seja compreendido, se faz necessário apresentar suas duas manifestações. A primeira é denominada “Seleção Adversa”. Trata-se de um problema no qual os incentivos dados pela estrutura do mercado fazem com que haja uma “seleção” de produtos (ou consumidores) justamente dos quais se quer evitar. No mercado de seguros de carros, a seguradora encontra um desafio ao decidir o preço do seu serviço. O ideal para a seguradora seria que apenas os mais cuidadosos motoristas procurassem o seu serviço, mas são exatamente esses que estarão menos propensos a contratá-lo. O valor que a seguradora deverá colocar para seu serviço não poderá ser alto demais para o perfil zeloso – de modo que afaste esse agente – e baixo demais para o perfil de motorista desleixado – que ciente das suas ações arriscadas, sabe que o valor a ser pago é pequeno perto do prejuízo potencial que poderá arcar se não segurado. 

Enquanto a “seleção adversa” ocorre antes do contrato assinado e está relacionada a uma informação oculta, o “risco moral” (a segunda manifestação da assimetria de informação) ocorre após o contrato assinado e é associado a uma ação oculta. Trata-se do risco de mudança de comportamento do agente, após a contratação do serviço. Uma vez contratado o seguro do carro, o perfil zeloso de motorista poderá reduzir a sua preocupação e atuar de modo diferente, sendo mais arriscado em suas ações.

INMETRO e as Falhas de Mercado

As diferentes agências reguladoras brasileiras lidam com mercados bastante específicos. A ANAC, por exemplo, tem seu foco no mercado de aviação civil. A ANCINE é a reguladora do mercado de audiovisual de nosso país. Quase a totalidade das agências possuem apenas um mercado (bem definido) sobre sua competência. O INMETRO, por sua vez, está relacionado com inúmeros mercados distintos. Atuamos com metrologia, acreditação, inovação, tecnologia, barreiras técnicas, enfim, uma atuação com enorme influência no resultado da economia do país. Inclusive, essa capilaridade do INMETRO faz com que atue, algumas vezes, conjuntamente com outros reguladores. Porém, é justamente pelo fato de não haver apenas um mercado de atuação, e sim uma infinidade, que muitas vezes a percepção da sociedade sobre o caráter de regulador do INMETRO (isto é, sua atuação sobre falhas de mercado) não é tão clara.

A metrologia pode ser considerada um bem público. Sua influência sobre a economia não rivaliza o uso entre os agentes do mercado. Também, não há exclusão dos benefícios gerados. A sociedade como um todo é beneficiada da segurança de consumir a exata quantidade que se paga de um pré-medido, por exemplo.

Ao fiscalizar e exigir um mínimo de qualidade técnica de determinados produtos, o INMETRO atua, também, com vista a reduzir externalidades negativas de produção. Muitas vezes, é na atuação de regulador que o INMETRO força produtores a internalizar aspectos técnicos importantes na prevenção de acidentes de consumo, por exemplo. Obviamente, a maior segurança técnica de produtos deve gerar custo para o produtor, mas que, caso não realizado, teria um potencial de dano para a sociedade.

Não seria a acreditação uma atuação do Estado na correção de uma assimetria de informação? Ao analisar a competência dos organismos de avaliação da conformidade, o INMETRO apura e exige um determinado padrão de qualidade. Laboratórios, certificadores e organismos de inspeção acreditados buscam sinalizar para a sociedade que atendem a um elevado grau de exigência técnica. A informação assimétrica da sociedade sobre a competência técnica dos organismos – isto é, a dúvida sobre a qualidade do serviço – é compensada com o símbolo da acreditação. Em outras áreas de atuação, o selo do INMETRO é uma sinalização sobre o nível de qualidade ou atendimento aos requisitos técnicos, que auxiliam a sociedade a tomar as melhores decisões de consumo.

Não tenho o conhecimento e nem a pretensão de listar exaustivamente os inúmeros exemplos que darão a real dimensão do benefício social da atuação do INMETRO. Certamente estou deixando de fora aspectos importantes (por exemplo: a atuação do INMETRO em Análises de Impacto Regulatório, nada mais tipicamente vinculado a função de agência reguladora). Considerando a vasta área de atuação, creio que somente em um estudo mais profundo, englobando seus servidores e colaboradores, é que seria possível mapear, com o necessário rigor, toda a atuação do INMETRO como regulador.

Teoria da Regulação

A teoria econômica, em seu desenvolvimento, se desmembrou em duas vertentes. A primeira, conhecida como Teoria da Regulação do interesse público, aponta que os reguladores têm informações e poderes adequados para melhorar as situações de falhas de mercado. Por outro lado, a Teoria da Regulação do interesse privado nega a competência (ou limita a capacidade) dos reguladores em atuar de forma adequada a melhorar a condição da sociedade. Nessa vertente, aponta-se que as agências reguladoras são criadas para atuar em prol da sociedade, porém são costumeiramente captadas pelas firmas do mercado de onde atuam, por meio, por exemplo, da ação de lobistas ou representantes de federações. Sendo capturadas pelas firmas do mercado que regulam, as agências acabam atuando de modo a criar mais benefícios privados, para tais firmas, em detrimento ao benefício social. Alguns autores apontam que falhas de governo podem ser ainda piores do que as falhas de mercado.

As agências reguladoras no Brasil contam com alguns mecanismos de defesa contra a captura pelas firmas, justamente para prevenir as falhas de governo. A sabatina no senado aos indicados para cargos de diretores; o mandato fixo de cinco anos; a exigência de rotação de um quinto dos diretores a cada 5 anos; a autonomia orçamentaria e financeira e a exigência de quarentena para ex -dirigentes das agências antes de assumirem cargos em firmas sob as quais regulavam são alguns dos exemplos de mecanismos usados dirimir tal risco. Atualmente, por não ser considerado uma agência reguladora, no sentido legal, o INMETRO não conta com alguns instrumentos importantes de defesa contra a captura, como também, contra influências políticas. De outro modo: haveria um ganho de governança e de controle, caso o INMETRO fosse transformado em agência.

Conclusão

Espera-se que, ao final deste resumo, seja possível ao leitor observar que o INMETRO desempenha a função de regulador de diferentes mercados, afetando a economia e a sociedade. Mesmo que, ainda, não esteja assim definido na legislação atual, as funções que desempenha deixam o Instituto adequadamente caracterizado como uma agência reguladora.

Pós Conclusão (atualização março de 2024)

Um dos aspectos não tratados na primeira versão do artigo e que também demandam atenção é a autorregulação. O que seria autorregulação? Seria a transferência de parte do poder de regular de prerrogativa da agência reguladora para entidades privadas organizadas, representando agentes do mercado regulamentado. Nessa evolução do modelo de regulação, algumas matérias específicas são reguladas pelas entidades privadas representantes do mercado, sempre com a supervisão da agência reguladora e nos limites legais.

Essa evolução teórica é uma resposta ao reconhecimento de que as agências reguladoras possuem bastante relevância e influência nos seus respectivos mercados, sendo eficazes ao alcançar seus objetivos de proteção à sociedade, mas enfrentam algumas dificuldades inerentes ao modelo, que prejudicam sua eficiência. São, basicamente, três os grandes problemas: (i) gestão dos custos; (ii) proximidade/distanciamento do mercado e (iii) dificuldade de elevar o comprometimento dos agentes do mercado regulado.

Em relação aos custos, pressupõe-se que para uma atuação completa e próxima do ideal teórico, seria necessário dispor de muitos funcionários e alto investimento por parte das agências reguladoras. Reconhecendo os limites desejáveis de investimento e a necessidade de ter custos adequados, não é possível ter agências reguladoras de porte majorado. Assim, ao transferir parte do poder de regular o mercado para entidades autorreguladoras, há uma redução do custo de atuação das agências, preservando sua atuação de supervisão, elaboração de diretrizes e fiscalização.

Acredita-se, também, que com a autorregulação, a questão do distanciamento da agência reguladora ao mercado regulado seja azeitada. Entende-se que uma entidade autorreguladora teria mais conhecimento e sensibilidade para normatizar certas matérias, em razão da sua proximidade com os agentes e com as peculiaridades dos mercados.

Por último, é possível afirmar que uma vez que os participantes do mercado são chamados a contribuir com o processo de regulação – na atuação como uma entidade de autorregulação – seja incentivado um maior comprometimento dos agentes do mercado às regras que eles próprios ajudaram a elaborar.

Mateus Zorzaneli é servidor do Inmetro, movimentado para o IBGE

Com o que é observado no Brasil e no mundo, parece esse ser um caminho comum no desenvolvimento das agências reguladoras. Resta, no entanto, a necessidade de uma agência reguladora forte e atenta para que os inconvenientes da autorregulação, como a complacência, tolerância com desvios de conduta de autorregulados, leniência na imposição de sanções ou mesmo a possibilidade de que aqueles que compõem a entidade autorreguladora atuem para impedir a entrada de novos concorrentes sejam devidamente evitados.

O INMETRO, nessa trilha para ser reconhecido formalmente como agência reguladora, deverá estar atento ao que que se desenha em outras agências reguladoras, já formalmente consolidadas, de modo a antecipar eventuais questionamentos e problemas. Entendo que ter o devido conhecimento teórico sobre essas questões aqui expostas poderão auxiliar os envolvidos nesse processo a argumentar a justa alteração formal deste Instituto.

Autor: Mateus Zorzaneli – 15/3/2024


Nota: Artigo com “Pós Conclusão”  – original publicado em nossa pagina no dia 19/08/2020 >>> asmetro.org.br/portalsn/2020/08/22/breve-resumo-teorico-sobre-o-aspecto-economico-da-regulacao-e-a-adequacao-do-inmetro-como-regulador/

 

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