Como reconhecer, prevenir e combater práticas silenciosas que comprometem a dignidade, a saúde e o desempenho de servidores públicos
O assédio funcional — também conhecido como assédio moral institucional — é uma forma sutil, mas profundamente prejudicial, de violência no ambiente de trabalho. Diferente de situações pontuais de conflito interpessoal, ele se caracteriza por condutas reiteradas que expõem o servidor a situações de desqualificação, constrangimento, isolamento ou desvalorização profissional.
No serviço público, onde os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência regem a atuação institucional (art. 37 da Constituição Federal), a ocorrência de assédio funcional adquire dimensão ainda mais grave, pois compromete não apenas o indivíduo, mas também a integridade da gestão pública.
Quando a hierarquia se transforma em instrumento de perseguição.
Há vários relatos no serviço público de situações preocupantes envolvendo o uso indevido da autoridade hierárquica para limitar ou prejudicar a atuação de servidores. Estes relatos indicam condutas como:
- Contestação recorrente de pareceres e notas técnicas, sem fundamentação consistente;
- Exclusão arbitrária de servidores de grupos de trabalho, reuniões ou eventos institucionais;
- Impedimento à participação em congressos, simpósios, fóruns, mesmo com aprovação formal de trabalhos técnicos;
- Negativas sistemáticas para viagens e atividades ou técnicas previamente autorizadas e consideradas rotineiras;
- Omissão deliberada de respostas formais da chefia em solicitações funcionais legítimas.
Essas práticas, embora disfarçadas sob o manto da “gestão administrativa”, revelam uma estratégia sutil de desestabilização psicológica e profissional, configurando, quando recorrentes e direcionadas, um claro cenário de assédio funcional.
Ética profissional no serviço público: fundamento e prática . A ética profissional no serviço público está diretamente relacionada à integridade, imparcialidade, respeito e responsabilidade no exercício das funções públicas. Não se trata apenas de cumprir regras, mas de agir com equidade e justiça nas relações de trabalho, respeitando colegas, subordinados e a instituição.
A ética se expressa, por exemplo, na transparência de critérios administrativos, no respeito à produção técnica, no tratamento igualitário entre servidores e na capacidade de escuta por parte da chefia. A violação desses princípios pode configurar falta ética ou, em casos mais graves, assédio funcional.
Enquanto a falta ética pode ocorrer pontualmente, o assédio se caracteriza pela intencionalidade, repetição e dano à saúde emocional ou à reputação profissional da vítima.
Falta de Ética e Assédio Funcional: diferenças e interseções
A seguir, uma tabela com exemplos comuns para distinguir comportamentos antiéticos de situações que, quando repetidas ou direcionadas, podem caracterizar assédio funcional:
Exemplos de Falta de Ética e Assédio Funcional
Comportamento | Classificação | Observações |
Discordância técnica pontual e fundamentada | Ético ou aceitável | Parte do debate técnico saudável |
Críticas técnicas com ironia ou tom depreciativo | Falta de ética | Pode evoluir para assédio se for recorrente ou vexatória |
Ignorar pareceres técnicos sem justificativa | Falta de ética / Assédio (se recorrente) | Fere a valorização profissional; pode configurar assédio funcional |
Excluir servidor de grupos, reuniões ou eventos sem critérios objetivos | Falta de ética / Assédio | Isolamento profissional é forma clássica de assédio moral |
Rejeitar pedido de participação em simpósio, fórum ou congresso técnico aprovado formalmente | Falta de ética / Assédio | Se usado para boicote ou retaliação, pode configurar assédio |
Impor metas inatingíveis sem recursos adequados | Assédio funcional | Visa à desmoralização e exposição negativa |
Recusar responder formalmente a questionamentos funcionais legítimos | Falta de ética / Assédio | Pode indicar omissão dolosa e desrespeito institucional |
Espalhar boatos sobre conduta ou desempenho de servidor | Assédio funcional | Fere a honra, a imagem e o ambiente de trabalho |
Gritar ou humilhar publicamente um servidor | Assédio funcional | Agressão direta e constrangimento são formas evidentes de assédio |
Base Legal e Normativa
O combate ao assédio funcional encontra respaldo em diversas normas legais e orientações administrativas, entre elas:
- Constituição Federal (Art. 37, caput) – Princípios da Administração Pública.
- Lei nº 8.112/1990 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais:
- Art. 116 – Deveres do servidor (urbanidade, respeito, zelo, assiduidade);
- Art. 117 – Proibições (prejudicar deliberadamente o funcionamento do serviço);
- Art. 132 – Penalidades (inclusive demissão por falta grave).Decreto nº 1.171/1994 – Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.
- Orientação Normativa SEGEP/MP nº 6/2013 – Reconhece o assédio moral como prática inaceitável e orienta sua prevenção e responsabilização.
O que fazer diante de situações de assédio funcional?
É fundamental que o servidor público saiba que não está sozinho. Em casos de suspeita de assédio funcional, recomenda-se:
- Documentar os fatos: Guarde e-mails, mensagens, registros de reuniões, cópias de despachos e testemunhos;
- Buscar apoio institucional: Setores de gestão de pessoas, corregedorias, comissões de ética e entidades sindicais;
- Solicitar formalmente esclarecimentos: Isso ajuda a construir um histórico funcional e força o contraditório;
- Procurar apoio jurídico: O sindicato pode orientar e, se necessário, acionar os órgãos competentes;
- Não silenciar: O silêncio perpetua a impunidade e enfraquece o serviço público como um todo.

O assédio funcional, ao contrário do que muitos pensam, não se resume a gritos ou ofensas diretas. Ele pode ocorrer de forma silenciosa, por meio da exclusão, da omissão, da negação sistemática de oportunidades e da tentativa deliberada de esvaziar o papel institucional de servidores competentes.
É dever de todos — chefias, colegas e instituições — zelar por um ambiente de trabalho saudável, ético e respeitoso. A luta contra o assédio funcional exige não apenas ações corretivas, mas, sobretudo, compromisso preventivo com a dignidade do trabalho no serviço público.
Sérgio Ballerini 20/10/2025